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Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
Estudante, professor e agente da História de seu tempo. Deformado pela Universidade Federal Fluminense, pela capacidade de resiliência em torno de causas justas, pela coragem e pela sinceridade. Dinâmico, espiritualista, intuitivo, libertário, imprevisível. A leitura de seus textos é recomendada a quem faz uso de covardias.

sábado, 20 de outubro de 2012

Eleições 2012 em Bocaina de Minas (MG) - Parte 4: A vitória afinal do bom senso

      Em 2011, deixei Bocaina de Minas (MG) para retornar a Niterói (RJ). Em minhas conversas com o Seu Bené (então vereador pelo PT) e sua esposa, a Dona Ruth, entre outros amigos, lembrava da importância de se dividir o grupo do Dito Augusto ao meio. Só haveriam duas formas de ganhar do coronel: uma era ele não poder se candidatar, coisa que nossa justiça, tão lenta e permissiva, poderia não garantir a tempo das eleições de 2012. A segunda era dividir seu grupo no meio. Não seria tarefa fácil se não existisse o descontentamento amplo com o coronel, inclusive dentro de seu grupo político. Logo, devo agradecer a ele pelo sucesso do empreendimento pois, se não fosse tão arrogante e egoísta, não ofereceria as condições necessárias como de fato acabou oferecendo.

      Não bastasse ter destruído todo o serviço público municipal, o filho do coronel, então prefeito por direito mas obediente ao pai, fez o serviço do suicídio político. Deixou de pagar em dia a muitas pessoas vinculadas à prefeitura, humilhou outras tantas e ainda se enrolou nos processos judiciais que foi acumulando até a perseguição policial à sua tentativa de compra de votos na semana anterior às eleições.


       A vice-prefeita Conceição Salgado, que acumulava o cargo de secretária da assistência social, despontou por sua simpatia e dedicação no serviço aos necessitados e no respeito às pessoas enquanto cidadãos, ousando em abril de 2012 a candidatar-se prefeita contra o desejo de seu padrinho político. Com ela, parte considerável do grupo seguiu junto e ainda outra parte considerável, que historicamente votava na oposição tradicional da família Benfica, também apostou na inovação que propunha. O racha de que tanto falava consumou-se, gerando expectativas diversas, uma vez que sua candidatura também era bastante competitiva.


     A justiça, por fim, determinou o destino do coronel Dito Augusto, sentenciando pelo seu impedimento à candidatura e também ameaçando a de seu filho, que, à esta altura, já amargava as consequências impopulares de um mandato repleto de perseguições políticas e escândalos administrativos. O candidato que não era nem de um lado, nem de outro, o Baltasar do Mercado, e que tinha chances pela novidade que até então se apresentava, acabou seduzido pelos recursos do coronel à sua campanha. Deixou-se aliar ao que o povo já rejeitava, atitude que o levaria a amargar a derrota do terceiro lugar nas urnas.


      Gordo era o candidato da oposição tradicional da Família Benfica. Não aceitou ser vice da Conceição nem aceitou o apoio do Dito Augusto, que também lhe foi oferecido. Consigo, manteve o apoio de parte de sua histórica base eleitoral - a parte que não migrou para a Conceição Salgado. 


     Sobre isto, vale ressaltar: quem decidiu votar na Conceição, votou contra o Dito Augusto (portanto, votou na oposição ao Dito, já que a candidata assim se manifestava publicamente). Entretanto não quis votar no Gordo por causa de erros cometidos por seu grupo político à frente do mandato que exerceu na prefeitura entre 2005 e 2008, tempo do ex-prefeito Wilson Taviano. Além de também protestar contra o prometido e não cumprido pelo deputado federal Dimas Fabiano (PP) que, dois anos antes (2010), havia sido eleito com promessas na área de saúde, na criação de emprego e renda, e também pela expectativa quanto à sua presença no processo de condenação judicial do coronel. O deputado "também é 11", como se diz por lá, e integrante da mesma família de oposição tradicional ao Dito Augusto na cidade. Enquanto o Dito Augusto esteve no poder, o deputado procurou afastar-se dos investimentos necessários à cidade e, neste ponto, fica difícil condená-lo porque, de fato, o que repassasse ao município, como sabemos, seria desviado. O que ainda deixou o povo reticente foi porque se credita ao deputado uma grande capacidade de articulação a níveis estadual e federal que, de fato, ele tem e que, por tal, deveria agir sobre os abusos do prefeito. Desejava-se que o deputado criasse suporte para que seus aliados políticos pudessem sobreviver durante o tempo de perseguições e desmandos do prefeito, o que não foi feito. Algumas pessoas tiveram de deixar a cidade por conta disso.


     Diante desses erros, tanto do mandato do ex-prefeito Wilson, quanto do mandato do deputado Dimas, Gordo parecia enfrentar a ameaça real da vitória da Conceição Salgado ou até da vitória, por absoluto medo e covardia da população, do Baltasar. Da Conceição até menos porque o eleitor do centro da cidade - maior colégio eleitoral do município - parece não votar em candidatos a prefeito que sejam da zona rural. Lá  no centro a disputa maior era entre o Baltasar e o Gordo, enquanto no resto do município a disputa maior, confirmada nas urnas, seria entre Gordo e Conceição. 


     O que acabou por determinar a vitória do Gordo foi sua habilidade em tomar as decisões corretas nos momentos adequados. Primeiro, quando não aceitou ser vice da Conceição. Bené foi ao sacrifício, rachando a família e o grupo, que não o atacaram diretamente porque, além da condição de parente, também estavam conscientes do que se pretendia com o racha ao meio do grupo do Dito Augusto. Durante toda a campanha, pudemos observar que tanto os partidários da Conceição quanto os partidários do Gordo ocuparam-se, na maior das vezes, em atacar o Baltasar e o Dito Augusto, respeitando-se mais um ao outro que ao adversário em comum. De fato, interessava à maioria da população pôr fim ao terror mantido pela ditadura e, ganhando um ou outro (tanto o Gordo quanto a Conceição) era certo que tempos melhores se avizinhavam. Isto foi plenamente compreendido pelas campanhas, talvez menos por radicais de cada lado, mas sim por aqueles que viram no racha da Conceição uma manobra política importante, que não foi combinada com ela mas que seria útil à vitória da oposição mesmo tendo o Dito, o Aléssio e o Baltasar a máquina da prefeitura na mão.


    Eu sempre fui um entusiasta da candidatura da Conceição sem o Dito Augusto do lado. Sou amigo dela desde que pude testemunhar seus esforços por respeito à dignidade das pessoas, independente de que lado votou. Isto, para Bocaina, representava o mesmo avanço que o lado do 11 sempre defendeu. Agora, a vice do Aléssio também compartilhava deste pensamento político, mesmo  durante o seu caótico mandato, e isso certamente facilitaria a vida de muitos habitantes, especialmente a dos mais pobres. Ponto positivo para ela que não foi suficiente para se eleger por conta de suas companhias nas eleições. 



     Mas a situação tomou um rumo complicado e eu tive de dar o braço a torcer porque sofri humilhações também das pessoas que acompanhavam a Conceição. Ao ver Paulo Balieiro, Adaucto Junior, Justilino, especialmente estes entre outros que humilharam servidores e populares durante todo o mandato do Aléssio, os eleitores não quiseram saber da conversa educada e agradável da candidata e, como bons mineiros, trataram-na com gentileza mas desconfiaram. Sobre isto, cheguei a conversar com a própria Conceição e com amigos durante sua campanha: preocupava-me e muito a presença dessas pessoas em um governo dela. Era o que mais se ouvia dos eleitores que a respeitavam. Parecia soar como um golpe do próprio Dito arranjado com ela, que preservaria seu grupo e, portanto, seu jeito de governar e, quem sabe, até mesmo, seu poder lá dentro.

       Não apenas o Dito e o Aléssio humilhavam mas também um grupo de fiéis seguidores que conhecemos bem. Estes, muitas das vezes, fizeram pior sob a desculpa de que estavam cumprindo ordens. Entretanto, nós sabemos bem que muitas das vezes não apenas cumpriam ordens como sugeriam artifícios humilhantes ao Dito Augusto e ao Aléssio, manobras judiciais para piorarem a situação dos servidores e da população em geral e ainda curtiam com a cara das pessoas no micro-poder que exerciam sobre elas. Era uma forma de mostrarem serviço. Geralmente os incompetentes precisam disso e os políticos adoram seus puxa-sacos porque só estes justificam qualquer arroubo de vaidade. Na maioria das vezes, se levados tão a sério, os bajuladores podem derrubar seus líderes facilmente.  


      Gordo, ao contrário, seguiu tomando as decisões certas ao longo da campanha. Quando procurado para ser vice da Conceição, recusou consciente da utilidade que seria a candidatura dela para o racha do grupo do Dito. Não ficaria à sua sombra mas também não a atacaria frontalmente, dedicando maiores esforços à oposição ao Baltasar. Quando procurado pelo Dito Augusto para ter seu apoio, seguiu firme e não aceitou. Quando interrogado se manteria determinadas pessoas que fizeram parte do governo do Wilson, também as descartou na hora, lembrando sempre que não era "coração mole" como o Wilson. Aos concursados, deixou claro que faria o possível para regularizar a situação de todos. E passou a caminhar e a visitar cada casa, cada família, corrigindo um erro que teve quando foi candidato a vice derrotado em 2008: ficou mais falante e presente, como gosta o eleitor de Bocaina de Minas. 


     Em cada momento deste, ainda quando pensávamos no que fazer no ano passado, até a vitória eleitoral do Gordo, eu participei um pouco distante da cidade pois esta foi a condição que me restou desde as perseguições políticas incansáveis do Dito Augusto e do Aléssio no meu tempo de servidor concursado vitorioso na justiça. Estava sofrendo cortes drásticos no meu salário com faltas inventadas por eles, após a terceira transferência consecutiva e já na condição de professor da escola de Mauá. Não obstante a vitória do deputado Dimas Fabiano em 2010, continuei na mesma, sem perspectivas de sobrevivência e tive  de recorrer à minha família para que esta me recebesse em sua casa dez anos depois de ter deixado de morar com ela. 


     Desde setembro de 2011, encontro-me de volta à faculdade para conclui-la. Em julho ou agosto, um acidente doméstico com minha mãe impediu-me de ir à Bocaina para participar do que já havia combinado com o Gordo. Hoje ela está melhor e eu acredito que há males que vêm para o bem. Tinha para mim que era importante assegurar a regularização da situação dos concursados, causa maior que me moveria de volta à minha terra querida junto com outros que igualmente foram perseguidos. Esta promessa havia sido feita tanto pela Conceição quanto pelo Gordo, o que me parecia uma situação muito boa para comprometer a todos os companheiros que buscavam o mesmo declarando meu voto. 


      Assim conversei com os concursados, que também optaram pela discrição. É claro que cada um de nós sabe o que sofreu na mão do atual prefeito e também sabe o quanto ainda não temos garantias de que a cultura política das perseguições esteja totalmente superada em Bocaina de Minas. Se o prefeito eleito tem a disposição para fazer um bom mandato e colaborar na superação deste estigma que a tantos já fez sofrer, é possível que ainda pessoas de seu grupo político acreditem e invistam nas mesmas perseguições. Não é à toa que comentários começaram a aparecer desde a minha visita à cidade nas últimas eleições. Estive lá para votar e votei com a mesma convicção em que votei em 2008 e em 2010, ainda morador da cidade, de forma declarada. 


     Como aprendi com esta cultura da perseguição política, na condição de servidor municipal que sou por decisão judicial não respeitada, espero reintegrar-me com os demais que assim o queiram. Considero este ponto uma questão de honra para mim, para as famílias dos demais servidores afastados, para o grupo político do 11 (que fez o concurso mais limpo da história da cidade, que viu seus companheiros serem humilhados pelo atual prefeito, e que colaborou sempre na desgastante luta dos recursos judiciais). É uma questão de honra para a cidade. Se quero voltar e quero colaborar com o que conheço e posso, qualquer serviço ou função a mais tem de ser precedida da regularização dos servidores injustamente perseguidos. Na esfera federal, há caso semelhante que foi resolvido pelo ex-presidente Lula no que se refere a servidores perseguidos, que pediram demissão ou foram demitidos no tempo de Collor. Havendo vontade política e os devidos procedimentos legais, poderemos iniciar uma nova fase para a história de Bocaina de Minas. 


     É o que esperamos do Gordo. É o que esperamos do povo da cidade, que sempre me considerou mas que ainda também confunde amizades com preferências políticas. Nunca deixei de conversar com ninguém por causa de política. Tenho minha opinião, meu voto, minhas próprias ideias. Amigos não precisam necessariamente concordar em tudo nem deixarem de se falar por causa das eleições. Assim, se cheguei no Mirantão e em Santo Antônio conversando com pessoas de lados diferentes, isto em nada influencia no meu direito de voto que é dado lá na urna, à distância de qualquer um. Este é o mais importante. Não fosse isso, muitos que prometeram voto no Baltasar, que encheram a Bocaina de faixas dos adversários, por exemplo, não conseguiriam o direito de exercer sua plena preferência sem perseguições. Em peso, como vimos, votaram quietas. Isto ajuda a mudar significativamente a cultura política do município.