Quem sou eu

Minha foto
Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
Estudante, professor e agente da História de seu tempo. Deformado pela Universidade Federal Fluminense, pela capacidade de resiliência em torno de causas justas, pela coragem e pela sinceridade. Dinâmico, espiritualista, intuitivo, libertário, imprevisível. A leitura de seus textos é recomendada a quem faz uso de covardias.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O mundo sensitivo


            Quer conhecer melhor as pessoas, os fatos, o próprio conhecimento produzido pela humanidade e tudo o mais que não se percebe das sutilezas do amor ao cinismo dos bárbaros? Então não há escapatória para um curioso contumaz como você, homem de potência, que reconhecer o encantamento dos feiticeiros, o comportamento dos médiuns, a sensibilidade dos artistas e a tranquilidade aparente dos sábios. Para tudo que existe, há algo que não existe para você porque simplesmente você desconhece ou refuta pelo filtro dos interesses imediatos, das ideologias, das prioridades quase sempre materialistas e do próprio desdém científico. Quero apresentar-lhes o mundo sensitivo e sua riqueza de possibilidades, muitas as quais experimento através de meu corpo e presença, embora consciente de limitações que me imputam a continuidade do aprendizado. Não conheço de tudo, só consigo compreender algo mais substantivo de mim mesmo na ágora das relações. Busco, sinto e o que extraio das experiências são links de outras ainda mais instigantes. Viver não tem fim, tem “deixa”, o comando do teatro que permite ao outro ator lembrar ou saber que é hora de sua intervenção na peça que corre.

“Cada coisa tem um instante em que ela É.  Eu quero é passar do É da coisa.”
“Eu quero ser sempre aquilo com o que eu simpatizo. E eu me torno sempre, mais cedo ou mais tarde, aquilo com o que eu simpatizo. São simpáticos os homens superiores porque são superiores, são simpáticos os homens inferiores porque são inferiores também. Porque ser inferior é diferente de ser superior e isso é uma superioridade a certos momentos de visão. Eu simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de caráter, com outros eu simpatizo pela falta dessas mesmas qualidades. E com outros eu me simpatizo por simpatizar com eles. Como eu sou rei, absoluto em minha simpatia, basta que ela exista para que tenha razão de ser.”

A partir destes fragmentos de Fernando Pessoa, maravilhosamente declamados por Maria Bethânia, vem a “deixa” a que me refiro. Você pode estabelecer, num diálogo franco com o seu interlocutor, todas as regras que admite, as que assimila e as que rejeita, as que cria e as que obedece, mas sempre deverá lembrar que existem diversas provas em contrário para as suas certezas mais inquestionáveis. O que a ciência faz é estabelecer parâmetros para se iniciar uma análise e limites para que sejamos reconhecidos entre nossos pares. O pensamento científico é religioso e, quando estes se confrontam em perspectiva, costumam se estranhar. É para além dos limites de ambos que podemos desenvolver nosso estar no mundo. As condições impostas pela linguagem talvez nos limitem ainda mais, não servindo, contudo, para justificar plenamente a negação simples da existência do desconhecido.

Quantas vezes você se viu movido por impulsos que comprometeram sua honra, sua glória, seu status, sua moral? O que faz com que consigamos nos entregar completamente diante de alguns impulsos e reprimi-los vorazmente diante de outras circunstâncias? Sempre houve quem explicasse tal evento pela influência externa de forças da natureza, de Deus, dos astros, do entorpecimento, das pressões sociais. Se todas estas forças interagem conosco, algo que reconheço por ter afrontado o estranhamento entre concepções religiosas e concepções científicas, ainda assim está no homem boa parte das decisões e rumos que venha a tomar. E sublinho a “boa parte” porque igualmente reconheço o fenômeno da culpabilização do outro, algo que condiciona o sujeito a interiorizar culpas, paranoias e medos, e tomá-los como verdades esquizofrênicas, superiores e inevitáveis.

Há uma sensação toda especial que percorre nossos sentidos físicos, é decifrada por cérebro e correspondida de imediato. Pode ser ódio ou amor, paixões suplementares, que não necessariamente se sustentam por um exame mais acurado da realidade conflitante. De maneira que ninguém consegue disfarçar completamente, nem por muito tempo, qualquer farsa que tente se impor. Se gosto de alguém, posso falar de diversos assuntos e até me distanciar, levando o sentimento para uma idealização platônica. Posso optar pelo alcance imediato de seu corpo, como um tarado, ou reverenciá-lo aos poucos, como fazemos quando queremos apreciar um bom prato. O que não se pode – e o que se mais faz entre os inseguros - é negar o sentimento. Ao mentir, conduzimos um esforço cósmico invisível e imensurável para direcionar o foco e perder de vista a troca efusiva do encontro e da oportunidade. Há uma perda insensata que precisará ser preenchida por uma angústia qualquer. É bem diferente de pôr as cartas na mesa e levar um “não” como resposta: não partiu de sua tentativa o desvio de foco, mas do outro, que poderá ter suas razões para isso e terminar bem ou, caso reprimido esteja, assumindo os riscos da mentira.
   
É desta dinâmica que resultam, por exemplo, os famosos “descontos” nas pessoas que nada têm a ver com nossos problemas. O organismo humano parece confluir com o astral para que uma sucessão de decepções seja desencadeada, tornando aquele pequeno problema em algo superlativo demais diante de sua origem. Tenho para mim que doenças do mundo contemporâneo estejam diretamente associadas a esta elaboração do real a partir da covardia. Entretanto, os absurdos e injustiças sofridos pelos sinceros parecem ser mais fracos, aproximando-os da solução e das saídas para os fatos mais inacreditáveis com a certeza dos crédulos. Daí advém o peso da meditação, da reflexão, dos princípios pacifistas, do encaminhamento dado pela tranquilidade soberana dos que conhecem e praticam a Lei de Causa e Efeito. Precisamos animar a existência do que sentimos, certos de que a elaboração do pensamento, a aplicação prática da linguagem e dos exercícios ritualísticos (quais sejam!) em torno do desejo é que serão capazes de um fortalecimento sem igual de nossa presença no mundo. Os sistemas de coerção nascem, crescem e se reproduzem da sustentação voluntária, em cada um de nós, da mentira, da autorrepressão, do aprisionamento conceitual e da negação do que sentimos quando, em verdade, acreditamos que tal feito nos assegure garantias outras – da manutenção de uma simples amizade sadia a postos-chave na hierarquia do sistema.

Portanto, é preciso discernimento. Mais do que qualquer tipo de controle, urge aplicar ao cotidiano das relações humanas a observação crítica, o amor e a sinceridade. Só quando desejamos ao outro o melhor dos mundos possíveis é que nos aproximaremos do melhor mundo possível. O encantamento sensorial é um gozo à parte: fortalece a ambos de uma dada relação, ainda que aparentemente infrutífera seja a aplicação instantânea do desejo. Isto porque o desejo de se amar alguém é tão poderoso, por exemplo, que não se limita à personificação estrita de nosso ego. Ao amar alguém, estamos amando a espécie e a todo o cosmos envolto. Com esta firmeza de propósito, o homem que ama a alguém pode chegar ao ponto de um sucesso que, a priori, por desconhecimento dos nexos e das pontes sensoriais, não atribua relação de causa e efeito. Tal impressão equivocada, alienada de sua origem, cai por terra diante da reflexão mais acurada de que fazem os sensitivos. Todos nós podemos desenvolver nossa sensibilidade ao ponto de identificar racionalmente o despertar de uma intuição valorosa ao plano material. Veja o exemplo:

Eu desejo você e você me deseja sexualmente. Eu sou solteiro e gay assumido, você se diz heterossexual e é casado. Temos um sistema de coerção a nos disciplinar, levando-nos a sufocar tal desejo. Eu posso evitar tratar do assunto, muito embora você sinta em meu olhar e em minha companhia uma sensação estonteante que só se completaria plenamente com um beijo, um sexo ou um carinho. Você pode insistir em me rejeitar, o que levarei por conta da rejeição e não me esforçarei em achar que a sua questão comigo seja o contrário. Você pode falar dos outros e tentar me passar o que lhe angustia criando, sobre um enredo alheio, algo que eu não me identifique e, portanto, não compreenda. Eu posso entender que você simplesmente não me deseja. Os dois seguirão frustrados e enfraquecidos. Outra hipótese: eu posso sobrevalorizar cada gesto seu e achar que, de fato, você me quer e tem medo, quando o correto é que isto nem passava pela sua cabeça. Neste caso, tenho eu a opção de seguir frustrado sozinho, ainda que lhe fortaleça em demasia. Esta segunda frustração decorre sim de um sentimento unilateral exacerbado e de uma falha na linguagem (problema ao alcance do discernimento), uma interpretação equivocada talvez, mas jamais me deixará totalmente desguarnecido. Houve uma química no éter que consolidou, graças ao meu desejo intenso de amá-lo, o registro desta intenção no cosmos. Certamente, haverá um retorno favorável. O que o nosso ego não consegue compreender é que este retorno favorável – assim como decorrem retornos desfavoráveis de desejos nefastos – não se apresenta na imagem e semelhança daquele corpo físico ou daquela situação a qual vislumbrava de antemão. Esta emancipação do desejo sobre a materialidade é a mesma que diversas religiões tentam decifrar ao seu modo, perfazendo um sistema de rituais e de crendices que estimulam o comportamento da materialidade. É como se produzíssemos em nós mesmos um poder de influência que desconhecemos, disciplinado por outrem que já os experimentou (nossas autoridades sacerdotais), mas que acabaram estes reduzindo todo o seu sentido maior por mesquinharias e ganâncias mundanas.

Presto era o personagem do desenho animado "Caverna do Dragão" com o qual eu mais me identificava. Era um mago vestido de verde [signo da esperança] do chapéu aos pés. Por mais que fosse bem intencionado e quisesse, de fato, ajudar seus amigos em apuros, situações em que estava sempre envolvido, nem sempre o resultado de seus pedidos mágicos sobre o conteúdo do chapéu, a materialização do que precisavam no momento, era exitoso. Por vezes, pedia um sanduíche e lhe vinha uma vaca inteira e viva. Outras vezes, seu desejo era plenamente alcançado, reportando a ele e ao grupo, que se encontravam em aprendizado constante, as bases de um mundo para o qual foram encaminhados inexplicavelmente. O grupo de amigos havia sido retirado da Terra em um dia em que se divertiam na roda gigante de um parque de diversões. Tudo muito sugestivo. Foram frequentar outra dimensão, lidar com inimigos e seres inusitados, recebendo instruções vagas de um mestre, o Mestre dos Magos, durante a trajetória. Este desenho ainda passa na programação matutina da Globo. Trata-se de um ícone para a geração que vivenciou sua infância nos anos 80.  

Voltemos ao nosso caso. Do perigoso jogo de disputas de poder, passamos a aceitar determinados ritos e signos enquanto refutamos outros violentamente. Todos os signos, desde que devidamente ritualizados, ganham força existencial. O poder das religiões acontece quando se reúne multidões sob um propósito comum, imbuídas de rituais fortemente inspirados, que fazem influência sobre a materialidade. É o mesmo poder que têm as grandes passeatas, as grandes manifestações de protesto pelo mundo, a insatisfação que faz somar diferenças em torno de um desejo coletivo profundamente arraigado. Todo o esforço do sistema é para individualizar culpas e méritos, destituindo dos sujeitos a capacidade de se reconhecerem sob a influência e sobre a influência dos fluxos invisíveis. Apartando-nos de nós mesmos, sabem os doutos serviçais, não comprometemos sua hegemonia. O que não deixa de ser racional para quem objetiva controlar os demais da espécie pode ser fraco diante de um campo que não corrobora com sua lógica de dominação. Seria o que identificamos, a grosso modo, como "o caminho do bem", o que, em verdade, serve aqui como lei de causa e efeito para todas as sensações e desejos. 

O mar pode matar afogado um náufrago como pode trazê-lo para o litoral vivo. Por alguns instantes, posso sair ileso ao deixar um prédio e livrar-me de uma explosão que matou a todos os companheiros de trabalho. Num evento em comemoração ao Dia do Trabalhador, em pleno Governo Figueiredo, artistas diversos iriam se apresentar no Riocentro e, com certeza, esculachariam a ditadura militar. Militares foram com bombas para explodirem tudo e a força dos que ali estavam presentes revidou o propósito de forma instantânea e inesperada: os milicos explodiram com a bomba no colo. Situações como essas não podem ser explicadas apenas cartesianamente, exigindo-se provas materiais e métodos restritos àquele campo do saber para  a sustentação de proposições válidas. Há algo por trás de salvações ou extermínios súbitos, alguns racionalmente previsíveis e outros nem tanto, algo que muitas vezes vai pra conta simples de Deus. Em geral, as pessoas atribuem à vontade divina o desejo pela salvação ou pela morte de pessoas nestes eventos de grande comoção e apelo emocionais, quando seria de boa utilidade um aprofundamento quanto às dinâmicas que reportam à imortalidade da alma. Aceitando-se, por exemplo, que sofremos influência dos mortos ou de tantas outras forças vivas e não visíveis, que podemos também provocá-las com nossos anseios e ritualizações, dá-se um leque de possibilidades que não podemos classificar e coagir como gostaríamos, o que assusta alguns e enche de lágrimas, chega a arrepiar mesmo, tantos outros seres humanos com quem nos apresentamos nos momentos mais inusitados. Momentos, às vezes, decisivos em que aparecemos ou somos instrumentos de um fluxo que precisa ser alimentado costumam me levar para cada caminho inacreditável. Quem assim me lê com certo de grau de desprendimento, experimentado de tal zelo de nossos mentores, sabe do que estou falando. Ninguém se aproxima do espiritualismo sem vivência pessoal forte o suficiente para tal. Por outro lado, ninguém que se aproveite dele para justificar bizarrices de domínio também sai totalmente ileso o quanto crê.
 
Se, de fato, só quem morre é o nosso corpo após uma existência dada no tempo e no espaço restrito, não deveríamos mais temer a morte nem muito menos ficar deixando para ela os encantos de um paraíso ou de um inferno merecidos. Vive-se aqui e agora o que se quer de retorno aqui, agora e depois. Morre-se muito mais em vida do que se imagina, muito mais do que consideram - e temem tanto - apenas como decomposição do corpo físico. Morre-se a cada despertar significativo. Se você é capaz de enxergar em seu passado quais foram os fatos que lhe trouxeram o peso da morte para o que vivia até então, fazendo-o renascer completamente, sentirá, de forma antecipada, o que lhe virá de surpresa após o descarte do corpo que hoje sustenta. Sinais também são dados por sonhos. Graves desgraças, choques profundos no ser e realizações maravilhosas estão na conta dessa visita ao inconsciente: não há preocupação metódica dos espíritos e forças invisíveis em chegar sem sustos. Se você quer amar de verdade e ser amado, se quer muito algo que lhe afeta, vai à luta! 

Dispa-se dos moralismos disciplinadores, das covardias e de toda coerção. Haverá um salto de qualidade e de imunidade quanto às “temíveis” inconsequências que nenhuma religião ousou defender de peito aberto, que nenhuma ciência ousou legitimar sem intermediários ou doutrinadores, mas que existe, esta aí ao seu alcance, perpassa todas as áreas, e você aí perdendo tempo com estados induzidos de depressão e autoflagelo! Em todas as religiões, em todas as ciências, as pistas estão dadas, ainda que suas autoridades prefiram sustentar o contrário. Há momentos de enfraquecimento, de pressão contínua e intensa a oprimir-lhe o ser, há testes de paciência e de adaptação à nova dinâmica, há resistências, pois o mundo sensitivo possui suas lógicas próprias também. Persistência no conhecimento, no amor ao próximo como a si mesmo e na sinceridade ao máximo, redução drástica de preconceitos e pensamentos desagregadores, oriundos da falsidade e da má vontade, da crítica envaidecida, são importantes. O resto fica por conta do que você vai sentir a partir de então. Salve, salve, Simpatia! Cadê aquele brilho nos olhos? "Eu quero ver, na sua cara linda, o lado bom", como disse Cazuza.                                    

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Entre o conhecimento e a reserva de mercado

            A produção do conhecimento, como todas as demais atividades humanas, está submetida aos interesses de mercado. Isto quer dizer que nada que não sirva à lógica restrita do "vale o quanto vende", à lógica da mercadoria, é digno de resistir no mundo, nas conversas, no interesse cotidiano das relações nem muito menos às políticas públicas ou metas de desempenho privadas. Como consequência natural, sofremos de uma perda enorme de cérebros, ideias e inovações com tudo e mais um pouco para deslanchar a humanidade de sua parcimoniosa ignorância desesperadora. É o que acontece com tudo, não seria diferente com o método científico e a produção acadêmica de nossos tempos. Mas se podemos rever tal postura, por que não tentaríamos? Este é um desafio para os professores, para os libertários e a todos que, indistintamente da ideologia embasadora (obviamente alternativa ao capitalismo cristão), apostam que não ficaremos eternamente valorizando os mortos pelo que fizeram em vida quando, em vida, tratamo-os como malucos débeis, alucinados e desprezíveis.

               Podem me chamar de louco ou imbecil mas não vejo razoabilidade nas prisões conceituais a que somos submetidos para produzir conhecimento. Afora o interesse na preservação do direito autoral e, com ele, na restrição do acesso ao conhecimento, de que nos serve a obrigatoriedade das citações de autoria, as referências as quais temos de obedecer para tratar de qualquer diagnóstico banal? Pode-se argumentar que ninguém deveria plagiar ideias alheias, apropriando-se delas como se fossem inexistentes ou desconhecidas, e que, por tal, justificaríamos a necessidade de citarmos nossas referências bibliográficas sobre qualquer argumento. Mas será que, restringindo-se de tal maneira a abordagem sobre qualquer objeto de estudo, favoreceríamos a criatividade, a inovação, o salto qualitativo de que tanto necessitamos nas ciências em geral? Será que não estamos deliberadamente mais propensos a justamente repetir, copiar e acomodar olhares já sustentados no passado, reduzindo de tal maneira a capacidade dos sujeitos de elaborar livremente?


                 O exercício da crítica sobre as diversas leituras que acostumamos a lidar possibilita uma intuição viva e eloquente sobre rumos e propósitos que anda asfixiada pelo método científico. Refiro-me às leituras que se processam sobre os registros escritos mas também aos orais, aos iconográficos, aos sonoros, aos táteis, etc., da experiência alheia ou da própria, a vivenciada. 

                Por muito tempo, desconfiei do medo academicista de se expressar livremente. Minhas reflexões sempre misturavam duas tendências explicativas para o fenômeno: uma de foro íntimo dos pesquisadores e professores, atribuída a melindres oriundos de vaidade, carência e insegurança daqueles que alimentam os nossos debates para depois reprimi-los e enquadrá-los ao ponto de servi-los como bem lhes prouver. Outra explicação, esta mais sistêmica, tratava de nossa condição de colônia no cenário internacional. À medida que lutamos - enquanto sociedade - por melhores escolas e universidades, cederam-nos o direito de frequentá-las desde que não produzíssemos nada mais substantivo que a cópia autorizada pelas matrizes. Não sei lhe dizer em qual medida um fato determina o outro, vejo-os como suplementares. Ambos servem a um propósito comum: a pauperização existencial imposta pelo capitalismo, que reduz a existência de tudo que é rico em seu Ser, da poesia ao magistério, do amor à liberdade, da natureza à criação humana, a um valor único, universal e supremo: só existe se for capaz de se tornar mercadoria. Sem este valor, sem valor mais nenhum. E claro: só quem poderá lucrar com esta mercadoria serão os escolhidos por critérios personalistas, como os de berço esplêndido ou intimidades outras. O critério de mérito ou competência individual, como tanto apregoa o sistema, este é apenas propaganda ideológica, vendida como a razão suprema da lógica capitalista, que, para sustentá-la, serve de exemplos de exceções os quais assegura brechas de acesso. De resto, a regra é a mesma: os costumes nos remetem aos mesmos privilégios herdados daquela  nobreza parasitária que tanto a burguesia um dia derrubou para se firmar como hegemônica no mundo.

           Entendo que a ciência no Brasil, na América Latina, tem que superar sua fixação por se legitimar europeia ou estadunidense. As ciências humanas, então, estas que lidam com um objeto sem causa e efeito mecânicos e automáticos, deveriam ser as primeiras a ousarem. Só podemos interpretar da maneira que um francês, um alemão, um britânico, um italiano, um russo, um norte-americano, um dia ousou interpretar? Se são preciosas e prestimosas suas contribuições à humanidade, podem igualmente o serem aquelas que virão da liberdade de um cientista latino-americano! Este poderá concordar que a melhor forma de se expressar será através da escrita e de suas prisões cartesianas ou positivistas como também poderá simplesmente compor argumentações audiovisuais, pictóricas, escritas porém romanceadas, teatralizadas, enfim, dentre tantos e tantos exemplos e possibilidades de linguagem, o que achar conveniente. Sem ser reprimido, contido, tratado como desprezível, submetido em importância porque não se utilizou de uma tradição que virou obsessão pela legitimidade de se compor cópia da matriz.

             Particularmente, encanta-me a popularização do saber científico. Minha função enquanto professor é esta. Se o que estudo torna-se inacessível aos ouvidos e olhos de meus estudantes, o que estou promovendo pode ser rico e profundo porém restrito a um "gueto" e diminuído em importância por aqueles que deveriam justamente compreendê-lo. Se antes, quem não compreendesse um professor ou qualquer humano culto, ainda assim, tratava de respeitá-lo ao ponto de obedecê-lo, hoje, isto não ocorre como regra. O que se revela da relação é uma reação raivosa da parte de quem não compreende a relevância daquele conhecimento, podendo iniciar-se no desinteresse e extrapolar no desenvolvimento de mágoas, ressentimentos e violências. Para tal realidade, muitas vezes observada mesmo entre estudantes universitários, não basta que se xingue o desinteresse, a apatia ou manifestações aparentemente alheias ao que se pretende na academia, na escola ou na rua. É preciso envolvimento de todos e, desta forma como estão estruturadas e cristalizadas, as ciências que apreciamos com coquetéis em Paris têm servido mais ao comportamento de um europeu mediano, em seus usos e costumes, que a de um brasileiro. 

                  Temos um traço cultural místico que atribue um valor à estética, à sensualidade, à malícia, à magia, ao encanto da malandragem que encontra nas regras as próprias receitas para serem burladas. Estamos tentando civilizar e higienizar este povo à luz do parâmetro do hemisfério norte não é de hoje. E o que estamos obtendo desta empresa se não um baita complexo de inferioridade que determina e angustia o acesso de poucos às brechas proporcionadas pelo sistema das matrizes? Se denúncia ou levante deste porte já havia sido tratado pela Semana de Arte Moderna de 1922, com o seu "Manifesto Antropofágico", por que só o invocamos para enfeitar o pavão como algo restrito a uma época, a pensadores específicos, às artes ou a qualquer outra forma de reverenciá-lo à distância, quando deveria perpassar o nosso fazer cotidiano, nossas obras e nossos objetivos pedagógicos de revolução em todos os sentidos?

             A produção de monografias (ou trabalhos de conclusão de cursos) tem servido às pilhas de arquivos que sequer são catalogados, disponibilizados ao público ou consultados por pesquisadores. Há todo um ritual para sua confecção, um ritual que perpassa doutrinação do modo de ser, pensar e escrever dos estudantes que objetivam um diploma de graduação. Este ritual é potencializado nas disputas acadêmicas por bolsas de mestrado ou doutorado, transformou-se em gratificação por desempenho quando associado ao número de artigos publicados, vira desbunde quando narrado a partir de congressos e colóquios intra-castas. Ao fim e ao cabo, pouco ou nada servem ao que estes próprios estudantes exercitarão em seus respectivos ofícios, caso estes sejam, por exemplo, o destino da maioria no varejo das insanidades por um dinheiro qualquer. O sistema só avalia o quantitativo de trabalhos feitos para avaliar, sob outro número sem razão de ser, ou melhor, para inglês ver, a quantidade pela quantidade. Não precisamos seguir o que não nos serve mais. A não ser que o único objetivo, distante do saber, seja garantir alguma reserva de mercado a qual nem sabemos onde foi parar. 

          Boa pergunta: onde foi parar a reserva de mercado dos direitos autorais e das peculiaridades científicas? Pelo que venho observando, pode ser encontrada na repetição e na concordância aos doutos, na diminuição da crítica e da liberdade de expressão entre os pares. Vale mais o elogio da loucura que a própria, quando ela já difundiu mais valor à humanidade por seus feitos que toda a caretice reunida?

               Penso que não. Penso que um bom argumento pode se servir de conceitos alheios (quiçá anacrônicos!) pois o que mais importa é o argumento, a ideia, o exercício do pensamento, aquilo tudo que nos enriqueceu a filosofia para ser diminuído posteriormente pela economia política: a divisão social do trabalho, a mais-valia e as ciências especializadas a seu serviço. O pensamento restrito obedece a lógicas restritivas quando nossas demandas são infinitas, nossa capacidade de superação surpreendente e o que estruturamos de parâmetro está aberto à transformação. Acredito que, ao defender ideias já defendidas por outrem, ou mesmo ao aplicá-las a um caso concreto, preciso fazê-lo com a liberdade, o olhar e a argumentação necessários e próprios, fazendo valer o organismo vivo da minha existência e dos limites da mentalidade coletiva a qual pertenço. Sendo assim, jamais produziremos meras cópias. Não há que se temer o plágio do argumento ou conceito que encontra dialeticamente o outro. Há que se temer aquele que deixou de Ser por subtração contínua de sua potência. Este copia quem mata.                 

                           

                               

                  

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Supermercado do desespero

           Combinação que se torna nitroglicerina pura: pouco dinheiro em circulação, preços baixos para a sobrevivência com data-limite para o fim da oferta, excesso de carros subsidiados nas ruas, um supermercado mal localizado (e liberado pela prefeitura para ser construído exatamente ali), onde a confluência do trânsito da própria cidade com aquele que recebe ou insufla a Ponte Rio-Niterói todos os dias é ainda agravada por uma obra pública faraônica, cara e insuficiente para resolver o problema de congestionamentos cada vez piores: no caso, o mergulhão entre a Avenida Marquês de Paraná e a Avenida Roberto Silveira, em Niterói.


               A gente pode escolher quem errou primeiro mas sabe, de antemão, que vai dar empate. Ou engarrafamento.  Niterói está, como os grandes centros urbanos do país, vítima de um crédito inacreditável para a indústria automobilística produzir e vender. É o modelo desenvolvimentista de JK, Geisel e Lula que vem fazendo este país crescer sem planejamento, sem distribuição adequada (só esmolas, ou seja, sobras dispensáveis das quais ainda reclamam os serviçais das grandes corporações na mídia todo dia). Estamos numa insanidade emergente: sobretudo, distante de critérios mínimos que envolvam qualidade de vida e equilíbrio ambiental. 


               Todo mundo quer ter um carro ou moto porque sabe que os transportes coletivos não funcionam. Há propaganda maciça deste consumismo também. Podendo dividir em 200 prestações, melhor ainda: o sujeito paga algumas, devolve o veículo e pega outro. É assim que vem rolando a bolha recente: amplia-se a venda sem garantia de retorno, pois, se as montadoras quebrarem, o governo ajuda. Ou então, temos também os golpes nas seguradoras, uma opção mais arriscada, em que o sujeito "planta" um acidente ou um furto e resgata a indenização. Esta segunda opção é dada a quem também tem seus conchavos com as autoridades de segurança pública.


               Quanto aos coletivos, são concessões públicas à iniciativa privada das mais antigas e, como tal, ineficientes porque ávidas de lucratividade fácil e sem contrapartidas sociais. Estas empresas de ônibus e o modelo rodoviário de transporte em geral criaram um caos de circulação. Táxis, kombis, vans, carros e motos particulares se enfrentam por espaço mínimo e ninguém consegue chegar a lugar nenhum - só aos altos índices de acidentes, um dos grandes recordes brasileiros. Tudo porque precisamos financiar a indústria automobilística - que não é nossa, é toda estrangeira - e a indústria do petróleo - que é nossa mas nem tanto (pelo menos, de FHC pra cá). 


              Voltemos para o caso particular de Niterói. A Prefeitura Municipal, além de compor com toda essa insanidade brasileira, autoriza a construção do supermercado de ofertas imbatíveis em via que já sofre dos congestionamentos rotineiros porque recebe e encaminha o fluxo de veículos da Ponte Rio-Niterói até o Centro, além de servir à Zona Norte como acesso até a área nobre da cidade. Não é de hoje que este supermercado vem trazendo problemas ao trânsito. A Rua Marechal Deodoro, perpendicular à Marquês de Paraná, já sofria de fluxo intenso e acabou piorando. Com as obras de construção do mergulhão inútil da Marquês de Paraná, o trânsito vem sendo desviado para ruas mais estreitas do Centro. Tudo ao mesmo tempo agora.


            Outra questão que problematizo com os cidadãos de nossa cidade: por que precisamos recorrer ensandecidos, todos juntos ao mesmo tempo, para um mesmo supermercado já cientes de que se lá chegarmos, uma incógnita à parte, teremos que enfrentar longas filas para arrumar um carrinho de compras, outra para pagar e mais outra para sair do estabelecimento!!? Será que uma promoção destas vale a pena? Relatos de uma passageira no ônibus que peguei hoje pela manhã tratavam de brigas por latas de óleo, consumidores furiosos disputando a tapas cada mercadoria que era desempacotada pelos funcionários do supermercado em questão. Promoção? Só se for promoção da aporrinhação! Tô fora!


             O que leva a essa fúria de consumismo, muito comum em diversos cantos do planeta? Desespero pela sobrevivência, algo como "tenho que aproveitar agora ou nunca mais vou ter"? Ou será obediência simples a um comando publicitário? Sem tirar a crítica à prioridade automobilística de transporte que o governo federal promove, sem tirar a crítica à Prefeitura de Niterói por ter autorizado a construção deste supermercado num lugar clara e notoriamente prejudicado, acrescento esta outra ao cidadão comum que tem todo o direito de procurar preços mais baratos e compor sua dispensa do que precisa para saciar as necessidades de sua família. Sobretudo em tempos de inflação galopante. Quero dizer, vale a pena a histeria coletiva? Por que nos dispomos a tanto? Será que já não estamos sendo controlados demais por propagandas com ordens de comando sobre o comportamento?


             Para piorar ou aparecer, o Secretário Municipal de Segurança Pública Wolney Trindade foi cumprir a atitude demagógica do prefeito Jorge Roberto Silveira: mandou fechar o acesso de carros ao estabelecimento. É claro que o supermercado recorreria da decisão na justiça, o que fez e foi atendido na velocidade que o Judiciário brasileiro só dispensa aos poderosos: menos de 24 horas. Patéticos. 


              O trânsito caótico dos últimos dias na cidade continua dando lições aos niteroienses: uma que alargar avenidas, construir ruas estreitas por dentro da UFF, fazer um mergulhão que leva o engarrafamento um pouco mais pra lá, em detrimento de ciclovias, embarcações e metrô, que poderiam transportar muito mais gente e poluir menos, tem sido uma insistência equivocada da prefeitura no afã de proteger e acomodar os interesses de uma minoria. Outra lição é a de que precisamos repensar a forma como lidamos com os apelos publicitários: se estes são apenas formas de divulgação ou se já são comandos ou ordens expressas de comportamento à coletividade. 


             De qualquer maneira, acho que esta prefeitura está ultrapassando todos os limites. Está liberando construções demais sem o devido zelo pelo impacto ambiental das iniciativas. Depois que constrói, que mais gente passa a morar ou a frequentar, é que vai dar conta do trânsito caótico, da falta de água, das necessidades mais básicas de qualidade de vida? Assim como a indústria automobilística e a indústria do petróleo, não podemos esquecer dos subsídios governamentais (estes federais) à indústria da construção civil. Por empregar muita mão-de-obra sem tanto estudo, inflar o ego temporariamente de técnicos e engenheiros também, pode-se estar construindo um majestoso exército de reserva do amanhã. 


             Hoje, sob esta euforia da construção civil, da automobilística e da petrolífera, diversos outros setores continuam à margem deste desenvolvimentismo inconsequente e selecionado: e quando acabarem com este volume de crédito e estes investimentos governamentais restritos? Onde vamos pôr essa gente toda? É por essas e outras que investir em educação pública de qualidade é fundamental e este modelo só o faz na retórica barata: além de fortalecer os cidadãos para que não sejam tão manipulados pelas ordens publicitárias, podemos também prepará-los profissional e tecnicamente para diversos setores que não apenas aqueles em liquidação. O mundo anda em liquidação e nós só acompanhamos as modas sem nos prepararmos adequadamente para todas as possibilidades. Aqueles setores profissionais hoje favorecidos deveriam perceber o que vem acontecendo com a miséria a que submeteram os demais setores igualmente (ou até mais) importantes para a sociedade. Para além das investidas da grande mídia sobre que carreira seguir, nossos jovens têm de estar atentos para as barbaridades do nosso capitalismo selvagem. Há muita gente desempregada ou subempregada hoje porque buscaram, num passado recente, formação e e atuação em profissões que outrora eram garantias seguras de boa remuneração e estabilidade. Eu mesmo, quando comecei a estudar História (claro, não o fiz por razões de enriquecimento e euforia momentâneos), mas lembro bem que engenheiros formados ganhavam setecentos reais mensais para trabalharem como office-boys de construtoras. Hoje em dia, como bons executores, devem estar orgulhosos do lulismo. Mas não sei não... qual será a promoção de amanhã?    


         

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Novidades a partir de 2011

           O ano de 2011 começou eufórico. E prossegue. Não é pra menos: nunca a acumulação de capitais alcançou um volume de circulação e concentração tão grandes. Às custas de bilhões de seres humanos em todo o planeta, pouquíssimos especuladores vêm alcançando um controle oligopolista inédito dos destinos do mundo. Movimento previsto, estudado, premeditado, fartamente discutido como tendência capitalista desde o século XIX. Em 1929, a grande Crise da Bolsa de Valores de Nova York e a depressão econômica que se seguiu foram juntas o desfecho de um ciclo de medidas econômicas adotadas ao longo do século anterior. Empresas limitadas se tornaram sociedades anônimas, lançaram ações em bolsa, capitalizaram sua capacidade de investimento em produção, geraram emprego e renda, mais impostos, movimentaram fortemente a economia produtiva. Mas como a livre concorrência teria outra performance se não a de criar grandes fusões e, com estas, derrubar a si própria? 

             Nossa diferença atual é que, com o auxílio das novas tecnologias, mobilizaram recursos, enriqueceram e concentraram muito mais que em 1929 nas mãos de poucos. Dessa vez, submeteram os políticos (mesmo os históricos opositores do capital!), os empresários do setor produtivo, os trabalhadores e fizeram da assistência social uma forma efêmera de apaziguar revoltas gerando votos. O estrago é grande. As pessoas percebem que estão sendo iludidas com esmolas, que os políticos sugam muito, que os serviços em geral não funcionam (públicos ou privados), que os empregos estão desaparecendo (ao contrário de toda propaganda inútil na TV) e que os direitos trabalhistas dos empregados estão sendo diminuídos sistematicamente. Paulatinamente e de  fato, estamos retornando às condições de escravidão tão combatidas ao longo do século XIX. Os direitos duramente conquistados ao longo do século XX estão retrocedendo a passos largos. No Brasil, desde a década de 90 pra cá. Ora, quem tem ocupação na sociedade de hoje, não tem tempo, ganha menos, vê cortes abrutos de benefícios sociais e sabe que preparam uma aposentadoria para o instante inevitável de sua morte. O que ninguém conseguia entender antes de 2011 era por que todo mundo parecia permanecer anestesiado, encarando como fatalidade um processo histórico que é construído pela vontade humana de permanecer ou de mudar o estado das coisas que não afeta a um mas a todos, direta ou indiretamente.      

      Após a cegueira torpe do individualismo, que prometia recompensas materiais a quem se calasse e se comportasse como manda o figurino, eis que nos brinda o ano de 2011 com o ressurgimento dos grandes movimentos de protesto nas ruas de todo o mundo. Descobrimos que o engodo é grande, que tem gente ganhando demais enquanto muitos estão se arrastando na sobrevivência. Decidimos que a ganância desse povo tem de ter limites claros. Agora é hora de protestar mas também de elaborar prontamente o que vamos pôr no lugar desta desgraça coletiva. Se sabemos bem o que não queremos mais, temos de definir, tendo como norte cada uma de nossas ideologias alternativas, o que implementar para sobrepormos à forte repetição da tendência ao autoritarismo. O que vigorou no pós-1929 foi o nazi-fascismo no mundo (podemos incluir até o erro soviético do stalinismo neste rol de consequências), recebendo cada Estado Nacional pretexto, munição e apoio popular para alavancar perseguições às liberdades, impor vanguardas privilegiadas e vaidosas e, à moda capitalista, reaquecer as combalidas economias com guerras e estatizações. Não esqueçamos! Com outras milhões de vidas assassinadas e silêncio cruelmente imposto, ambas as atitudes coletivas em busca da manutenção do capitalismo no mundo, que ceifamos boa parte de nosso tempo no século passado. Corremos o risco de repetirmos a palhaçada quando poderíamos estar mais organizados em torno de uma dinâmica nova, capaz de ressignificar e aproveitar elementos da mentalidade e da tecnologia contemporâneas no sentido de romper com sistemas ególatras. Ainda que não seja possível implantar o socialismo ou o anarquismo de nossos sonhos, todos poderiam empenhar esforços para impor limites que reduzam a possibilidade da repetição de erros, como a insurgência de lideranças carismáticas e autoritárias, racismo, xenofobia, genocídio e o resgate sempre tentador de teocracias, principalmente no Ocidente.      

            Os alvos prediletos dos movimentos atuais  são aqueles que, conduzindo a economia mundial, submeteram os governantes dos antigos Estados Nacionais aos seus caprichos. Vejamos:
 
             1 - Egito derruba presidente nas ruas. Uma luta linda que vem se estendendo a outros países da região. O movimento passou a ser chamado de "Primavera Árabe" e eu duvido que esteja sendo feito em nome da substituição das teocracias vigentes no mundo muçulmano por democracias do estilo estadunidense. Derrubaram o presidente, os militares assumiram mas a situação ainda é indefinida. A forte presença de potências ocidentais nas mobilizações internas também são um sinal preocupante (vide Líbia);

              2 - Grécia em pandemônio, revolta diária do povo contra as medidas neoliberais da União Europeia. Não vai pagar a dívida e já afeta o discurso de quebra-quebra generalizado. No entanto, se o capital financeiro é, a grosso modo, manipulado e refinanciado sem lastro, que importa se a Grécia pagar ou não? Se não pagar, inventa-se mais uma forma de exploração, justifica-se e vida que segue. A crise é criada por quem quer ganhar mais e mais, não é por falta de recursos dos grandes agiotas da jogatina internacional. Enquanto der pra tirar, vão tirar. Os girondinos não querem saber mais dos companheiros jacobinos, muito menos de trabalhadores ou mendicantes;

           3 - China vai assumir controle mundial com trabalho escravo, produto vagabundo e ditadura que se diz comunista mas não é? Argh!

            4 - 25 cidades estadunidenses paradas em protesto contra as grandes corporações. Sacaram que os políticos são parte da folha de pagamentos dessa gente, não têm o poder soberano estatal de outrora. É uma percepção que o brasileiro mediano não tem porque não estuda adequadamente, não lê nem critica as notícias que recebe. Mesmo assim, de um impacto inacreditável. Fantástico! O perigo: republicanos vão ganhar as eleições nos EUA. Acabarão favorecendo ainda mais os gananciosos liberais? Que merda!

              5 - Não estou cético mas estou atento. Que a porrada coma mas que saibamos o que pôr no lugar deste genocídio especulativo antes que aventureiros venham com  mais demagogias que as petistas que nos governam hoje. Não é simplesmente estatizando o que é privado. Antes de mais nada, o rumo do mundo é a coletivização local, a minoria ativa, a desconcentração e a manutenção das liberdades conquistadas que não inclui, obviamente, a de ter uma propriedade privada infinita sobre o expurgo do trabalho de bilhões.