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Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
Estudante, professor e agente da História de seu tempo. Deformado pela Universidade Federal Fluminense, pela capacidade de resiliência em torno de causas justas, pela coragem e pela sinceridade. Dinâmico, espiritualista, intuitivo, libertário, imprevisível. A leitura de seus textos é recomendada a quem faz uso de covardias.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Aventuras de Magistério


         Sempre quis ser professor. Quando pequeno, já me imaginava neste sentido. Tinha um pequeno quadro negro em casa, roubava giz do colégio em que eu estudava e ficava escrevendo para mim mesmo e apagando diversas vezes. Fascinado por leitura e por escrita, a dúvida quanto à carreira só aconteceu em três momentos: no vestibular, durante a própria faculdade de História e recentemente, quando resolvi experimentar outras profissões. Nada que me impedisse, entre idas e vindas, de exercer o magistério de diversas formas diferentes, de ir longe e constituir uma metodologia didática própria, inspirada em Paulo Freire e nos princípios libertários das Artes Cênicas para o ensino de História e de Educação Ambiental.O que não suporto ouvir é esta excessiva culpabilização do professor pelas deficiências do sistema educacional brasileiro.

Entre 2000 e 2010, portanto durante dez anos cheios, trabalhei em escolas particulares de Niterói (Colégio Fundamental/Instituto Santo Amaro e Colégio Pluz, ambos na Região Oceânica da cidade) e de Maricá (Centro Educacional de Itaipuaçu), em ONG que fundei e, nesta, em rádio comunitária vinculada (com programa que tratava de História via FM), em palestras para professores do interior do Estado do RJ através do CREA-RJ e da FETEERJ em momentos distintos, em escola pública municipal do interior de MG (Escola Municipal Álvaro Benfica), em cursinhos preparatórios (como o que narrei em outro post, o preparatório para o concurso público municipal de Bocaina de Minas, na Escola Municipal Mariana Francisca de Jesus, situada na comunidade de Santo Antônio do Rio Grande), em casa (diversas aulas particulares) e, por último, em escola estadual do RJ (Colégio Estadual Antônio Quirino, na comunidade de Visconde de Mauá – Resende/RJ), na condição de servidor cedido pelo munícipio de Bocaina de Minas (MG).

Tudo isso, sem contar com o fato de ter me tornado diretor do Sindicato (SINPRO Niterói e Região), eleito pela categoria dos professores em escolas particulares de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Maricá e Tanguá (RJ) e, através deste, para a FETEERJ (Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino Privados do Estado do Rio de Janeiro), ocasiões em desenvolvi um amplo projeto de comunicação sindical entre 2004 e 2007.

Portanto, lecionei História, além de outras disciplinas, sem diploma de graduação durante todo esse tempo para turmas do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, para o Ensino Médio, para o EJA, para cursos preparatórios pré-vestibulares e de encaminhamento para concurso público, sendo que, neste último caso, incluo no rol das aventuras o ensino de Português, de Matemática, de Informática e de Direito para concurseiros de nível elementar, fundamental e médio.

Para professores de educação básica, através do CREA-RJ e da FETEERJ, ministrei oficinas de atualização principalmente na área de educação sócio-ambiental (convergência entre o ensino de História da Humanidade e do Planeta Terra, direcionando ambos para formação da consciência ambiental) entre professores da rede particular de educação básica. No período em que fui assessor de meio ambiente da presidência do CREA-RJ, uma das minhas principais funções era esta, sempre incumbido de colaborar com a organização e o desenvolvimento de centros de referência do Movimento de Cidadania Pelas Águas, iniciativa ambientalista do ex-presidente do conselho de engenheiros, o Sr. José Chacon de Assis. Atuei com estas oficinas em Ilha Grande, Paraty, Niterói, Cabo Frio e município do Rio de Janeiro.  Por este mérito, tempos depois, antes mesmo de me tornar diretor da FETEERJ, fui convidado pela diretoria colegiada de então para o mesmo serviço em Mesquita, Angra dos Reis, Cabo Frio e Niterói.

Como se pode observar, a experiência acumulada foi diversificada e rica, ao ponto de ter uma noção empírica de educação que me distanciou da academia por muito tempo. No início, o sonho de ser professor, a ansiedade e estas divergências foram decisivas para que eu buscasse todas essas frentes de trabalho, observando em cada uma delas, as brechas de um sistema educacional extremamente precário como é o brasileiro. Situo tanto a rede pública quanto a rede privada nesta crítica e pontuo que a rede privada piorou muito dos tempos em que fui seu estudante (anos 80 e 90) para cá, o que constitui verdadeiro estelionato educacional, caro e custeado essencialmente pela enganada classe média, sob o pretexto de oferecer educação de melhor qualidade aos seus filhos que aquela oferecida pela rede pública. Sairia mais barato e de melhor resultado que todos fossem para a rede pública lutar por ela.

Este é um ponto. O outro foi que este mesmo sistema precário, estabelecido pela insegurança torpe de uma elite que se apavora em perder com a concorrência dos grandes talentos, aqueles possivelmente advindos de jovens bem formados, mas não necessariamente bem-nascidos, foi o que me deu acesso e me possibilitou desenvolver um trabalho ainda que sem diploma. As escolas privadas sempre adoraram universitários idealistas, loucos para demonstrar suas capacidades e sonhos, que aceitassem qualquer pagamento ou nada em troca dos serviços de magistério. Estagiários têm mais disposição porque são novatos na área e geralmente assumem turmas como se professores já o fossem. O mais triste desta história toda foi verificar que acabam recebendo a mesma miséria que graduados, pós-graduados, mestres e doutores, ou, pior que isso, também sofrem calotes homéricos em seus direitos trabalhistas, tudo em pé de igualdade.

As escolas públicas são diferentes quanto ao regime de contratação mas, dependendo do município em que estão inseridas, são vítimas da ingerência política local da mesma forma. Municípios são o ente federativo legalmente responsável pela educação infantil e pelo ensino fundamental públicos do país. Direções de escola são indicações políticas na maioria dos casos. E professores também. Muitos são contratados temporariamente e de acordo com o voto dado ao prefeito ou ao vereador, raríssimos são os casos em que a formação é o critério. Não há concursos públicos ou, quando existem, são forjados, manipulados e, uma vez que contem com a lisura necessária, seus beneficiados (aprovados e classificados por mérito) são insistentemente perseguidos. Os mesmos que defendem a meritocracia para pagamento diferenciado do professor pela sua suposta qualidade, muitas vezes, eliminam a meritocracia na raiz, perseguindo concursados não alinhados politicamente. Às vezes criam-lhes sabotagens e acusações levianas de caráter individual; outras vezes, quando a intenção é a perseguição coletiva da categoria, simplesmente asfixiam os professores concursados pelo salário medíocre sem reajuste. Para alguns, oferecem benefícios de cargos comissionados, dividem a classe e contam, para tal, com o apoio de professores resignados, bem casados ou que vivam de outras fontes que não o magistério.

No Estado do RJ, sendo o Poder Executivo Estadual o responsável legalmente pelo ensino médio público, o governador Sérgio Cabral (PMDB) chegou a reajustar para R$5.000,00 (cinco mil reais) mensais os salários dos diretores de escola, indicados por ele ou por deputados estaduais, mas se recusa a aumentar decentemente os salários miseráveis dos professores em geral, cuja média não ultrapassa setecentos e poucos reais. Chega a ser vergonhoso para um Estado que cada vez mais arrecada impostos diretos e suga royalties e repasses cada vez maiores em função das crescentes atividades econômicas desenvolvidas no RJ. Justamente em um Estado onde a Educação Pública faria total diferença, uma vez que os índices de criminalidade são alarmantes e a mão-de-obra qualificada é escassa, o governador demonstra sua incapacidade de superação da condição cultural aristocrática/monárquica da elite brasileira que, se capitalista de fato o fosse como apregoa, não temeria tanto ou não faria tanto descaso com os investimentos em educação pública e gratuita.

Mas voltando ao meu caso, enquanto professor, independente dos medíocres ganhos financeiros, busquei fazer dos acessos observados nas brechas do sistema verdadeiras oportunidades de revoluções no cotidiano. De fato, durante o vestibular, havia uma dúvida entre cursar Jornalismo ou História. Acabei optando por História quando senti que a minha vocação não era apenas a de ser professor mas também a de transformar positivamente a cultura e os costumes de nosso povo. Julguei àquela época que as disparidades salariais eram o de menos e como tal, fui jovem inconsequente com o meu próprio sustento. Convicto, porém, que de sonhos os homens se sustentam ao máximo, enquanto que, de matéria, se rebaixam e se menosprezam, fui cursar História. Teria um público na mão garantido e sem censuras patronais para informar.

Minha família rachou com a notícia. Meu pai nunca se conformou com uma opção profissional que menosprezasse as condições objetivas de sobrevivência. Minha mãe me apoiou mas também ficou preocupada. A universidade me libertou de diversas paranóias e limites culturais, possibilitando-me o convívio com uma rica diferença de conhecimentos e de costumes. Paradoxalmente, viria a me decepcionar com a mesma faculdade que tanto batalhei para ingressar e me manter, menos pelo que ela já havia provocado em meu Ser e mais pelo que ela refutava a fazer com tamanhas armas nas mãos. Participei dela de tudo um pouco, do movimento estudantil, das iniciativas culturais, da administração, das festas, dos grupos de estudo, das aulas e dos acessos, enquanto súdito, à elite da província fluminense. Terminei num embate ideológico que me custou o diploma mas afirmou minha personalidade, meu caráter e minha trajetória existencial para o resto da vida.

Do lado de fora de seus muros, jurei ser o professor que me faltou. Seria atencioso, dedicado e capaz de um envolvimento pessoal atroz com a causa da libertação existencial de meus alunos. Não os perseguiria por motivos fúteis e os elevaria em suas respectivas capacidades críticas. Seria parceiro ao máximo de meus colegas, professores e funcionários, e dos pais que me retornassem uma preocupação mínima com os seus filhos. Faria minhas aulas as mais atrativas, procurando incluir e envolver no conhecimento histórico toda a riqueza da sabedoria popular, de seus jeitos e trejeitos, de suas soluções e tabus às maiores idiossincrasias dialéticas que só o cotidiano das relações revela e impõe.

O teatro sempre foi uma paixão e o desenvolvi a partir do elucidado por Paulo Freire, por Augusto Boal e por inspiradores anarquistas, adaptando-o à realidade das horas-aula, dos tempos corridos, das disputas de ego dos professores, da necessidade que os jovens têm de aparecer e de serem rebeldes e do perfil repressor de nossas instituições de ensino. Não foi tarefa fácil, não deu certo em todas as turmas e nem sempre foi bem recebido pelas direções. Mas foi exauridamente testado e trabalhado, tendo sido extremamente profícuo onde encontrou alguma receptividade. Associando o conteúdo de História trabalhado pelo professor ao texto e à composição de esquetes de forma autônoma pelos estudantes, fizemos verdadeiras revoluções no modo de agir e pensar de vários estudantes, professores, escolas e famílias. Concebia tudo a partir da máxima exploração da minha própria imagem, uma figura bem-humorada, caricata e excêntrica, professor-artista que muitas vezes incorporava personagens e poucas vezes lembrava do que ele próprio havia personificado em sala de aula.

Minhas habilidades sensitivas sempre foram um trunfo. Nunca consegui adaptar-me completamente aos planejamentos metódicos ensinados pelos professores universitários nas licenciaturas. Aqueles planejamentos que parecem ser a razão de ser da pedagogia nunca funcionaram comigo e todas as prestações prévias ou posteriores de informações técnicas a que somos submetidos por coordenadores, orientadores e diretores, via de regra sem remuneração por tal, sempre me pareceram intrigantes porque completamente desnecessárias. Pensava e planejava as minhas aulas no ônibus, a caminho da escola, no bar, no convívio social, durante leituras e observações. Quando as colocava em prática, sempre eram suscetíveis a mudanças ou modificações em função daquilo que me parecia mais apropriado para cada turma, para cada momento e para cada obstáculo cultural encontrado. Não acredito que seja diferente para boa parte dos professores mas passa a ser condenado violentamente pelos pedagogos e pelos colegas mais inseguros de uma maneira geral, que se sentem inferiorizados pela popularidade natural causada, e parecem não compreender que todo o controle efetivado por regras padronizadas de gestão tinham (e sempre terão) interesses políticos sub-reptícios, muitas vezes associados ao medo de setores da sociedade ao que possa ser construído nesta através de uma formação crítica, autônoma e qualificada.

No meio deste caldeirão, tive apoios significativos de alguns colegas, mesmo pedagogos, que me identificavam como “construtivista”, “maluco” ou “típico professor de História”. Indiferente às suas conceituações, procurava a identificação e o apoio, sempre consciente de que no jogo das relações humanas, é preciso ceder e é preciso se afirmar, cada qual no momento certo. O que não admitia, ou melhor, o que mais resistia a fazer era misturar, como é de praxe em nossa corrupção endêmica, as relações pessoais com as relações profissionais. Para ser bem claro e direto: não precisava levar pra cama quem eu quisesse que me respeitasse como profissional. Mas sofri tentativas de coerção neste e em outros sentidos, sabotagens e algumas leviandades que são próprias da nossa constituição social histórica.

Quando chegava a enfrentamentos do tipo, recorria – pois ficava tão claro aos alunos, não adiantava negar – aos próprios que me baseavam o sentido profissional. Sempre que deixei escolas por este motivo – a coerção por inveja, a sabotagem muito comum entre professores, a tentativa de plantar falsas acusações, a desmoralização -, contei com o apoio da Verdade, soberana e poderosa, de causar revoltas a quem conhecia meus ideais e princípios. Logo, sempre que convidado a me retirar, nunca o fui por justa causa e sempre fui indenizado com todos os direitos que, por final, me pagavam para se verem livres de mim.

Percebe-se que a profissão de professor não é fácil, exige habilidades peculiares de quem apenas ostenta um conhecimento relevante e acima da média. É preciso humildade e alteridade, grande capacidade de comunicação e carisma, paciência extrema (seja para repetir o que já se falou, seja para lidar com os mais inusitados conflitos) e muita, mas muita mesmo, boa vontade de conhecer e de se envolver com a comunidade destinatária dos seus serviços. Pois, para tal, ainda que haja toda a boa vontade do mundo, serão exigidas do sujeito certa idoneidade e certa postura pública que não são exigidas da maioria dos cidadãos, como uma condição de castidade e de abstinência etílica, por exemplo, fora do ambiente escolar (é claro que me refiro ao ambiente externo, pois, ao interior das escolas, também concordo) que não são exigidas da maioria das profissões. Professor é encontrado e cobrado insistentemente quanto ao porre que tomou no bar, quanto à conversa mais duradoura que teve com uma aluna, quanto à boa vontade que, muitas vezes, o impele de se aproximar.

Mesmo com todos esses inconvenientes, defendo a aproximação do professor à comunidade onde ensina. Educação se estabelece nas relações humanas e não há como ela ser, de fato, efetiva e eficaz com tamanho distanciamento a que somos submetidos, seja pela falta de tempo em virtude dos baixos salários, seja pela série de acusações preconceituosas ou cobranças fúteis, ainda que inevitáveis. Só quando a gente percebe o universo de regras, costumes, sonhos e vícios de nossos alunos que conseguimos alcançar o que, de fato, os afeta ao ponto de trazer para a sala de aula, promover reflexões e dialeticamente envolvê-los com o conhecimento científico que estamos ali pra apresentar e elaborar. Não há conhecimento que atraia alunos em geral que não lhes sirva à aplicação do dia-a-dia, que não interaja com suas angústias e anseios, sob pena de alimentarmos desinteresse e evasão.
Para ficar no exemplo da minha disciplina, quando vou ao passado explicar fatos e personagens históricos, antes destes ou simultaneamente ou imediatamente depois, eu tenho a obrigação de estabelecer o quê disso sobrevive, determina, podendo ser ressignificado ou não, na sua existência contemporânea. Neste aspecto, a liberdade de conceituação do aluno, sua exposição do que entendeu, suas comparações inevitáveis com personagens e tipos da escola ou da comunidade, devem gozar de autonomia maior do que aquela que elaboramos nas nossas respectivas faculdades. Tomando as devidas precauções que possam evitar ou destituir qualquer prática de bullying ou de preconceito, o enfoque sempre precisará ser direcionado para um convívio harmônico das diferenças em bases democráticas.

Estabelecidas estas bases, nossas licenciaturas precisam mudar muito. Precisam incluir uma formação em informática básica; manuseio e atuação com multimeios; teatro para trabalhar melhor a presença de palco, a impostação de voz e os recursos de linguagem das aulas; exterminar a maior parte das burocracias desnecessárias; oficializar os estágios como aulas práticas e não como meros relatórios da aula de outrem; oferecer formação política aos professores, estimulando a identidade e a unificação de seus interesses de classe, e situando-o no contexto do Estado e das políticas públicas brasileiras no setor; promover a capacidade de interação com as comunidades em que estão inseridas as escolas para um melhor aproveitamento dialético dos costumes locais com os conhecimentos científicos e artísticos que serão trabalhados pelas disciplinas e assim agir na transformação social.
    
Assim como as leis e as bases curriculares que regem a formação do educador e a educação, de uma maneira geral, devem sofrer profundas modificações, aquelas leis que tratam das tipificações de crimes comuns também o devem, pois não é possível que o ambiente escolar esteja tão exposto à violência. E este é um outro aspecto fundamental, presente no cotidiano das escolas brasileiras, por proteções exageradas a menores que não são mais inocentes. Defendo a individualização de cada caso na abordagem das punições a menores que cometem crimes em geral e, em particular, no ambiente sagrado da escola. Não é possível mais convivermos com a idéia equivocada de tutela generalizada por idade ao menor de 18 anos que pratica crimes violentos. Ainda que haja recuperação do menor, que esta seja feita em instituição carcerária com formação e trabalho obrigatórios, por tempo longo e avaliação profícua, sem reduções ou facilidades de pena, estabelecendo-se os limites do respeito, da convivência e da finalidade das escolas regulares. Inclusão não pode ser significado de impunidade pois, se assim observado por outros, a exceção vira regra e o exemplo vira problema maior.

Um aluno que venha a causar um transtorno enorme à saúde física e mental de professores, funcionários e alunos em geral não pode permanecer naquela escola, impune, convivendo nas mesmas bases de intolerância e desrespeito, sacrificando o aprendizado e o trabalho de todos ali envolvidos. E ao sair, ao ser submetido a medidas sócio-educativas, que estas sejam sócio-educativas de fato, em instituições apropriadas em que eles terão de morar, estudar e trabalhar, sem a liberdade de ir e vir por um bom tempo. Este encaminhamento seria dado pelos professores da escola ao conselho tutelar que, pronta e preventivamente, já acionaria a polícia para encaminhar o menor  à instituição apropriada sem muitas delongas judiciais ou tentativas insanas de psicólogos de manter este estudante na escola regular, como se incluído, impune ficasse. Sabemos nós que quem arca com as inconsequências de psicologismos de fora da escola acaba sendo a própria escola, ainda mais desmoralizada e destruída pela vitória do errado sobre o certo. À escola cabe a prevenção de atrocidades desumanas por formação de consciência e resolução de divergências sanáveis ao seu limite mas nunca caberá a punição por erros cometidos de tamanha envergadura, sob pena de todo seu sentido existencial se curvar a casos que são dignos de tratamentos específicos.                   
                          
Deve existir uma rede de proteção às escolas. Guarda, patrulha ou policiamento comum, ainda que necessários, nunca substituirão o respeito que a própria comunidade deve sentir pela escola. Assim como é capaz de respeitar templos religiosos, não os depredando nem desrespeitando os sacerdotes nas suas pregações, o cidadão tem de entender que o espaço da escola também é sagrado, inviolável, com seus limites de convivência e de respeito mútuos, construída e mantida pelo bem-estar e pelo crescimento de todos os indivíduos de uma mesma comunidade. Sinto muito que, no Brasil, não ocorra esse sentimento de pertencimento coletivo do que é público e, mais ainda, sinto quando vejo os ataques a que a escola brasileira está sujeita. Para ensinarmos bem, precisamos do respaldo de governantes, das universidades, de cidadãos, da família e dos próprios alunos. Joga-se muita culpa sobre um professor que já ganha muito mal e é extremamente necessário a todas as profissões. Temos que dividir nossas responsabilidades pela educação e pelo crescimento deste país, melhorando a formação de todos. 

A todos que foram meus alunos um dia, a força de quem faz a História e não se conforma apenas em seguir o que dizem ser natural mas não é. 

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Minha passagem por Minas Gerais: navegando na República Velha

       Julho, 2007. Não aguentava mais Niterói nem o Rio de Janeiro. Nem a cidade grande, nem mesmo minhas próprias obras, circunscritas a um ambiente único, aos mesmos, ao convencimento inútil das disputas mesquinhas por poder. Precisava da natureza, do mato e de pouca gente ao meu redor. Precisava da Serra da Mantiqueira, de Santo Antônio do Rio Grande e de Minas Gerais.
 
          Parecia pouco continuar reafirmando ao meu parceiro que não estava traindo-o; à minha patroa, dona de escola particular, que educação é coisa séria e professor não merece a insegurança crônica da elite brasileira; a sindicalistas e militantes partidários, que não estava interessado na concorrência exaustiva por domínio de aparelhos; a minha família, que não tinha culpa de nada a não ser da alimentação equivocada de todos os preconceitos a meu respeito; aos empresários que se recusavam a contratar meus serviços, senão em troca de escravidão chique, que preferia receber pelo serviço. Pois conseguiram, em nossos tempos, recuperar "a grande novidade" da escravidão e/ou das condições de sobrevivência associadas aos "méritos" de proximidade com a Corte que nos resta. Ou herda-se a posição social, o talento e o capital ou... pasta-se.

                A verdade de nossa sociedade é a profunda tradição aristocrática lusitana na prática e discursos bonitinhos para enfeitar.

         Conheci Santo Antônio do Rio Grande como turista na virada do ano de 1999 para o temido 2000, suposto calendário do apocalipse de então. Meus amigos universitários foram os (ir)responsáveis pela revelação. Uma beleza aquela terra, verdadeiro paraíso mineiro para um desavisado carioca exausto. Voltando a cada revéillon, fui, passo a passo, também marcando presença na Semana Santa, no Carnaval e em outras datas, como as férias de julho de 2007. Nesta, finalmente entendi que lá era o local da minha nova residência a partir de então.

           Julgamo-nos espertos. Minas Gerais ensinou-me que não o somos. Menos por uma questão de comparação superficial entre lá e cá, uma disputa bairrista qualquer, e mais pela firmeza com que resultei aprimorado. A resistência de meus princípios foi testada ao máximo. Submetido a diversos treinamentos de "guerrilha cultural", o que começou por opção isolada, sem parentes ou organizações superiores a me conduzir e financiar, conquistei grandes amigos e aliados que jamais imaginaria supor, grandes causas e vitórias significativas. 

          Diante das oportunidades que as circunstâncias históricas ofereceram, aproveitei tudo com muita humildade, dificuldade e Amor ao Próximo. Plantamos juntos uma esperança coletiva. Com tal força, uma vitória, aparentemente inacabada como tantas outras, que marcou a História daquela comunidade e a minha pessoal. Descobri o sentido de minha própria história atuando em benefício da História da Humanidade. Impagável. Simplesmente, impagável. Mas perigoso também, arriscado, como tudo o que precisa ser mudado nesta vida. 

            Fui morar naquele povoado sem eira nem beira. Não tinha emprego definido por lá nem condições financeiras para tal empreendimento. Apresentei-me como professor particular de qualquer matéria. Espalhei cartazes e atendi muitas pessoas de graça, em troca de alguma troca (um almoço, uns cigarros, umas roupas, uma moradia provisória, etc.), ou até por dinheiro.

              Era a forma que me parecia a mais adequada de apresentar meu trabalho, de sobreviver e conhecer a realidade local, mas também de neutralizar as investidas preconceituosas quanto à origem e à sexualidade do professor, que não foram poucas, já que, em Minas Gerais, os mineiros acreditam firmemente que os nascidos por lá devem ter todas as preferências possíveis e, além disso, o que se faz na esfera privada deve ser duramente rechaçado na vida pública.

          Morei em dez casas diferentes, sendo que, em apenas três, paguei aluguel. Morei com amigos que construí, morei sozinho em casas de veraneio de outros e sozinho nas casas que aluguei. Morei até mesmo numa pousada em que administrei em 2009. Por último, estava dividindo parte da minha moradia numa república de professores e parte numa casa alugada em que só podia comparecer nos fins de semana.

           Em novembro de 2007, veio a notícia do concurso público municipal. Como a cidade não realizava concursos desde 1996 e como não havia tradição de concursos limpos na cidade (o de 1999, por exemplo, fora anulado por fraudes comprovadas), aguardei-o com entusiasmo. O Ministério Público Estadual havia obrigado a Prefeitura Municipal de Bocaina de Minas a realizar o novo concurso em 2008. Acompanharia e fiscalizaria seus atos, assegurando a lisura do certame. Isto, obviamente, me animou. Concursos públicos geralmente são temidos, evitados e, quando realizados, burlados pela classe política dos municípios mineiros, simplesmente porque é da tradição preservar cargos públicos para as pessoas nascidas no lugar e, sobretudo, para que estas fiquem nas mãos do agente político contratante, que estabelece assim sua perpetuação eleitoral.

         Quando houve o anúncio do concurso, pessoalmente fui à casa do vice-prefeito de então, Prof. Andrade (DEM), como era de costume dos munícipes a cobrança na rua ou na casa do político. Disse-lhe textualmente que faria a prova e tentaria realizar um cursinho intensivo na comunidade mas que fiscalizaria para que o certame fosse limpo, não aceitando privilégios ou fraudes. O então vice-prefeito, pai de um grande amigo que fiz por aquelas bandas, foi enfático: “não só será limpo como eu pessoalmente estarei incumbido da organização do processo”. E assim, de fato, o foi.

       Chamei uma reunião com a comunidade para apresentar, como geralmente me refiro em conversas com amigos do Rio, o “Estado Democrático de Direito” ao povo de Santo Antônio do Rio Grande. Apresentaria as regras específicas e a legislação em geral, os direitos e deveres do servidor público e convidaria a todos para participar de um cursinho que ofereceria à comunidade na escola municipal. A Associação de Moradores autorizou o uso da sala para providenciar a reunião. A Secretária Municipal de Educação autorizou-me a ministrar o cursinho na escola e assim iniciava uma rica experiência como educador do povo da roça, à luz dos ensinamentos de Paulo Freire, aproveitando a oportunidade do concurso público municipal.

      O cursinho durou um mês, especificamente o mês de dezembro/2007, coincidindo com o Natal e o Ano Novo, e uma participação expressiva. As provas estavam agendadas para 13/01/2008. Logo, não havia tempo hábil para recessos longos. O professor também seria candidato mas não para o cargo de professor, uma vez que este cargo havia sido excluído da oferta de vagas no concurso. Optaram por preservar as vagas de professor sob o pretexto de que deveria haver tempo hábil para que professores da cidade concluíssem suas respectivas graduações e pudessem concorrer em pé de igualdade com professores “de fora”.

              Assim, concorri a uma vaga de auxiliar administrativo, cargo de nível médio. Muitos dos meu alunos, em virtude da baixa escolaridade da maioria, tentaram para vagas que exigiam alfabetização. Fiquei felicíssimo com a classificação da maioria, inclusive a minha. Fiquei em primeiro lugar para o cargo em questão.

             Veio, em janeiro/2008, além da prova para o concurso, a oportunidade da seleção pública para contratação temporária de professores na rede municipal. Também tentei e passei em primeiro lugar, ficando responsável por oito turmas do 6º ao 9º ano do fundamental na única Escola Municipal que oferecia este segmento, localizada no centro da cidade. O detalhe: não tinha graduação concluída mas tinha o meu histórico da UFF em mãos, o que determinou o aproveitamento diante do quadro geral de professores leigos.

              Em fevereiro/2008, assumi minhas turmas. Introduzi na escola municipal minha metodologia didática que associava as artes cênicas ao ensino de História, proporcionando a felicidade de um festival de esquetes que denunciavam o coronelismo da República Velha com texto e composição geral dos próprios estudantes. Fui reconhecido e pude contar com o grande apoio da Profa. Beatriz, diretora da instituição, e da Profa. Maria José, vice-diretora, as quais honraram seus postos pela dedicação à qualidade do ensino público neste país.

               Em junho/2008, fui convocado para a posse no cargo de auxiliar administrativo. Fui obrigado a optar entre o cargo contratado de professor e o cargo efetivo supracitado. Com muita contrariedade, deixei a escola e passei a integrar o Setor Pessoal (RH, DP ou outra sigla equivalente) da prefeitura, ocasião em que conheci o brilhantismo de um jovem chefe, o Weliton (sic), cuja dedicação ao serviço público também me impressionou. 

               Fizemos um trabalho minucioso de qualidade, amparando todos os servidores municipais em relação a todos os direitos trabalhistas cabíveis. Na ocasião, contamos com amplo respaldo do Prefeito Wilson Taviano (PP) e do Vice-Prefeito Prof. Andrade (DEM). O Setor Pessoal mais parecia o próprio sindicato do funcionalismo, que não chegou a existir institucionalmente, pois colaborávamos até na resolução de conflitos cotidianos entre comissionados, contratados e efetivos. Não foram poucas as vezes em que o prefeito ou alguns secretários municipais sentaram-se em nossa sala com funcionários para solucionarem pendências, denúncias e contradições em serviço.

         Mesmo com todas essas raras qualificações, desaba sobre nós o peso das tradições políticas brasileiras. A classe política continua sendo a principal responsável pelo que não funciona adequadamente no serviço público. Com a campanha eleitoral de 2008, o candidato de oposição (filho de ex-prefeito condenado na Justiça Eleitoral) passava de casa em casa prometendo expulsar os servidores concursados. Nossos cargos públicos eram negociados em troca de voto, pois seríamos substituídos por contratados fiéis com promessas de salários superiores aos nossos. Eu e meu chefe procuramos o promotor de justiça do MPE na Procuradoria de Aiuruoca, o mesmo responsável pelo TAC que obrigava à prefeitura a realizar o concurso e o acompanhou do início ao fim. O promotor, então, aconselhou-nos a reunir provas da lisura do certame para, caso isto de fato viesse a acontecer, recorrêssemos do abuso de autoridade com fundamentos. Mas e a gravidade da promessa pública? Deixa pra lá.

              Para o pior dos mundos, o prefeito Wilson Taviano (PP) perdeu a reeleição, por 100 votos, para o seu opositor, Sr. Aléssio Dias de Almeida (PDT). Em janeiro/2009, com a posse do novo prefeito, viria o cumprimento da promessa de abuso. Sob o pretexto de que estava realizando uma auditoria, o novo prefeito fechou as portas da prefeitura por um mês. Mandou o ASPONE (assessor de porra nenhuma) do seu Chefe de Gabinete falar com os servidores concursados na porta da prefeitura, impedindo-os de continuar exercendo seus ofícios. Enrolando-nos com a desculpa de que seríamos convocados em momento oportuno, foi deixando o tempo passar e ingressou com uma ação judicial que questionava a legitimidade do concurso e a posse dos servidores. A ideia dos advogados era assegurar a impunidade do prefeito e de seu pai à medida que o tempo normal para se julgar ações e recursos extrapola o período de mandato, termina prescrito e vira uma bela pizza. Passamos a viver o nosso inferno astral a partir de então, com a suspensão dos nossos vencimentos (ao todo, 50 servidores) e uma briga judicial interminável que perdurou por UM ANO E MEIO no TJMG. 

         UM ANO E MEIO, diga-se de passagem, porque fomos chatos pra caramba. A TV Globo - EPTV (afiliada de Varginha, MG) cobriu o caso mas só transmitiu na programação de Minas Gerais. Além da reportagem, fizemos um vídeo com entrevistas em toda a cidade, envolvendo servidores e cidadãos comuns, testemunhas das mais absurdas irregularidades, que foi encaminhado para o MP. UM ANO E MEIO, por sinal, em que fui mantido pela comunidade de Santo Antônio, em parte, e que trabalhei, para meu sustento em outra parte, como gerente de uma pousada em Maringá até o falecimento do meu patrão, saudoso Paulo Costa, em dezembro de 2009.

        Aos poucos, fomos sendo substituídos pelos contratados prometidos e muitos sequer sabiam exercer nossas funções públicas. Isto levou o pequeno município ao caos. Além do comércio local e dos senhorios de casas alugadas passarem a conviver com um calote incrível (dado que a economia local é diretamente dependente da prefeitura, que, por sua vez, vive apenas dos repasses federais e estaduais), aqueles que precisassem dos serviços públicos passariam a penar como nunca nas mãos dos coronéis. O autoritário pai do prefeito, Sr. Benedito Diniz de Almeida (vulgo “Dito Augusto”), aquele que fora impedido pela Justiça Eleitoral de se candidatar, era quem de fato tocava, mal e porcamente e a mão de ferro, os “negócio$” municipais enquanto o filho, prefeito de direito, só assinava e assistia Scooby-Doo. Com eles no poder, todos os princípios da administração pública rolaram escada abaixo, lembrando ao povo da cidade que votar mal era correspondente às vidas perdidas na saúde precária, no documento ausente, na escola sucateada etc.

             O incrível é que estes senhores contavam com uma impunidade inquietante. A legislação brasileira é ruim no que se refere à punição de criminosos e as autoridades do Judiciário e do MP mineiros extremamente condescendentes. Foi o que atestei diante de um movimento social inédito que promovemos naquela pequena cidade. Com provas e denúncias suficientes para derrubar o prefeito, quem acabou transferido pelo TJMG foi o juiz de Aiuruoca (comarca em que está inserido o município de Bocaina de Minas). Isto porque nossas denúncias passaram pela Corregedoria do Tribunal, foram diminuídas em sua importância pelo corporativismo, e terminaram, com efeito, no Conselho Nacional de Justiça.

              Partindo da experiência política que acumulei no Rio de Janeiro, reuni vereadores, advogados, funcionários expulsos e familiares, ex-alunos e pais, a imprensa, amigos e desafetos, em torno dos direitos de cidadania. O movimento começou com a expulsão arbitrária dos servidores e foi ganhando impulso à medida que a ausência dos serviços públicos que promovíamos, o calote generalizado aos comerciantes e senhorios e a indignação diante do esclarecimento quanto à sonegação dos direitos em geral foram florescendo e criando transtornos. A cidade já havia experimentado um curto período de administração municipal com feitos e obras que avançaram o espírito público (2005-2008) mas que não foram suficientes para sobrepor a cultura do patrimonialismo e do coronelismo nas relações cotidianas.

               Com a paciência que o magistério requer, ensinei em bares, lojas, festas e encontros sociais tudo o que estava errado e precisava ser consertado. Paulatinamente fomos obtendo vitórias judiciais pela reintegração dos servidores, quase sempre burladas parcialmente até a decisão final, em 2ª instância, do último recurso. Mesmo diante das mais absurdas ameaças, segui firme até que, em abril de 2010, tive a felicidade de retornar ao meu trabalho, ganhando todos os meses de salário não pagos de forma parcelada em 11 meses. Mesmo assim, não satisfeito com a derrota, o prefeito (ou seu pai) passou a perseguir violentamente não só a mim quanto a DEZ servidores dos cerca de QUARENTA E CINCO que haviam retornado.

              Aproveitando-se de uma brecha do edital do concurso, os coronéis me transferiram inicialmente para o Céu da Montanha, templo do Santo Daime na comunidade rural de Ponte dos Cachorros (30km de distância da minha residência, sem transporte nenhum), onde havia uma escola com quatro alunos, uma professora e uma merendeira em convênio da ONG do Santo Daime com o município. Não havia função pra mim e o objetivo era fazer com que eu desistisse. Não me fiz de rogado e, diante de todas as dificuldades de locomoção para não se fazer nada, compareci diariamente com o apoio de uma carona providencial mantida por um outro colega servidor transferido.

       Vale lembrar que, por tudo isso, recebia apenas um salário mínimo, uma vez que o piso da minha carreira havia ficado abaixo do mínimo.

Insatisfeito com a forma com que fui destratado por um membro do Santo Daime, decidi solicitar apoio à vice-prefeita Sra. Conceição Salgado (PSB), figura política mais favorável a uma mediação do conflito entre pai do prefeito e servidores, no sentido de me transferir para um lugar menos hostil. Foi então que a vice-prefeita determinou que eu assinasse o ponto no Posto de Saúde do Mirantão, distrito de sua residência, até que ela acertasse com o prefeito um lugar melhor para minha lotação.

         Minha terceira transferência, mediada pela vice, foi para atuar no Colégio Estadual Antônio Quirino (CEAQ), localizado em Visconde de Mauá (Resende, RJ), e, portanto, como servidor municipal de Bocaina de Minas (MG) cedido à escola da rede estadual do RJ. Por lá, atuei como inspetor de alunos e professor de História do período noturno, tentando conciliar as necessidades da escola com as minhas necessidades e preenchendo as 40 horas semanais que deveria fazer jus. Como o colégio atendia parte do município mineiro em razão da fronteira que faz com o Estado do RJ pela Região de Visconde de Mauá, localizando-se, portanto, no extremo oposto da sede do município, onde inicialmente estava lotado (DP, lembra?), entendeu o prefeito que eu ficaria ainda mais distante da sede e do povoado de Santo Antônio, onde residia, e que isto me faria desistir de vez. Ledo engano. Não só fiquei por lá como gostei e estava realizando um ótimo trabalho, encontrando-me com uma equipe de professores e funcionários que me acolheu e que buscava fazer a melhor escola pública possível. 

       Destaques para a Profa. Glória, diretora na época, e para a Profa. Simone, coordenadora do noturno na época, em nome das quais, honro todos aqueles profissionais que encontrei. Durante minha passagem pelo colégio estadual de Mauá, cheguei a colaborar retendo uma arma de fogo carregada em mochila de aluno. O que poderia resultar em desastre parecido com o de Realengo, em Mauá foi evitado pela ostensiva dedicação de funcionários e professores, algo muito além das condições objetivas oferecidas pelo Estado.

            Estes professores conseguiram uma vaga para mim junto à república dos professores que era mantida pela Prefeitura de Resende na escola municipal de Visconde de Mauá. Mesmo assim, mantive residência, frequentada apenas nos fins de semana e feriados, em Santo Antônio, enquanto permanecia na república durante os dias de semana em que trabalhava. A distância entre Santo Antônio e Mauá é de aproximadamente 40km em estrada de barro, quase sempre intransitável em função das excessivas chuvas da Mantiqueira. Mas era preciso manter residência em Santo Antônio, tanto pela continuidade do movimento vitorioso, quanto pelo fato de que havia escolhido aquele povoado para viver e, à esta altura, já sabia que se tratava de um núcleo de oposição arraigada contra o prefeito na cidade.

      Enquanto tentávamos ajeitar os servidores que faltavam, ou melhor, os que ainda penavam perseguições políticas inconcebíveis, organizamos uma oposição sólida ao atual prefeito na cidade. Este movimento continua por lá mas não conta, hoje em dia, com a minha presença física. Esgotado por sucessivos descontos nos meus vencimentos, fruto de faltas inventadas durante o meu estágio probatório, logo percebi que a armadilha política poderia me sujar perante o serviço público em geral e que era hora de dar voos mais altos. Estava ganhando muito pouco, sendo insistentemente usurpado do meu próprio salário, trabalhando em um regime de 40 horas semanais com a realidade de nosso alunado de hoje, e ainda ameaçado, quanto ao direito de ir e vir livremente por políticos inescrupulosos e impunes. 

              As terras que me apaixonaram por suas riquezas e belezas naturais, que me seduziram pela hospitalidade de seu povo; as montanhas que me enriqueceram espiritualmente (só esta questão daria um artigo à parte), as mesmas que me haviam concedido o direito de ser considerado para além dos preconceitos sexuais e de origem, conduziam-me para cada vez mais próximo da condição de herói morto diante das circunstâncias materiais colocadas. Entre uma liderança arduamente conquistada, que me possibilitaria viver de favores até um momento político mais oportuno, e a necessidade de continuar vivo e forte mas, sobretudo, independente, fiquei com a segunda opção.   

          Foi quando decidi retornar ou recuar, aperfeiçoando condições objetivas de sobrevivência e aguardando o desenvolvimento da semente plantada. O movimento continua, as eleições municipais acontecerão no ano que vem (2012) e os recados carinhosos que recebo pela internet me enchem de lágrimas os olhos. Mas entendo, como libertário que sou, que as mudanças coletivas não precisam de pai ou de mãe eternos para acontecerem. Precisam de quem as plante, de quem as águe e de quem colha seus frutos, lembrando sempre como foram cultivados, não necessariamente sendo os mesmos os beneficiados ou prejudicados no tempo ou no espaço. O bem que praticamos – assim como o mal – ficam registrados no Universo e se projetam sobre nós a partir de pessoas ou situações as mais díspares e inusitadas.

              Felicidades a todos os meus casos e amores, desafetos e paixões, em Minas Gerais. Saudades desta terra.

           PARA QUEM SE INTERESSAR PELO ASSUNTO, MATÉRIA NO SITE DA GLOBO.COM > http://globominas.globo.com/GloboMinas/Noticias/MGTV/0,,MUL1039929-9033,00.html

domingo, 3 de julho de 2011

Lutas pelo direito ao prazer

Por que ainda precisamos gritar pelo direito ao prazer?

Em todo o mundo, mulheres gritam o quanto é importante ser feliz sexualmente. Que não são objeto de ninguém, que têm o direito de escolher quem desejam como parceiro, que precisam ser mais respeitadas em seus respectivos locais de trabalho. Que querem ter seus filhos ou não, decidindo, elas próprias pelo que elas próprias irão carregar até a morte. Um filho não é brincadeira: custa caro manter, exige comprometimento com a formação e o acompanhamento. É uma dedicação tão importante que não é pra quem não quer. É pra quem quer, de fato, mudar de vida. Mudar por causa de uma Vida que os pais puseram no mundo e agora precisarão de todos os meios para sustentar. Obrigá-los a ser, com todos os métodos de prevenção ou interrupção existentes, considero uma verdadeira irresponsabilidade. Uma irresponsabilidade com a Vida.

Pelo que eu saiba, padres, freiras, pastores e pastoras não costumam assumir todos os filhos que são postos no mundo. Logo, podem achar o que quiserem do direito de ter ou não ter filhos mas não podem mandar nas vidas das mulheres. 

Rejeitar a vida segundo suas orientações moralistas tem sido, isto sim, uma das grandes e positivas revoluções de nossos tempos. Razão de tamanho incômodo, nada mais que uma insurgência histórica contra milênios de ordenamento do pensamento conservador cristão no mundo. Para quem já matou muita gente boa, discriminou e levou ao desespero, afogou relacionamentos amorosos, mentiu pra caramba e sempre foi pego fazendo o que sempre condenou, o conservador cristão, este sim, encontra-se em desespero existencial. Não morto. Mas em desespero suficiente para ficar apregoando que liberdades são sinônimo de fim do mundo. Não são.

Na verdade, sabem como estão ameaçados e andam cada vez mais raivosos. De certa maneira, ganhando adeptos dentre desesperados por razões de egoísmo humano, não de liberdade em excesso. Quando se tem a liberdade, tem-se a liberdade, inclusive, de ser egoísta ou não. A liberdade, na verdade, é o direito de encontrar seu caminho próprio, não um único caminho. É o direito de perceber o que lhe afeta, o que lhe incomoda, de refletir, de falar, de exercer o que lhe oferece prazer. De rejeitar o sofrimento. Mas também, dentre caminhos positivos da existência humana, aqueles que oferecem prazer e amor, progresso e bem-estar, saúde e melhoria, existem também os caminhos da Dor.

Cristãos conservadores são aqueles que usam suas respectivas liberdades apegando-se ao sofrimento de Cristo como norte único, predestinado pela providência divina, para todos e todas. Este raciocínio é o grande responsável pelo alto grau de auto-flagelação dos homens e mulheres quanto ao que lhes gera prazer e felicidade. É a noção de pecado, aquela que menospreza o combate ao egoísmo e superestima a condenação das sexualidades, a grande distorção que anda sendo corrigida numa complexa transição ainda exagerada, em alguns aspectos, mas libertária, significativa e pertinente em tantos outros.

O que me incomoda, no mundo de hoje, é justamente quando percebo que os cristãos conservadores crescem na condenação do alvo errado. Deveriam, enquanto cristãos de verdade, condenar o mau-caratismo, a ganância, o individualismo e todos os seus derivados que assassinam milhões de vidas humanas, outros milhares de espécies de seres vivos inclusos, e são uma opção política muitas vezes adotada ou seguida por parlamentares e governantes que enchem a boca de ódio para representarem os mesmos cristãos.

Mulheres, gays, negros e tantos outros segmentos que se insurgem em busca de seu direito legítimo à igualdade de tratamento, à curtição plena do prazer de existir e de viver, não deveriam ser condenados. Não é o sofrimento de Cristo a grande questão humana a ser perseguida, insistida e comemorada. É justamente o contrário: sua vida! Seus ensinamentos em vida constrangem católicos e evangélicos mais radicais diante de uma lúcida e cuidadosa análise de suas prioridades. É no Amor ao Próximo a base, o fundamento, o mandamento supremo da passagem de Cristo. A morte dele, a cruz, o sofrimento, pelo contrário, decorrem da necessidade gananciosa de sacerdotes em sua época, das autoridades humanas e da fragilidade dos egoístas, mesmo dos populares que, uma vez ajudados por Ele, o negaram, o entregaram ou se acovardaram diante de poderosos que o perseguiam. Convicto de seus princípios emancipadores da alma humana, Jesus Cristo ainda pediu a Deus para perdoá-los porque não sabiam o que faziam. 

Por tal, defendo as paradas gays, a união estável e o casamento civil de todos que se Amam, da maneira que se amam, porque Amar é mais importante, revolucionário e legítimo que odiar, condenar, reprimir ou perseguir prazeres alheios que excitam e não comprometem a Vida. Defendo que os gays devem adotar filhos sim, sobretudo porque salvar vidas perdidas de casais heterossexuais irresponsáveis ou despossuídos de condições mínimas de mantê-los, obrigar héteros a tal disposição sem querer mantê-las, talvez seja mais irresponsável do que pensamos. Acreditar na influência de pais gays sobre a sexualidade de filhos criados por eles é simplesmente desconhecer totalmente a constituição da personalidade de um gay, seara que, por causa própria, tendo mais a reconhecer uma forte composição de elementos genéticos sem desconsiderar a interpretação própria de cada indivíduo sobre o mundo humano que o cerca. 

O mesmo em relação às mulheres. Que abortem aquelas que se julgarem despreparadas ou incapazes de assumir um compromisso tão importante. Que sustentem seus filhos, e até filhos de criação, aquelas que assim considerem que deva ser feito. A legalização do aborto é um direito de escolha de cada mulher, segundo seus próprios princípios e convicções, independentemente de sacerdotes mais preocupados com a manipulação mental das pessoas que com suas respectivas felicidades. 

A grande revolução de nossos tempos reside numa oportunidade histórica de ser feliz com o que se é, mas, para tal, ainda assim, há de se tomar conta dos raivosos portadores do único caminho. Ao mesmo tempo, solicito a eles a preocupação do Cristo com o egoísmo humano, ameaça real às espécies e ao planeta, algo que vem ceifando vidas em proporção genocida nas barbas dos mais atentos cristãos. Com o apoio de suas principais lideranças, para tristeza do Pai.