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Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
Estudante, professor e agente da História de seu tempo. Deformado pela Universidade Federal Fluminense, pela capacidade de resiliência em torno de causas justas, pela coragem e pela sinceridade. Dinâmico, espiritualista, intuitivo, libertário, imprevisível. A leitura de seus textos é recomendada a quem faz uso de covardias.

domingo, 28 de agosto de 2011

Formação Linear e Formação Espiralada: debates sobre qualidade na formação superior brasileira


            Aqueles que me conhecem, amigos e desafetos, sabem que não sou de assumir uma missão, seja ela profissional, seja ela política, sem arriscar mudanças na mentalidade coletiva. Antes fosse uma questão simples de opção de vida, que já pudesse abrir mão, sempre que minha vida pessoal fosse ameaçada no rolo criado. Na verdade, sou levado a tais atitudes mediante a decisão de terceiros, que sempre invocam a condição de autoridade, cometendo abusos ou desvios contra mim e contra um coletivo simultaneamente. Não posso nem me dar ao luxo de dizer que sou o único alvo de suas pretensões, o único culpado ou a única vítima de atitudes equivocadas que descambam em movimentos de reparação à injustiça quase sempre vitoriosos. É exatamente o que está ocorrendo agora, mais precisamente desde o dia 31 de maio de 2011, quando busquei concluir minha graduação e alcançar o diploma na universidade que tanto defendi a existência, enquanto instituição pública, gratuita e de qualidade, entre os anos de 1998 e 2002.

            Conferi a legislação interna da UFF e percebi que tinha o direito, apesar do tempo em que me afastei e das disciplinas que cursei. Fiquei ciente de que não poderia tentar retornar para o curso de Letras Português-Latim, cujo ingresso se deu por outro vestibular bem-sucedido no ano de 2006. O motivo? Justamente o mínimo de disciplinas cursadas, que na faculdade de História eu tenho. Em Letras, cursei um semestre. Na História, conclui as disciplinas pedagógicas, as instrumentais, as optativas e as eletivas. Restaram pouquíssimas do ciclo básico e do ciclo profissional, o que, segundo me foi esclarecido pela Pró-Reitoria de Graduação, asseguraria um fundamento sólido, à luz da legislação interna em vigor, para a minha rematrícula (como é chamada a petição pelo retorno de matrícula cancelada). Não bastasse a legislação, conheço das políticas públicas em vigor, implementadas pelo MEC, que visam a diminuição da evasão acadêmica e, portanto, vinculando a quantidade (sempre ela) de estudantes à liberação de verbas para projetos de infraestrutura (o famoso REUNI). Com a oferta maior de vagas preenchidas, mais verbas. Portanto, se a legislação e as políticas públicas me amparam, por que eu não voltaria e concluiria a graduação, possibilitando um concurso público na área que já me consagrei pela experiência? 

Se eu fosse professor da graduação, no mínimo, diante de um histórico formal deste estudante, tanto quanto estudante da UFF quanto professor de fato por tantos anos, de uma carta fundamentada com razões de ordem pessoal e de um pedido de retorno legitimamente assegurado pela resolução interna, tendo toda a circunstância político-institucional favorável, no mínimo, trataria com maior atenção e boa vontade para com o caso. De fato, não se trata de uma abordagem normal. Como educador que sou, sendo o caso de exceção ou não, pensaria no que posso fazer para ajudar um cidadão que já foi da casa e a vida tratou de impor caminho diferente. Aquele que quer voltar, com uma rica experiência de vida para contribuir, não pode ser tratado com burocracias e argumentos frágeis que, sabemos bem, servem mais como mecanismos para escamotear uma intenção excludente. Esta sensibilidade deve estar acima de qualquer outra perspectiva quando se vive e se pratica educação. É o que fui obrigado a praticar quando estive dando aulas no ensino fundamental e no ensino médio, por exemplo, onde endossei inúmeras apostas em alunos aparentemente problemáticos, com dificuldades momentâneas na vida, corroborando em transformações significativas e me sentindo professor de verdade.

            Neste momento, quando já se passam quase TRÊS MESES da minha solicitação inicial, vi o coordenador da graduação em História rejeitar meu pedido e a burocracia da universidade tomar um tempo valioso de aulas corridas, além do que assisto a diversas outras propostas de vida serem comprometidas à espera da decisão soberana interna, já que impetrei recurso questionando a atitude do Prof. Manuel Rolph (coordenador da graduação em História)  desde 11 de agosto último, no Conselho de Ensino e Pesquisa da UFF, e a decisão (acredito) só virá em setembro.

            O que está em jogo nesta dificuldade em receber o aluno que vos escreve de volta? Posso pensar em duas hipóteses claras: uma seria um rancor político que não teria se esgotado quase DEZ ANOS DEPOIS de minha participação política no movimento estudantil, o que seria uma lástima, só pelo tempo em que rancores idiotas se perpetuariam na academia impedindo a produção do conhecimento alternativa à vaidade dos que lhe comandam. Mas não acredito que seja o caso específico, pois, ao que eu me lembre, nunca encontrei na pessoa do Prof. Manuel Rolph motivos para tal. Não fui seu aluno na especialidade em que lecionava, a área de História Antiga. Muito menos tivemos confrontos diretos por esta ou aquela posição política durante alguns momentos mais brabos que aquele departamento encarou. Para não pensar que o professor esteja apenas atendendo a pedidos covardes de outros professores, o que seria muito medíocre de sua parte mas não impossível, tendo a considerar que as razões podem estar na segunda hipótese que desvelo a seguir.

            A formação linear é conceituada como aquela que persegue linearmente, ou seja, reta e diretamente, sem desvios ou intempéries, o cumprimento do cronograma de disciplinas do curso, seu tempo, seus pré-requisitos e suas funcionalidades previsíveis. Quando se concretiza um modelo linear de formação, é imperioso que este modelo estabeleça suas regras igualitárias para a titulação de qualquer estudante. Não há o princípio da desigualdade aos desiguais. Além deste fato, o modelo de formação linear prezado pela Área de História da UFF sempre direcionou seu aluno para a pesquisa científica (o que seria coberto pelo bacharelado) em contraposição hierárquica superior às necessidades do magistério fundamental e médio (o que seria coberto pela licenciatura e ficaria a cargo da Faculdade de Educação complementar opcionalmente por fora). Não há problema em aprofundar a pesquisa científica e acredito que esta seja fundamental também à prática docente. O problema está no desprezo a um, na hierarquização de saberes e no descarte de conhecimentos importantes que a práxis social traz ao estudante. 

Portanto, minhas considerações se direcionam à contraposição hierárquica imposta entre o Bacharel e o Licenciado em História, o que, a meu ver, nem deveria existir, quiçá ser motivo para exclusão de pensadores. Vejo que o vestibular atual oferece vagas separadas para bacharelado e licenciatura, o que, na minha época, não existia. Mas foi o menosprezo à licenciatura que determinou a formação de muitos colegas que só tiveram posteriormente o magistério de níveis fundamental e médio para encarar como profissão. Uma vez que o campo responde majoritariamente pelo mercado de trabalho dos historiadores, o que havia – não sei se ainda o há – era um distanciamento muito grande entre a formação do historiador pela UFF e a realidade social brasileira, os obstáculos encontrados nas escolas, os fatores que levariam tantos colegas ao fracasso e à evasão das carreiras docentes em pouco tempo.

Nesta perspectiva, ainda durante a graduação, solidarizei-me com os debates iniciados pela Prof. Magali Engel quanto à formação do professor de História dentro da Faculdade de História da UFF. Cursei uma disciplina instrumental chamada “História do Ensino de 1º e 2º Grau” que, pela primeira vez, era oferecida por uma docente da área de História e não da Faculdade de Educação, onde tínhamos diversas críticas ao modelo infantiloide das pedagogas de plantão que, em nada praticamente, nos servia. Em diversas aulas da Faculdade de Educação, encontrávamos um tratamento dado a crianças da educação infantil, sem debates mais complexos, atividades externas ou experimentações do fazer pedagógico. Na matéria da Profa. Magali Engel, pelo contrário, pensávamos da melhor didática à melhor avaliação em História, sendo nossas notas atribuídas a uma negociação constante entre professora e alunos. A professora chegou a organizar a Revista Tempo (revista do Departamento de História da UFF) V.11, no 21, de 2006, cujo dossiê (“Ensino de História”) trouxe a debate artigos do Prof. Ilmar Rohloff de Mattos e da Profa. Flávia Eloisa Caimi, dentre outros, sobre a relação direta entre formação superior e ensino de História no Brasil, cujos fragmentos disponibilizei como fundamentação ao recurso encaminhado ao Conselho de Ensino e Pesquisa:

“(...) Entre as inúmeras
dificuldades, é preciso mencionar, primeiramente, a permanência, nos
meios universitários, de convicções que hierarquizam pesquisa e ensino, sendo
atribuído à primeira o papel de criar/produzir o conhecimento, que caberá ao
segundo reproduzir. O ato de ensinar é visto, assim, como mera repetição dos
saberes de referência – no nosso caso, a história – por meio de uma linguagem
didática e, portanto, simplificada, quase sempre distorcida.”

Prof. Magali Engel, IN: Apresentação, p.2



“Uma leitura singular que revela o fato de os professores de história estarmos
imprimindo à nossa prática cotidiana um significado diverso, provocando
talvez uma surpresa e rejeitando uma inferioridade. De modo categórico,
afirmamos ainda uma vez que, por meio de uma aula, também se conta uma
história; que, ao se contar uma história por meio de aula, também se faz história;
e que somente ao se fazer história por meio de uma aula nos tornamos
professores de história. Por lermos de um modo singular uma proposição,
podemos afirmar que também somos autores. Mas o fazemos não para afirmar
uma semelhança, e sim para sublinhar a diferença que nos identifica.”

Prof.Ilmar Rohloff de Mattos, IN: ´Mas não somente assim!´
Leitores, autores, aulas como texto e o ensino-aprendizagem de História, p.11.

“(...) é paradoxal verificar como persiste, nos meios acadêmicos,
a concepção de que, para ensinar História, basta a apropriação, nos cursos
de formação, pelo futuro professor, dos conhecimentos históricos produzidos e
sistematizados pela historiografia e pela pesquisa histórica, negligenciando-se
a preocupação com estudos sobre a aprendizagem, ou seja, com a construção
das noções e dos conceitos no pensamento da criança ou do jovem. As políticas
públicas recentes para formação de professores nas licenciaturas, expressas nas
Diretrizes Curriculares dos Cursos de História e nas Diretrizes para Formação
Inicial de Professores, agudizam, em certa medida, esta polarização, uma vez
que apontam perspectivas diferentes no que se refere ao perfil do profissional
da História. As Diretrizes para Formação Inicial de Professores concebem
sua formação como ponto de partida, seguindo-se daí a especificidade do
trabalho pedagógico nas diversas áreas de conhecimento que compõem as
licenciaturas, ao passo que as Diretrizes Curriculares da História entendem
que o ponto de partida deve ser a formação do historiador, derivando dela as
especificidades de atuação profissional nos campos da docência, da pesquisa
e da gestão de patrimônio.
Esta dualidade de concepções, presente nos documentos legais, reflete
a diversidade de pontos de vista entre os profissionais da História e os
da faculdade de educação dentro das universidades. Historicamente, têm-se
manifestado tensões e dicotomias entre licenciatura e bacharelado nos cursos
de graduação, constituindo-se, de um lado, os que defendem a soberania do
conhecimento histórico e, de outro, os que advogam a supremacia da orientação
pedagógica na formação do profissional da História, definindo hierarquias
de valor e importância entre os conhecimentos ditos ´específicos´ e os ditos
´pedagógicos´.
O mirante a partir do qual estendo o meu olhar, o lugar de que falo e
a posição que assumo, neste estudo, me levam a afirmar que o domínio dos
conhecimentos históricos a ensinar pelo professor não é condição suficiente
para garantir a aprendizagem dos alunos, embora dele não se possa prescindir,
absolutamente. Se é correto afirmar que ninguém ensina, qualificadamente,
um conteúdo cujos fundamentos e relações desconhece, também é possível
supor que a aprendizagem poderá ficar menos qualificada, se o professor desconsiderar
os pressupostos e os mecanismos com que os alunos contam para
aprender e os contextos sociais em que estas aprendizagens se inserem.

                                                                       (...)

Demonstrando a complexidade da tarefa educativa no âmbito da escolarização
básica, Tardif define o saber docente como plural, formado pelo
seguinte amálgama: saberes pessoais dos professores (sua personalidade, sua
história de vida); saberes da formação escolar anterior (suas experiências na
escolarização básica); saberes da formação profissional (graduação, estágios
curriculares, seminários, cursos, leituras, etc.); saberes provenientes dos programas
desenvolvidos e dos livros didáticos utilizados na sala de aula; saberes da
sua própria experiência na profissão (interlocução com seus pares, socialização
profissional).  Se as práticas escolares protagonizadas pelos professores se
constituem de todas estas nuanças, é necessário admitir que o tempo de um
curso de graduação é insuficiente para a consolidação da aprendizagem profissional.
Neste sentido, a contribuição mais importante a ser dada pelos cursos
de história na formação do professor talvez seja a de fazer ruírem os quadros de
referência prévios dos professores em formação, no que respeita à compreensão
da atividade de ensinar como mera transmissão, ao entendimento dos alunos
como depositários de fatos, à definição dos conteúdos escolares como fins
em si mesmos, dentre outros. Em seu lugar, a compreensão de que o ensino
é, fundamentalmente, ‘uma relação social caracterizada pela dependência
mútua, pela interação e o engajamento social entre os nele envolvidos’ ”.

Prof. Flávia Eloisa Caimi, IN:  Por que os alunos (não) aprendem História?
Reflexões sobre ensino, aprendizagem e formação de professores de História. p. 21 e 31

Vale dizer que a Profa. Magali Engel deixou a UFF para trabalhar na Faculdade de Formação de Professores da UERJ (São Gonçalo). Uma perda significativa, sem dúvida alguma, para o curso e um prestígio legal para a galera da FFP.

Pois bem, diante destes argumentos e de experiências vividas, eu defendo que a formação superior deixe de ser linear e se torne espiralada. Na área de História, como talvez em outras licenciaturas, isto significaria um avanço concreto às graduações e à prática docente de ensino fundamental e médio. A base curricular tornar-se-ia flexível para assimilar aprendizados externos à academia. Se atualmente o estudante comum só vai encarar o mercado ao final do curso, através de estágios que acabam resumidos a relatórios da atividade escolar de outros professores, passaríamos a adotar um modelo em que ele promoveria, desde o primeiro período da graduação, o seu intercâmbio entre saberes científicos e saberes populares, planejando-o devidamente e executando, ou ainda, executando para posteriormente sistematizá-lo. Não se teria um tempo mínimo nem máximo para o acompanhamento, a realização e a avaliação final, deixando tal prerrogativa à negociação livre entre as partes. O peso que exerce uma monografia para a conclusão da graduação seria equiparado ao peso de um projeto de intervenção social concreto, onde a conclusão seria a revelação de uma solução empreendida a um caso concreto, e não apenas o diagnóstico teórico redundante sobre aquilo que agrada ao seu mestre ou doutor orientador.

A primeira sugestão apresentada acima, a do intercâmbio entre saberes científicos e saberes populares, foi o que busquei realizar enquanto aluno e organizador-colaborador-parceiro das Semanas Culturais “500 Anos de Poliesculhambose”, cuja proposta era aproximar artistas populares e acadêmicos no debate sobre a História do Brasil e a necessidade ou não de comemorar o advento da invasão portuguesa em 1500. A Rede Globo comemorava no país inteiro, em 2000, a data de 22 de abril de 1500 como grande acontecimento patriótico e nós rechaçávamos esta conduta, enquanto nossos professores da Faculdade de História nos rechaçavam pelo barulho das intervenções nas suas aulas. Não consideravam o que estava ocorrendo como aulas reais e, nesta postura arrogante, trataram até com falta de educação muitos de nossos convidados.

Com o meu afastamento da graduação para dar aula de diversas formas e em diversas frentes, também pude experimentar o intercâmbio descrito fora dos muros universitários. Dei aula em escola particular, em programa de rádio comunitária, em escola pública, no bar, em praças e em diversos encontros sociais. Atividades conexas à educação também explorei, como a militância sindical na categoria dos professores, o desenvolvimento de algumas frentes específicas de movimentos sociais, a orientação jurídica de oprimidos no interior de Minas Gerais etc. A Profa. Sônia Nikitiuk, em seus cursos de Prática de Ensino I, II e III, na Faculdade de Educação, foi a única que, mesmo com dificuldades de locomoção, pois tinha um problema nas pernas, dignou-se a visitar a rádio comunitária em que eu exercia o trabalho de professor-locutor e traduziu esta atividade como uma prática pedagógica legítima. Dizia-se cansada com a mediocridade mediana e, à esta altura, já deve estar aposentada. A Profa. Maria Lúcia, também da Faculdade de Educação, transformou a Poliesculhambose em objeto de pesquisa do seu grupo de bolsistas. 

Curiosamente, tive mais professores atentos ao trabalho desenvolvido fora de minha graduação específica em História, como também posso citar o empenho da Profa. Tânia Stolze (Antropologia) quando decidiu convidar, traduzir por uma semana e receber em sua casa, abrindo mão de suas aulas formais naquela semana, uma família de índios Juruna que participou do evento. Ou da Profa. Sílvia Scchiavo (Antropologia), amante da formação espiralada, que impulsionou seu fazer pedagógico a partir das relações entre a literatura nordestina e a tragédia grega, levando seus alunos à intimidade do bar, ao canto na mesa de sinuca, ao cinema e às aulas em qualquer lugar. Por estas razões, mais rechaçado e perseguido que ouvido ou esculpido, deixei a graduação em História para fazer História antes mesmo de abandonar a UFF, o que explica a conclusão de disciplinas optativas, eletivas, instrumentais e pedagógicas antes daquelas obrigatórias de meu curso. Senti-me impulsionado por convicções ideológicas que me direcionaram à formação espiralada que tive. Algo que não deve ser descartado, rebaixado, humilhado como “ilegítimo”, “coisa de vagabundo” ou “de péssimo estudante”, qualificações que geralmente recebo ou ouço, ainda que tenha adquirido um arcabouço riquíssimo de experiências, leituras e intervenções coletivas.

A academia, ao permitir a formação espiralada de seu estudante, corrigirá um erro histórico, uma violência contra diversos gênios perseguidos na História da Humanidade, que ousaram legitimar uma nova interpretação de mundo através da interação entre o conhecimento científico e o saber popular, tendo sido duramente diminuídos, submetidos às dores da perseguição política e da miséria, quando não mortos, para então serem reconhecidos e valorizados. Por outro lado, inserirá os profissionais que encaminha à sociedade no rol das necessidades e desafios sociais concretos, evitando choques de desespero e desperdício com a profissão escolhida e corroborando com as necessidades prementes da nossa sociedade. 

Um dos desafios colocados à formação de professores em geral, não apenas aos de História mas aos de todas as disciplinas e níveis de formação, aos que atuam em qualquer front, se na rede pública ou na rede privada, se no terceiro setor ou de maneira informal, situa-se na constituição de uma sólida identidade docente. Professor tem de se reconhecer professor, tem de se solidarizar com o colega, tem de conhecer dos perversos mecanismos históricos de desunião da categoria que levaram à estranha condição de ser a única atividade no país que exige nível superior de escolaridade mas recebe, em contrapartida, apenas 60% (ou até menos!), em média, dos salários de outras carreiras. Não raro, os concursos públicos disponíveis exigem cada vez mais pós-graduação como fator de pontuação extra e exclusão. Um advogado graduado ou um engenheiro em igual nível ganha muito mais sem a necessidade de pós-graduações. Deveríamos superar os fatores de desunião, promovendo a inclusão, o aperfeiçoamento, a união e uma carreira docente com propostas de formação, atuação profissional e remuneração diferentes das possibilidades atuais.

O empenho da Universidade Federal Fluminense neste sentido deveria ser pioneiro pois, de fato, a universidade tem tradição e prestígio social suficientes para implementar inovações. As motivações políticas que distanciam professor universitário e futuro professor dos demais em atividade não têm constituído vantagem para ninguém, nem para os próprios, nem para seus estudantes, nem para a sociedade como um todo. Penso que as licenciaturas precisam treinar profissionais capazes de envolver e sensibilizar estudantes para a importância do conhecimento e da produção deste conhecimento de forma autônoma. Formar papagaios é o que estamos fazendo há muitos anos. Dos anos 90 para cá, com o advento de novas tecnologias e novos acessos à informação, o jovem vem rejeitando violentamente o fazer pedagógico, sem recursos ou novidades, que insiste em se fazer impor sem nexos ou pontes com os interesses de nossa época.

Um bom professor tem de ser preparado para além do conhecimento teórico indispensável à área em que atua. Tem de ter formação em mentalidade coletiva brasileira in loco, em legislação, em gestão escolar, em artes cênicas (retórica, improviso, impostação de voz, presença de palco, expressão facial, etc.), em informática e recursos afins, em linguagens para portadores de necessidades especiais, em formação política e ser experimentado continuamente em diversas frentes, recebendo por tal diversas titulações que não as tradicionalmente referenciadas por nossa legislação educacional. Acredito que a formação básica e inicial (2 anos) deveria ser comum a todas as licenciaturas, construindo uma identidade docente antes mesmo das especificidades de cada área do conhecimento. Durante a formação teórica específica (posterior à formação básica), haveria o acompanhamento desta formação identitária primordial, estimulando-a a atuações conjuntas em escolas, cursos, etc. Deveríamos ter a coragem de reconfigurar a pedagogia, retirando seu status soberano de formação para o magistério em educação infantil e ensino fundamental das séries iniciais, das licenciaturas e dos profissionais de gestão escolar (supervisão, orientação, direção), para inseri-la na formação docente comum a todas as áreas. Seria extinguir a figura do pedagogo, incorporando seus conhecimentos e possibilidades profissionais ao novo professor que se pretende formar, que, por sua vez, também poderia atuar em todas as áreas do conhecimento, da educação infantil até o ensino médio, optando por fortalecer especializações no curso de sua formação vitalícia.

Desta maneira, acredito que superaríamos limitações históricas da educação brasileira, pelo menos aquelas concernentes à formação docente. A cultura da hierarquização entre pedagogos, licenciados, pós-graduados; professores generalistas e professores de disciplina específica; professor primário e professor secundário; orientadores, supervisores, diretores e professores regentes, dentre outras instituições de desagregação, que só serve para pontuar limitações diferenciadas de conteúdo, prestígio social e remuneração, cairiam por terra. Penso que a formação básica comum habilitaria o sujeito a ser professor até o ensino médio, independentemente do grau de ensino ou área de conhecimento, servindo as especializações que constituem as graduações e pós atuais espécies de formação complementar, com diversas titulações graduais e contínuas a oferecerem. Isto posto à formação teórica e complementado pela práxis social, de forma contínua e conjunta, creio que resultaria no professor que precisamos na atualidade e para gerações futuras, uma vez que, não raro, encontramos no ensino médio alunos que não sabem ler ou escrever, interpretar texto, fazer conta, e que, constituída como tal, tanto no que se refere às bases curriculares da educação básica quanto à formação docente, a educação brasileira apresenta aspectos sofríveis porque também empurra a missão de alfabetizar para frente ou para trás. Ora, se alfabetizar é precípuo, primordial e intransferível, estamos empurrando estudantes sem saber nada a uma titulação fictícia de nível fundamental e médio. Acredito que o quadro docente das escolas, mediante tal gravidade, tem de estar preparado para alcançar o nível de deficiência e dele partir, jamais se esquivando do que não seria sua competência de nível. 

Observo que estas proposições não substituem o devido investimento financeiro do poder público na área, hoje escasso e irresponsável. Paralelamente ao crescente investimento, à remuneração minimamente dobrada em relação aos padrões atuais e à melhoria da infra-estrutura em geral, faz-se mister uma  reformulação da formação docente. Entendo que há dificuldades estruturais do professor em encarar a realidade nas escolas brasileiras de uma maneira geral, um ambiente cada vez mais hostil ao conhecimento, o que só se agrava pelo fato de que estamos, cada qual, isolados na nossa ilha de formação, em que o historiador fala uma língua, o pedagogo outra, o matemático outra ainda diferente. E todo mundo acha que está com a razão, deixando tudo como está.

Além de encontrar resistência a mudanças pedagógicas, encara-se usualmente uma profunda resistência até mesmo quando o professor é convocado a convergências de seu próprio interesse. Identificar-se como categoria da classe trabalhadora tem sido complicado e, ao mesmo tempo, útil aos manipuladores do pensamento, aqueles que se interessam por uma educação desqualificada. Estão na formação docente também aspectos culturais desagregadores que justificariam os crescentes e sucessivos prejuízos políticos e econômicos da categoria, sua desmoralização social e a de seus sindicatos. Só uma formação de identidade docente sólida que superasse nossas peculiaridades em nome da condição de Professor, um resgate da legitimidade de seu saber, de sua autoridade e de sua importância estratégica na sociedade, poderia imprimir uma categoria mais unida e combativa. Algo que a academia, na atual construção de formação especialista e soberba de si, refuta e sufoca, como posso servir de exemplo pessoal ao caso, gerando conseqüências conhecidas.    

O sujeito hoje completa sua graduação, encaminha-se e conclui sua pós –graduação, e, em nenhuma delas, consegue reunir instrumentos para lidar com o que vem encontrando nas escolas. Isto é grave porque as titulações atuais parecem não corresponder com o que vem sendo exigido pela realidade social brasileira. A falta de recursos públicos na escola pública e/ou a insuficiente remuneração, mesmo na iniciativa privada, são um ponto vital da reestruturação da carreira, como igualmente o é o devido convívio e a devida atenção aos aspectos do cotidiano das escolas, incluindo a cultura predominante na comunidade onde está situada, o ponto real em que se situa o nível de conhecimento da média dos alunos mesmo que em série incompatível. 

Para que sejam corrigidos erros históricos de descaso com a educação, qualquer iniciativa séria que priorize a qualidade do ensino (e não a quantidade) deverá levar em conta o que têm a dizer sobre o assunto os próprios professores das respectivas redes de ensino, seja em qual nível estiverem. O que não dá mais é fingir que a escola atual, retrato de uma época distinta e antecessora, contempla qualidade a partir dos arranjos ególatras dos mestres e doutores universitários na formação de professores em todos os níveis. Até porque, na hora em que lutam por melhores condições de vida, os professores da educação básica não encontram o apoio devido em seus “mestres” e “doutores” da universidade. Estes, por sintoma explícito, gostam mais de serem chamados assim. Quando rejeitam o título de professor, estão, na verdade, inferiorizando seus próprios estudantes e acreditando que se constituem numa casta superior, o que revela a própria inferioridade.

Com o tempo, acredito que as intervenções que proponho para a formação docente também alcancem os docentes do ensino superior. Mas quem sou eu para propor mudanças do tipo? Nem a graduação eu encerrei. Talvez, por isso, nem deva ser ouvido ou lido e tudo que acabei de dizer deva ser desconsiderado por se tratar de mera bobagem leiga. Que pretensão! Por isso, concedam-me o retorno, meus mestres! Digam-me a qual nobre devo recorrer para o favor que suplico, qual o preço e qual o caminho. Se devo escrever ao papa, ao conde, ao duque ou ao rei. Que eu graciosamente mandarei os senhores àquele lugar maravilhoso que nem deveria ser considerado palavrão de tão útil e prazeroso. Seria o ato mais educado que poderia oferecer. Enquanto tenho de suplicá-los o título, sofrendo o quanto sofro das exclusões inerentes, há um prejuízo social colocado que se encontra em suas mãos e que, no auge de suas respectivas sabedorias, posso afirmar-lhes o quanto é libertador morrer com a consciência de quem são e o que pensam sem querer o mesmo.                               

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Homenagem


     Seu encontro foi importante em minha vida. Mandamos para os lugares mais indesejados do universo todas as podridões humanas. Possuímos a vantagem de saber que nem o universo suporta, para si, muitas das quais os homens veneram, temem ou cultivam. Costuma devolver, fazer encarar. Em um tempo de ímpetos maiores, fomos muito felizes na cama e nos propósitos humanitários. Você não morreu, não sucumbiu de todo, mas mudou. O tempo cuidou de casá-lo com os meus inimigos e este parece ser um destino óbvio dos jovens revolucionários que envelhecem. Óbvio para o senso comum, logo frágil para os que aprimoram a sensibilidade nos feitos. Nós sabemos quem somos de verdade, um e outro afora as aparências, e, justamente por isso, que ainda resistimos à ideia de que podemos estar próximos demais novamente. Você sempre preferiu o personagem social, eu a essência à flor da pele. Não quero descuidar de sua cautela e ameaçar o que construiu na minha ausência. Reencontro-lhe enquanto notícia e ainda quero oferecer o ânimo necessário para os seus propósitos. Sei que, ainda que eu discorde dos seus métodos, não posso resistir à verdade das nossas intenções e das nossas causas. Acredito na nossa poesia e jamais rebaixarei seus versos, sob pena de perder o sentido da obra, que, de fato, é nossa e nem nos pertence.

            Senti vontade de escrever-lhe porque talvez esteja sentindo o mesmo que sinto quando tocam no seu nome. Disfarço e mudo de assunto. Aquela sensação incrível que sobe dos pés, toma o corpo e puxa um sorriso, devo-lhe confessar, ainda existe. Seu cheiro ressurge da beleza fonética alheia que o cita com entusiasmo, critica ou vocifera ciúmes. Há os que realmente sentem, não ignoram, mas também não ouviram de meus lábios a certeza que os convence. Você sabe que isso é possível e não é prerrogativa de Clarice ou Sartre, seja lá de quem delimitou primeiro a imprecisão do impacto da sensibilidade na linguagem verbal. Informam-me dos seus atos e o pau se manifesta, os pelos do meu corpo se arrepiam, aquela vibração (lembra?) ressoa. Minha boca se enche de saliva e o meu pescoço relembra o contato fervoroso do carinho que o esquentava. Tantos anos de distância e não imaginava que fosse sentir outra vez! Não sei se devo alimentar estas sensações, mas você sabe o quanto é difícil controlá-las. Isto não me peça para fazer!

         Prefiro a “ilusão” da reciprocidade. Você sabe muito bem até que ponto chegamos sempre que se tentou a negação do desejo, não preciso forçar-lhe a memória... como sabe muito bem que quando um sente e lê o que estou descrevendo é porque o outro, como que por telepatia, já abrira canal à oportunidade. Posso estar floreando esta homenagem porque meus leitores  têm nomes a explorar, são tomados pela curiosidade latina, e sei que devo preservar-lhe de outros problemas. Como gosto de preservar os leitores de onde, em verdade, extraio certo sumo de inspiração. Mas você sabe que é para você, que se confunde e me deseja à esta altura, que a homenagem se pretende. Não sou a lenda inacessível ou o passado que carrego de celebridadezinha, alguém de respeito ou admiração forçados, incapaz de curti-lo outra vez, mais uma vez ou na exata vez que o curso dos acontecimentos dispor. Sou quem lhe causa essa contrariada necessidade e, por tal, diferencio-me do que você arrumou para dar conta à saciedade comum. E, para mim, você é quem soube identificar melhor o meu olhar, os meus gestos, os meus sonhos, os meus desejos, a minha estranha caracterização altruísta e a farsa com que desempenho a negação pública do tesão por alguém.

    Eu reluto mas penso, sinto o seu cabelo, seu beijo, seu pau, seu abraço, seu carinho, sua voz, sua presença de espírito... desenvolvo a esperança de nos reencontrarmos hoje, agora, daqui a pouco, em qualquer lugar e lá, onde todo mundo também verá, não apenas dois homens em pecado, mas a gloriosa rendição dos preconceituosos ao Amor Pleno. Todo silêncio social expira. Pode até ser o seu maior medo. Quando você tiver medo, não agrida ninguém. Lembre que os nossos encontros sempre nos encorajaram a vencer sem violência, sempre geraram resultados outros, extremamente felizes, que jamais mensurávamos o alcance. A ligação do trabalho que faltava. O perdão do pai que estava em fúria. O dinheiro que parecia tão difícil. A tristeza que se doía no peito e, subitamente, parou. A música do artista na rua que parecia adivinhar o sentimento. A ideia que faltava. A solução para um problema histórico e pertinente. As razões para rir mais do que reclamar da vida.

      Esta homenagem só faz sentido se você existir e quiser existir. Não faz sentido a nossa distância, sequer resolve o problema de quem a provoca. Pense que eu estou à sua espera e o mundo, tomado pela energia poderosa que advém do cumprimento de um desejo forte, se amplia e nos abraça. Só o Amor, a Coragem e a Verdade corrompem o mundo como deveria.

Pela Revolução do Afeto,

                                           Calo e sinto, Calado.