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Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
Estudante, professor e agente da História de seu tempo. Deformado pela Universidade Federal Fluminense, pela capacidade de resiliência em torno de causas justas, pela coragem e pela sinceridade. Dinâmico, espiritualista, intuitivo, libertário, imprevisível. A leitura de seus textos é recomendada a quem faz uso de covardias.

sábado, 16 de abril de 2011

Oficina de Libertinagem, que porra é essa!?

Eu sei o quanto parece ínfimo, desprezível, desnecessário aos olhos dos companheiros marxistas. Também sei que ser libertário não é ser unica e exclusivamente da tendência individualista. Sou mais coletivista e espiritualista. Compreendo meus companheiros anarco-individualistas quando teciam e tecem críticas à opressão do Ser frente a reprodução de propostas coletivistas, como o caso da experiência soviética, em nossos tempos. Mas o fato é que ser individualista, na minha humilde concepção ideológica, é estar mais próximo da ideologia capitalista do que do socialismo ou do anarquismo.
A libertação do Ser individual é tarefa da luta anti-capitalista também, uma vez que o sistema dos patrões reduz o Ser à opressão do mercado e dos moralismos religiosos, grandes sustentadores de coletivos homogenizantes, que muitas vezes reafirmam a subserviência do homem pelo homem como identidade natural.

Como espiritualista, defendo que só construiremos coletivos fortes quando entendermos alguns pressupostos de derrotas historicamente experimentadas. Um deles reside no fato de que movimento algum prospera ancorado em lideranças estanques com seguidores fiéis. Isto porque a identificação de movimentos que dependem de líderes para existirem facilita a perseguição pelos capitalistas, que prontamente desarticulam ou destroem os movimentos sociais mais facilmente. Para que não haja "seguidores fiéis" e sim críticos participantes, temos que fortalecer habilidades e diferenças individuais sempre em busca de coletividades que não são eternas nem no tempo nem no espaço. 

Coletividades que possam se insurgir por causas comuns, se dissolverem e se estabelecerem nas circunstâncias históricas colocadas inflamam revoluções significativas com alta capacidade de projetarem avanços num mundo que não é dos revolucionários mas que depende deles para se reformular sempre. Nada será alcançado sem que pensemos na independência do Ser em suas particularidades assim como nenhum indivíduo sozinho, por mais nobres que sejam seus argumentos,  prosperará qualquer luta revolucionária anti-capitalista se for incapaz de se organizar e de se entender como coletivo, ainda que sua participação na coletividade seja pontual ou orgânica. Para tanto, não podemos sustentar a insegurança individualista dos espíritos: ela interessa aos manipuladores. 

Militantes fortes precisam, antes de acreditarem no que projetam para o mundo, de acreditarem na capacidade de superação de si próprios diante das condições materiais de existência, diante de toda e qualquer opressão que corrobore com a naturalização daquilo é construção cultural. De outra maneira, que farão com suas obsessões, seus traumas, suas fraquezas não resolvidas quando tiverem de combater um inimigo tão ardiloso quanto o capital?   

Foi com este espírito que desenvolvemos a Oficina de Libertinagem no Encontro Nacional de Estudantes de Ciências Sociais, realizado na UFF em 2001. "Libertinagem!?", pensaram e ainda pensam alguns com ar de reprovação. "Isto é puro hedonismo!", como muitos rotularam e ainda rotulam. "A universidade não é espaço para orgias e orgias não são revolucionárias", como também já ouvi de alguns moralmente resignados. É a carga da significação histórica do termo "libertinagem" (cunhada pelos cristãos no Ocidente como algo a ser repudiado ou enquadrado, incrivelmente como toda e qualquer forma de prazer e de tesão. Por quer será?)  que está preconceituosamente julgada e condenada. E não a proposta da oficina em si. Quem participou da "Oficina de Libertinagem" naquela época vivenciou aspectos inspirados na somaterapia, na física, na psicologia, no espiritualismo e no socialismo libertário, na verdade um esforço de interdisciplinariedade em busca do fortalecimento espiritual dos Seres a se coletivizar.

A dinâmica se deu assim (vai visualizando): com muito batuque, algumas pessoas recebiam em uma sala escura do prédio do Instituto de Letras os participantes. Para tal, a oficina foi programada para acontecer à noite, mais precisamente à meia-noite. Pediu-se à organização do evento que fornecesse o batuque e velas. Eu fiquei como "palestrante libertino" orientando que as pessoas fizessem um círculo em pé. Aqueles que optassem pelo voyeurismo, poderiam sentar-se em cadeiras próximas. Em tom de celebração religiosa, pedia a Dionisio (ora Dionisio, ora Baco) que intercedesse por todos que ali estavam em busca da superação de suas limitações sensitivas e orgásmicas. Até então, todos estavam convictos de que rolaria uma suruba coletiva, o que não era o intuito mas apenas a peça publicitária que atraiu tantos incautos.

Enquanto celebrava, pedia que cada indivíduo acendesse sua vela e circundasse o corpo do indivíduo ao lado (ou em qualquer posição) com o objeto aceso. Certamente alguns gritos foram ouvidos, pois o derretimento das velas fazia-as pingar sobre a pele do outro. 

Após a passagem por todos, ao som de batuques que mais lembravam os do candomblé ou da umbanda, pedi que pusessem seus corpos deitados em círculo com as respectivas velas aos seus pés.

A cada um foi pedido que desenvolvesse, passo a passo, cada um dos cinco sentidos físicos na análise dos corpos em questão. Visão de todo o corpo do outro, audição de todo o corpo alheio, olfato de cada parte do corpo alheio, e, por último, tato, utilizando-se de todo o próprio corpo sobre o corpo alheio, e paladar, levando a língua até qualquer parte. Um detalhe: todos continuaram vestidos durante esta primeira etapa. Eu dizia:

- Todos estão livres para sentir o corpo do outro e o próprio corpo como nunca sentiram. Antes nos era permitido olhar de relance para o conhecido ou para o desconhecido. Nossa visão, apenas um dos nossos sentidos físicos, era a única permitida nesta sociedade moralmente enquadrada. Permitida entre aspas porque temida. Com a possibilidade de muitas reações adversas, treinados e acostumados a reagir diante de toda e qualquer insinuação sexual, nos distanciamos cada vez mais. Por isso, somos a única espécie que aprendeu a elaborar, a falsear, a introjetar e a projetar perversões que vão muito além da sexualidade mas que começam no instinto animal domesticado. Precisamos superar estas dificuldades de relacionamento para que possamos promover revoluções concretas.

É claro que muita gente boa se empolgou. Para desespero do meu ex, que estava presente e era aluno da Psicologia, mas que temia, logo no início do nosso relacionamento, que eu descambasse para a poligamia, para a orgia ou algo do gênero na sua cara. Alguns tiraram partes da roupa alegando "furor uterino", "calor", "quentura"... outros, da ala dos voyeures, decidiram se envolver também. Muita gente boa acabou arrumando uma pegação ali depois da oficina, outros fortaleceram seus próprios amores e suas próprias paixões em desenrolos memoráveis.

Na segunda etapa da oficina, foi sugerido que cada indivíduo dissesse e mostrasse abertamente ao grupo qual parte do seu próprio corpo (e qual a parte do corpo do outro) lhe trazia mais felicidade. E qual, em mesma proporção, lhe trazia mais angústia e desespero. O sujeito ainda deveria explicar por quê. Lembro-me de revelações incríveis, de relatos muito loucos, de pessoas completamente excitadas, confessando coisas impressionantes.

A oficina foi feita sem planejamento algum. Confesso que só pedi aos organizadores as velas, até mesmo o batuque foi improvisado. Não tinha a menor ideia do que seria feito. Lembrei-me do livro "A Profecia Celestina", uma espécie de literatura da Nova Era do psicólogo americano James Redfield (ed. Objetiva), que trata de supostas visões reveladas ao próprio por uma passagem de sua vida pelo território dos incas no Peru, da somaterapia de Roberto Freire, da única matéria fixada em minha cabeça após tantos anos de estudo da Física no ensino fundamental e no ensino médio, da ideologia libertária e de muitas vivências que tive como homossexual assumido na sociedade brasileira. 

Tem coisas que acontecem na nossa vida, de razões muito além da nossa própria capacidade científica de discernimento, que misturam, com requintes de surrealismo, simplicidade e boas intenções, os temperos dos processos revolucionários semeados pelos ingênuos libertários. Que de "ingênuos", talvez, não tenham nada.             

     

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