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Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
Estudante, professor e agente da História de seu tempo. Deformado pela Universidade Federal Fluminense, pela capacidade de resiliência em torno de causas justas, pela coragem e pela sinceridade. Dinâmico, espiritualista, intuitivo, libertário, imprevisível. A leitura de seus textos é recomendada a quem faz uso de covardias.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Desenvolvimentismo Autoritário do Rolo: uma análise profunda da Era Lula

             Ligo a TV e assisto aos telejornais do dia. Sim, sou das raras pessoas que curtem assistir a todos os telejornais possíveis, além de ler os impressos ou os digitais e, se der tempo, ouvir o Boechat do rádio. Acompanho blogs, leio o que os sites das principais correntes ideológicas em disputa no mundo têm para nos apresentar. Não satisfeito, ainda leio livros! Claro, não apenas o que os meus professores ou companheiros querem mas aqueles que aparecem e chamam minha atenção também. Como sustento certa preocupação excessiva em popularizar o conhecimento das ciências sociais, algo que me libertou de tantas manipulações e, se eu desse mole, acabaria me aprisionando em outras tantas, revezo-me atualmente entre leituras, certa dose de interatividade virtual e conversas francas com nosso povo na rua, no bar, nos espaços sociais de convivência. Como um professor-estudante brasileiro que se faz de bobo às vezes mas não é idiota que se acha malandro, sinto-me no dever de tecer considerações sobre o que vejo desses tempos de Era Lula. 

      Talvez fosse mais apropriado a História um dia cunhar este período histórico que se arrasta sobre o começo do século XXI no Brasil como "Era  do Desenvolvimentismo Autoritário do Rolo". O leitor vai entender por que chego a essa conclusão. Todos nós fazemos parte de um contrato social imposto e aceito simultaneamente que vem nos assegurando uma cadeia de ineficiência, desespero e fingimentos de todo o tipo e para tudo. A figura mitológica do Lula, não o passado que o projetou na vida pública mas o que fez dele para justificar sua guinada da social-democracia ao híbrido populista-liberal, sintetiza exatamente o que nós, enquanto sociedade, estamos sustentando ideologicamente na confiança de que nos tornaremos privilegiados de alguma forma no meio do caos.

         Sim, é uma sociedade de indivíduos que disputam ferozmente a expectativa do privilégio a qualquer custo, quando, em verdade, estão submersos no desespero da sobrevivência. Ninguém engana ninguém e todo mundo se engana quando tira onda que tem o que não tem, quando cobra do outro o que não é ou sequer tem moral para cobrar, quando pede ao jovem de hoje o foco em atividades que não lhe rendem mais o que rendiam antigamente. A mídia corporativa insiste em vender o peixe de um grande desenvolvimento econômico que vem assegurando empregos em massa. Você anda pelas ruas e avista facilmente um número cada vez maior de moradores de rua, pedintes, trabalhadores informais, desempregados, prostituídos de todos os pedigrees, bandidos e "malandros". Nas famílias da dita "classe média", o que mais tenho visto é idoso sustentando com suas aposentadorias e pensões quase todos os parentes. O que chamam de "classe C", ascendente e vigorosa, é um grupo que se apoia financeiramente em um pacote de rolos complementares: bolsas estatais que deveriam ser emergenciais e não eternas, aposentadorias e pensões de idosos que trabalharam em época de maior estabilidade, imóveis de parentes ou ocupações de áreas urbanas abandonadas para moradia, empréstimos, dívidas em excesso, pequenos roubos, redes religiosas de assistência e apoio mútuo, negócios sexuais que se travestem de amizade, atividades marginais paralelas (como a venda de pequenas quantidades de drogas, produtos contrabandeados, acessos "por amizade" a órgãos públicos ou instituições privadas, etc.). Ah sim, muitos são trabalhadores e estão empregados! Que maravilha, não? Perguntem quanto ganham em média e se sustentam plenamente todo o consumismo que ostentam as estatísticas apenas com esses salários. Nem  falo do consumismo, a sustentação do básico depende cada vez mais de "ganhos complementares" ou rolos! Você pode me achar radical em expor dessa forma mas sabe que estou tratando das coisas exatamente como estão fluindo.

         De fato, quando estes indivíduos conseguem crédito para montar seu próprio negócio lícito, o que nem sempre bancos ou financeiras estão dispostos a oferecer aos mais pobres, encaminham-se para este rumo de trabalho honesto. Isto só demonstra o quanto nosso povo quer trabalhar, quer viver honestamente, quer se livrar dos patrões escravocratas, das dependências familiares ou das atividades marginais que muitas vezes foram coadjuvantes na conquista do capital inicial para fazê-lo. Assim pipocam salões de beleza, lan houses, pequenos comércios, prestação de diversos serviços que exigem pouco estudo além do executável e operacional de pouca sofisticação intelectual. Isto é um outro retrato do desenvolvimentismo autoritário do rolo: quais as opções que restam a um povo com baixa escolaridade? Que desenvolvimento é esse que não tem como mola-mestra o investimento maciço em educação pública, em professores, em ciência e em tecnologia? Certamente um desenvolvimento enganoso, só para inglês ver.  E os ingleses, que não têm nada de bobos, veem claramente que o PT e aliados fazem um jogo populista que serve mais ao repasse da maior quantidade de verba pública aos mesmos privilegiados da história brasileira, enquanto massageia o ego dos mais pobres com benefícios que são verdadeiras esmolas. Que potência econômica é esta que se julga emergente no cenário internacional mas que não consegue oferecer dignidade real ao seu povo?  

             O PT defendia - e continua defendendo - políticas públicas que estimulem o crédito oficial e a assistência social aos mais pobres mas o abismo entre a propaganda oficial e a realidade de quem precisa é enorme na prática, o que faz os poderosos de sempre, aqueles que outrora tinham medo do PT no poder, serem os principais aliados políticos da tática do fingimento de esquerda. Da burocracia às exigências de comprovação de renda, da dificuldade em lidar com regras e acessos por conta da falta de estudo do povo, vai um leque de bloqueios na ponta que inviabiliza muita coisa. É mais ou menos assim: finge-se que se aplica a saída real para a miséria enquanto se administra, na verdade, um pacote de rolos para manter o povo na expectativa do privilégio. Àqueles que, mediante tal conhecimento, não se corromperam nos acessos disponíveis da máquina autoritária, duas medidas estão claramente postas: asfixia econômica até a submissão completa ou polícia para reprimir suas manifestações. 

       Quem se deixa enganar pela expectativa do privilégio, não luta para ter o que lhe é seu por direito.  Não se faz a riqueza das novelas de TV da noite pro dia nem trabalhando honestamente: o que temos, de fato, é um estímulo enorme para o sujeito se tornar bandido ou malandro. Uma espécie de malandro que, na real, é um grande otário porque procura tirar proveito do próximo em igual estado de dificuldade. Este é o ladrão de ônibus, o sujeito de classe média com vícios de cleptomania, o colega de trabalho que inventa ou cria caso para queimar o filme do outro para ascender na bajulação do patrão. Quem quer trabalhar de fato, não raro, não recebe pelo que trabalha ou é enrolado exaustivamente até alcançar uma esmola diferenciada nas próximas eleições, nos contratos temporários (mesmo os da iniciativa privada, cada vez mais hostil a direitos trabalhistas mínimos), nos projetinhos do terceiro setor, nas mais diversas espécies de "subemprego", trabalho servil ou semi-escravo, que constituem as estatísticas grosseiramente manipuladas do desenvolvimentismo autoritário do rolo. 

         Há um grande contingente de trabalhadores que orbitam a Corte com estes préstimos, muitas vezes vendendo a janta para comprar o almoço, comendo ovo e arrotando caviar, vivendo de "arte-do-faz-de-conta-do-que-se-é-ou-do-que-se-pode" combinada com pequenas atividades marginais (drogas, prostituição e revenda de roubos são exemplos típicos), dependência   familiar e dívidas sobre dívidas.

              O despertar de consciência do nosso povo quanto à sua realidade de opressão, sem expectativa de privilégios mas sim expectativa de direitos em comum, e a coragem de encarar projetos coletivos de apoio mútuo por causas que elevem todo mundo a condições mínimas de dignidade é a única saída para o que vivenciamos. No desenvolvimentismo autoritário do rolo,  poucas categorias profissionais estão sendo contempladas com salários razoáveis. À exceção do serviço público, nenhuma com a mínima estabilidade necessária para o sujeito pagar suas contas em dia ou planejar minimamente sua vida. Outro retrato da realidade de nossa "era de esplendor" é a quantidade de pessoas que disputam concursos públicos hoje em dia, deixando claro que tem muita gente insatisfeita, subempregada ou desempregada pela iniciativa privada, sem capacidade real de captar crédito para desenvolver um próprio negócio.

          Todo o incentivo que hoje é maciçamente abordado pela mídia corporativa e pelo governo federal no sentido de se formar mais técnicos de nível médio está no mesmo caminho que outrora se trilhou no sentido de formar graduados. Se hoje há poucos técnicos, o que eleva a procura por profissionais e seus respectivos salários no mercado, esta não será a realidade amanhã quando formarmos uma quantidade tal que sirva ao capitalismo como mão-de-obra barata. O desenvolvimentismo autoritário do rolo é ciclo capitalista do momento e, como tal, não valoriza seres humanos. Valoriza o lucro de poucos. Sem alterar a base de sustentação dessa lógica de mercado mesquinha e sem nenhuma referência na qualidade dos serviços que tanto propaga enganosamente, continuaremos bonitas marionetes, ora privilegiadas e metidas nesta condição que só cabe uma minoria, ora mal pagas, desempregadas ou subempregadas, sendo parte da maioria de novo. É de  uma burrice inquietante do trabalhador alimentar disputas entre trabalhadores que determinam quem vai comer, morar, sustentar seus filhos ou quem não vai. Defender repressão ostensiva a pobres que incomodam aos que estão na classe média hoje trata-se de uma visão de mundo limitada, incapaz de resolver o problema social. É tão desumano e tão míope que desconsidera o fato de que não estar na condição de privilegiado é quase a regra deste sistema para todos nós. Há toda uma pressão de poucas pessoas poderosas para submeter milhões de pessoas cada vez mais e é contra estes poderosos (e seus privilégios constituídos a partir do roubo de todos nós) que devemos lutar. O sujeito que fica reproduzindo o discurso que interessa aos poderosos, como aquele que atribui culpa individual simples, como se as pessoas desempregadas ou subempregadas em geral não quisessem trabalhar, ou fossem apenas incompetentes, não quer ver a realidade de um mercado de trabalho que não paga quem trabalha ou paga cada vez menos.

            Eu desafio cada um que se encontra em condição privilegiada atualmente a contar a verdade de como conseguiu tal feito. Preferem falar de amenidades, perguntar sobre a vida alheia, fazer disputas de quem tem mais propriedades, carros, bens os mais caros e modernos. Ou então elencam histórias heroicas de esforço pessoal que precisam de uma análise mais acurada.  De cada dez nessa situação, asseguro um que seja exceção de fato, que ganhou trabalhando muito e aproveitando a oportunidade de profissões mais bem remuneradas. Que aproveitou até a condição maior de estabilidade do passado e aí é um recado aos mais velhos que veem nos jovens de hoje um bando de gente vagabunda e incompetente: quero ver  trabalharem como trabalhamos, mostrando cada vez mais serviço e tomando cada vez mais voltas, portas fechadas na cara ou abusos de todo tipo. Os outros nove bem-sucedidos da estatística invariavelmente contaram com um dos elementos a seguir: herança de bens ou nome profissional; acessos privilegiados ao poder por conta de laços de parentesco ou amizades; ganhos com corrupção ou outros tipos de atividade marginal (nesta lista, incluo favores ilícitos, tráfico de drogas, roubos, prostituições não assumidas, contrabandos, revendas de roubos, etc.); casamento com gente de situação privilegiada; financiamento direto da família. Sem estas possibilidades citadas, as mesmas que os capitalistas chamam de "competência individual" porque sonegam a verdadeira fonte do capital ou do prestígio inicial, o desenvolvimentismo autoritário do rolo reserva aos demais a miséria quieta ou a revolta inerente. Na opção desta última, a polícia para dar porrada, expulsar, prender ou matar, a cadeia, o cemitério...

            Neste sentido, não há outra saída para o perigoso engodo do PT no poder que a consciência cada vez maior da maioria de que não deve lutar mais para ser privilegiado às custas da humilhação do próximo. Paralelamente, também não devemos ficar conformados com esmolas e assistências sociais de emergência, com rolos e promessas quanto a empregos que nunca chegam ou que, quando chegam, duram pouco ou nunca pagam o combinado. Temos que parar de fingir que estamos um melhor que o outro, assumir nosso papel na mudança da condição de todos, brigar unidos por direitos mínimos à dignidade humana. 


          Todo mundo tem que comer, morar, vestir, estudar, ter acesso à saúde, ao transporte público, se divertir e ter liberdade para pensar, se manifestar e ser tudo aquilo que não prejudique o outro. Um sistema econômico que não garante isso não nos serve. Produz mais desespero, conflitos e doenças, instabilidade física, psíquica e emocional. Até quando vamos ficar transferindo culpas a indivíduos quando há algo em comum que à grande maioria aflige de igual pra igual? Até quando vamos ficar atribuindo a epidemia de câncer ou de depressão a causas vinculadas a um comportamento individual, à    genética do indivíduo, à fraqueza, à falta de Deus no coração? Aprendi que um fenômeno humano deixa de ser individual para ser coletivo ou social quando se percebe uma grande quantidade de pessoas manifestando, sofrendo ou vivenciando o fenômeno. É o que ocorre entre a gente no que se refere a dificuldades econômicas que tornam a vida insuportável: elas vêm gerando consequências visíveis na qualidade de vida.


              Ora, se não temos educação de qualidade,  temos cada vez menos profissionais de qualidade em todas as profissões. Que importa? Temos que crescer! Ora, se temos cada vez menos profissionais de qualidade em todas as profissões, temos mais pilantras atrás de dinheiro sem garantia de serviço bem feito. Que importa? Temos que crescer! Se temos mais pilantras atrás de dinheiro fácil e qualidade zero em todos os serviços prestados, temos médicos que não sabem tratar pacientes, professores que não sabem ensinar, engenheiros que não sabem fazer conta, advogados que não sabem escrever, e por aí vai em todas as necessidades que temos por serviços em geral. Que importa? Temos que crescer! Se então temos pessoas irresponsáveis praticando toda a sorte de irresponsabilidades, deveríamos recorrer a justiça e processá-los, correto? Não, eles também estão lá na justiça, na polícia, nos governos, nos parlamentos. Que importa? Temos que crescer! É assim que estamos vendo a escalada de serviços mal prestados, contas e impostos cada vez mais caros, gente se matando de trabalhar para pagá-los e todo  o retorno que se precisa é malfeito, é feito sem cuidado, é feito sem conhecimento, é feito sem a preocupação com a punição se houver qualquer tipo de problema. Estamos num país de gambiarras, jeitinhos, emendas e muitos, mas muitos curativos, para dar conta das consequências de tanto pedantismo e mediocridade. Senhores, não adianta privatizar. O problema não é de gestão pública ou privada. O problema não é de metas quantitativas, pois estas não provam nada e só agravam as deficiências. O problema é de mentalidade. O desenvolvimentismo autoritário do rolo ensina que tudo deve ser feito de forma a se tornar um privilegiado imediato de qualquer mínima ação ou esforço. Em outras palavras, o bem-sucedido é o que se acha mais malandro, é o que tira mais do outro e, sem saber o quanto perde numa escala de ação e reação, já que todos precisam um dia do serviço do outro, é o que acaba sendo o mais otário porque perde o que tem de mais precioso quando mais precisa. Faz o quê diante desse trauma? Mais um rolo? Depende. Há situações definitivas, como a morte por exemplo, que não oferecem alternativa. Outras situações são impactantes, como ser injustiçado e acabar culpado pela injustiça que sofreu. Outras são corriqueiras, como perder sempre o que se custou tanto suor para ganhar.      


             É bom que se diga antes que pensem que estou aqui defendendo o PSDB ou "a direita": não, não defendo nenhum que defenda o mesmo modelo econômico com retoques diferentes. Para mim, na ditadura atual, PT e PSDB rivalizam como Arena e MDB rivalizavam durante a ditadura militar, ou seja, buscam o mesmo bipartidarismo estadunidense que só serve a uma fachada grosseira de democracia. Cada um fez e faz seu papel no capitalismo internacional, de acordo com a conjuntura necessária, de maneira que se o PSDB hoje chegasse ao poder daria continuidade ou até fortaleceria os princípios do desenvolvimentismo autoritário do rolo. Talvez privatizasse uma coisinha a mais aqui ou outra acolá...    

          Não adianta mais fingir, ocultar, inventar flores. Temos que ter flores reais! Nenhuma polícia pode deter o desabrochar das rosas de Recife, Vitória, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Teresina, Pinheirinho, Anonymous, Stop SOPA, Stop ACTA, Movimento Ocuppy, Professores e Bombeiros do RJ, estudantes do país inteiro. Convido você a construir esse jardim para contemplarmos e não mais esperar que governantes egoístas e mesquinhos o façam por nós! Questioná-los sempre, exigir e apontar suas irresponsabilidades, mas não perder tempo e gerações com uma colaboração indireta no projeto genocida: aquela que não enxerga o seu próprio papel na História. Não mais acreditar que a iniciativa privada representará qualquer qualidade maior que a visão míope e obtusa da usura de poucos sobre a existência de tudo. Vamos compreender um ao outro com menos disputas e mais apoios mútuos, vamos valorizar a sensibilidade e o prazer de elaborarmos juntos: está aí um caminho para aniquilar a mentalidade capitalista. Parece cristão mas nem os cristãos estão dispostos a executá-lo! Parecem mais preocupados em fazer o jogo da discriminação das marionetes, outra faceta do desenvolvimentismo autoritário do rolo: desunir, desunir, desunir para então manipular melhor. Uma esmola para um, um cargo para outro, 50% da arrecadação de impostos para especuladores... porrada nos gays! Estes padres e pastores preconceituosos prestam um bom serviço ao capitalismo e às dificuldades humanas. Eu não quero mais rolo, não quero mais gratidão eterna, eu quero solução digna! E a solução digna, eu sei, não habita no programa "Minha Casa, Minha Vida", mas sim no projeto de sociedade "Nossa Casa, Nossa Vida".                     

             

               
                      

                

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Guerra cibernética: do virtual ao real

    O grupo de hackers/crackers conhecido por "Anonymous" ou, em português, "Anônimos" é uma novidade significativa na organização coletiva de pessoas que atuam no mundo virtual com o conhecimento de tecnologia de informação (TI) suficiente para fazer bons estragos no sistema em nome de boas causas. Sabe-se das dificuldades que representa agir neste meio mantendo-se em sigilo absoluto, uma vez que para cada um que age na clandestinidade existem dez profissionais capacitados pelo sistema para defendê-lo contra ataques cibernéticos. Há, porém, um aspecto louvável entre aqueles que atuavam de forma individual e estes que buscam uma atuação coletiva: a consciência política libertária associada à formação tecnológica estão construindo uma nova ética no meio até então plenamente manipulado pela ética empresarial ou das grandes corporações econômicas. 

              O sistema capitalista tem se utilizado dos avanços tecnológicos ao longo de toda a sua história de trezentos anos de hegemonia crescente com dupla conotação politico-ideológica:  por um lado, convence a população dos novos recursos que adiantam cada vez mais suas vidas cotidianas. Este seria o aspecto positivo das novas tecnologias, desde aquelas primeiras máquinas que substituíram o trabalho humano exaustivo por uma produção em série, em quantidade e tempo recordes, até a era digital. Diminuir o esforço humano, as barreiras da condição física humana sobre a natureza, sobre as distâncias, sobre o tempo, sobre a sua própria capacidade de produção e consumo. Nisto, de fato, avançamos muito nestes últimos trezentos anos de história, sobretudo nos últimos cinquenta. Incomparável, aliás, o avanço tecnológico da humanidade nas últimas décadas sobre todos os milhares de anos antecessores. Isto é um ponto. Alguns creditam simplesmente ao capitalismo, outros veem nele um meio por onde se processou o que a humanidade conseguiu desenvolver a partir de sua própria experiência e conhecimento acumulados ao longo de um milhão de anos. 

           Para este segundo grupo, o qual integro, não há por que comemorar a glória do capitalismo nos feitos tecnológicos. Isto por que houve uma evolução contínua e uma involução permanente. É aquele ditado popular que diz "deu com uma mão e tirou com a outra". Experimentamos e alcançamos evoluções tecnológicas contínuas tendo na lógica capitalista as bases econômica, filosófica e moral por onde direcionamos erroneamente o sentido das descobertas. Para e pense: se era para que trabalhássemos menos e desfrutássemos mais dos avanços tecnológicos, todos nós enquanto espécie, por que vem ocorrendo justamente o contrário? Quanto mais tecnologias dispomos para nos esforçar menos em trabalhos insalubres, exaustivos, repetitivos, desumanos, podendo deixar tais tarefas para as máquinas, e assim darmos um salto coletivo de qualidade de vida, mais estamos tendo que trabalhar ou nos sujeitar a esmolas, desmandos, abusos, doenças, manipulações, depressões e toda a sorte de escravização moderna. A esta resultante, que é de ordem cultural e move o mundo por interesse econômico no domínio e no privilégio de poucos sobre muitos, é que atribuo a involução permanente que representa a manutenção do capitalismo sobre os avanços tecnológicos.  

               Cabeças geniais não são construídas de forma individualista, dependendo de pai, mãe, comida, educação, saúde pública, ambiente saudável, trocas de experiências com os diferentes humanos e, ainda, humildade para ler e compreender as contribuições de todos, dos mais estudados aos analfabetos de pai e mãe. Perceba que os maiores CDF´s ("cus de ferro", expressão que qualifica os "nerds" no Brasil, ou seja, os estudantes mais aplicados) e mesmo os adultos mais cultos e sábios sempre foram e sempre serão os mais humildes no jeito e no trato com os outros, não se importando com exibicionismos materiais ou de domínio. 

            Quem tira onda e pisa no outro é 171, aproveita-se muitas vezes da habilidade com a comunicação para dizer que conhece profundamente o mundo e não conhece. Paga por isso. É um erro que só interessa aos mesquinhos o patrocínio de determinadas biografias como se fossem exemplos de heroísmo porque construíram impérios materiais à custa da exploração de muitos. Para todas as religiões existentes no mundo, não à toa, o desapego material é chave para a libertação da condição humana. Só não vê quem se aproveita da fé, do desespero e da ignorância dos outros. Só o capitalismo, criador de tanto mal-estar social, baseia-se no acúmulo de dinheiro nas mãos de poucos, na superficialidade das relações e na estranha crença de que é a luta do indivíduo sozinho que pode torná-lo superior. O Ser humano é maior do que sua prisão mental ao Deus Mercado, pode ser maior e será maior, aproveitando-se, inclusive de tecnologias e paganismos criados durante sua fase histórica de passagem. É o que acredito. É o que vejo acontecer com a guerra cibernética em curso. É o que também observo nos crescentes protestos contra os malefícios causados pelo egoísmo, pela vaidade, pela hipocrisia e pela ganância.

              A história nos conta que Santos Dummont, criador do avião, teria entrado em depressão e se suicidado após ver sua descoberta sendo utilizada para a guerra. O avião deveria servir à humanidade para transportá-la em tempo menor a distâncias maiores, de forma segura e sensata. Não para carregar bombas e munições capazes de exterminar milhares de vidas por domínio e ganância. Steve Jobs, fundador de um império como a Apple, é idolatrado no mundo por sua criação da era digital - os computadores cada vez mais portáteis. Mas sua empresa, aquela que ele administrava ou ao menos supervisionava até bem pouco tempo antes de sua morte recente, já se utilizava de mão-de-obra infantil escrava na China para produzir e vender a preços baratos. Isto tira o mérito da descoberta, desqualifica os donos irresponsáveis, rebaixa o Ser humano que deveria ser beneficiado pela tecnologia da espécie. A tecnologia pertence à espécie humana e não ao indivíduo que a criou, que a produz ou que só tem o direito de consumi-la por possuir dinheiro num mundo que ainda não remunera a maioria trabalhadora dignamente. 

            Se era para que muitas pessoas se beneficiassem com uma comunicação instantânea e globalizada, os IPads ou IPods não poderiam sacrificar crianças ou adultos que os produzissem, deixá-los sem comida, sem saúde, sem direito de usufrui-los. Isto, na minha visão, tira da Apple e da Foxccon o direito de existirem na China ou em qualquer lugar do mundo. Será que sou radical? E quem defende a propriedade privada de uma meia-dúzia sobre o sacrifício de muitos é o quê? 

             Todos que lucram ou consomem produtos feitos à base de escravidão são eticamente comprometidos com a sustentação dessa distorção. Ultimamente eu tenho boicotado produtos chineses em geral, pois aquele precinho baratinho e aquela qualidade vagabunda são proporcionais ao desespero máximo de muita gente chorando no meu ouvido quando durmo. Não quero, choro em lembrar, em ter a consciência disso e fingir que sou alheio. Não sou, alienação ou alheamento são construções culturais dos que dominam àqueles que se permitem dominar achando que estão (ambos) tirando onda com a desgraça alheia que retorna. O modelo chinês não está restrito à terra que faz isso sendo governada pelo Partido Comunista (!?). É modelo internacional, é dinâmica própria do sistema capitalista na fase atual de desenvolvimento, de maneira que buscar mão-de-obra barata (ou escrava), subsídio estatal e matéria-prima onde eles estiverem disponíveis no mundo inteiro, tem sido verdadeira obsessão covarde. Na China, na Malásia, na África, ou mesmo aqui, na sexta economia do planeta (à frente do Reino Unido!!!).

                A briga virtual é uma subversão a este sistema por dentro, com conhecimentos tecnológicos avançados e consciência política de que o capitalismo passou dos limites. Se a internet nasceu livre foi um equívoco sistêmico proveniente da contradição dos poderosos ou da capacidade dos estudiosos que trabalham para eles mas que não concordam tanto assim com seus abusos. Permitiram em meio ao discurso de liberdade que o capitalista liberal enche a boca pra dizer que defende mas que, em verdade, abomina se chegar ao ponto de ameaçar sua propriedade privada e seus privilégios. O limite entre ciclos autoritários e ciclos democráticos sempre foi justamente este: recorria-se ao autoritarismo dos regimes de exceção sempre que a classe trabalhadora passasse a se organizar mais, a lutar mais por seus direitos, a exigir mais divisão do bolo. Estamos em um momento de esgotamento da expansão global da exploração máxima e esta é a razão da crise econômica mundial, baseada na pretensão dos exploradores de que sempre dá pra tirar mais um pouco. Logo, a pressão por limitar a circulação de dados e informações na internet invocando o direito autoral e o necessário pagamento pelo uso das obras à esta altura do campeonato, em que uma geração inteira já ficou habituada a baixar música, vídeo, livro e tudo o mais, sem pagar porra nenhuma, e, mais que isso, habituou-se a estudar a coisa, como circula e como funciona, ao ponto de derrubar sites de importantes instituições públicas e privadas, chega a ser cômico.

               A internet é anárquica por sua natureza e o estudo da Tecnologia da Informação, a formação política de profissionais vinculados à área, uma realidade cada vez mais presente e cada vez mais ameaçadora a um sistema econômico que se subordinou à informática para transmitir informações de toda a espécie e que não contava em perder o controle da situação a tal ponto. Agora, querem recuperar a censura e o pagamento de direitos autorais para que empresas capitalistas de mercado superado pelo avanço tecnológico sejam protegidas ou resgatadas. Tarde demais, senhores!        

              

sábado, 7 de janeiro de 2012

Banheiros e motéis públicos

        Uma sociedade decente cuida das necessidades fisiológicas de seus cidadãos. É uma questão sanitária importante, está vinculada à eliminação de focos de doenças e tem na manutenção de certo odor razoável às calçadas, ruas e bancas de jornal um importante argumento. Ouvi sempre que não deveria urinar na rua. Mas, como tudo no Brasil, a gente ouve da mesma pessoa que não deve quando esta está na frente de outra. Quando a situação obriga e ninguém está por perto, o discurso muda, a interdição é até incentivada, denunciando que vivemos uma grave tradição histórica moralista. Pois assim é para um mijo banal, assim é para tudo que se faz por aqui. 

           Eu defendo a oferta e a manutenção de banheiros públicos gratuitos. Limpos, conservados, como devem ser os banheiros de nossas casas particulares. Se vejo que é obrigação do usuário fazer o possível para não sujar de forma absurda, quebrar ou tornar insuportável o uso por capricho pessoal, acho igualmente um absurdo ter de pagar por isso e ver como os comerciantes em geral nas grandes cidades tratam aqueles que têm necessidade mas não são (ainda ou naquele momento, pelo menos) seus clientes. Quando assisto a discriminações do tipo, mesmo que não sejam comigo, costumo deixar de ser cliente do estabelecimento na mesma hora. Banheiros de graça nas ruas e praças, em quantidade suficiente para o público e limpos, são a única solução para se evitar xixi e cocô na rua, ou ainda, filas indesejáveis aos comerciantes nos banheiros de seus estabelecimentos. Enquanto não temos isto, trata-se de gesto humanitário e de lei a obrigação de se permitir que qualquer um use banheiros disponíveis ao público sem serem discriminados por razão alguma. Muito menos financeira.

           Fico triste quando assisto cidades como Niterói e Resende, no Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, serem, dentre as cidades que conheci até hoje, as piores no trato com as necessidades fisiológicas alheias. Niterói constrói rampas e caminhos delimitados para deficientes mas não suporta que seres humanos em geral façam xixi e cocô em seus comércios. Não investe em banheiros públicos, a não ser que sejam pagos. Com efeito, é campeã no mau cheiro urbano. A cidade que se diz padrão classe A de renda per capita segura chave de banheiro de bares e restaurantes com unhas e dentes. Exige grana, tem horror de quem faz xixi na privada. Não à toa gasta bilhões de litros de desinfetantes e criolinas em calçadas e bancas de jornal todos os dias. A contaminação do ambiente passa a ser dupla: primeiro, pelo excesso de micro-organismos lançados sobre áreas calçadas; segundo, pelo excesso de produtos químicos utilizados sobre as mesmas calçadas onde diversas pessoas passam ou dormem, respiram ou encostam. Os males provocados pela má intenção são cultivados no sistema do mal-estar profundo e coletivo nos mínimos detalhes do cotidiano e não há curandeiro, igreja ou remédio que dê conta das razões por que atravessamos modismos como depressão generalizada, fobias, cânceres e tantas esquisitices patológicas.        

           É termômetro de evolução da espécie permitir e sustentar o uso de banheiros gratuitamente. Se sabemos que todo o saneamento básico foi importante para evitar uma série de doenças onde ele já existe (outra  dificuldade no Brasil), como vamos proibir ou criar dificuldades financeiras para impedir pessoas de usar banheiros???? Então, estamos diante de mais uma triste contradição do sistema do mal-estar profundo e coletivo.  Temos a tecnologia para se evitar um mal maior mas, por ganância, optamos em continuar fabricando o mal maior, ainda que todos possam um dia necessitar de soluções rápidas para o que, em verdade, é inevitável e natural. O que esperar de quem está proibido de usar uma privada por longo percurso? Não apenas uma sujeira na rua mas também um constrangimento pessoal, um fator de diminuição da potência alheia, uma vez que somos uma espécie que um dia julgou possível administrar seus excrementos, isolá-los, oferecer-lhes destino salutar. Quando criamos dificuldades ao próximo a este ponto, estamos contribuindo também com revoltas que são frutos de mágoas desenvolvidas pelo capital. Ou pela ausência dele, impeditivo que justificou o fato do sujeito não ser cliente do comércio ou não poder utilizar o banheiro público pago quando precisou.

           Citei no tópico outra defesa que talvez gere mais polêmica que a dos banheiros: defendo também a manutenção de motéis públicos, sendo que nestes toleraria a cobrança de R$1 (um real) de taxa simbólica por duas horas de uso. Seria o "motel popular". Justifico a importância pelo fato de que considero fazer sexo algo extremamente relevante para a saúde pública e individual também. Sexo seguro, sem dúvida. No ambiente formatado de pequenos quartos com camas, poderíamos acoplar os banheiros públicos e oferecer camisinha gratuitamente. Uma máquina que vendesse produtos de sex shop seria opcional. O sujeito não poderia dormir ali, algo mais adequado a albergues e abrigos. A ideia seria utilizar o espaço para dar aquelazinha(s) fundamental(s). Logo, não haveria discriminação por sexo, sendo apenas o limite da maioridade estabelecido para o acesso. Nada que adolescentes não conseguissem burlar mas que estabelecesse um regramento mínimo e a oferta do espaço.

           Digo isto porque há uma outra limitação ostensiva (e histórica) colocada nos poucos lugares em que existem banheiros públicos: a de se fazer sexo neles. Por tal, não vejo a manutenção de banheiros dissociada da manutenção de motéis populares em espaços públicos. O público homossexual, por exemplo, tem nos banheiros públicos uma espécie de iniciação ou fixação sexual, cultura decorrente do sexismo moralista que separa os banheiros em masculino ou feminino. Veja bem, não estou dizendo que esta separação determina o sexo de ninguém, longe disso! Mas há fatos interessantes que se impõem pelo costume e ninguém questiona. Ninguém separa o banheiro de casa para uso exclusivo de cada sexo mas, em público, como o mundo heterossexual parece bastante tenso, convencionou-se dividir banheiros dessa forma a pretexto de que homens não abusassem de mulheres. Foi uma festa para os gays e ninguém até hoje julgou que tal medida tenha favorecido o sujeito a se tornar um. O mesmo argumento que é utilizado para combater escolas de gênero único, quartéis e seminários não se aplica a banheiros. 

        Nosso mundo, de fato, é curioso. Depois de reprimir uma violência (no caso, a sexual, de homens sobre mulheres nos banheiros), construímos um metiê para marginalizados sexualmente (os homossexuais) nos mesmos espaços e, depois, como se tudo pudesse ser disciplinado por ordenamentos idealistas de nossos irmãozinhos conservadores, também viramos para os homossexuais e dissemos para eles que não podem fazer isso ali. Sem alternativa. 

          (Não podem, não podem e não podem! Bem, isso no Brasil é o mesmo de dizer que podem daqui a pouco, esperem só eles saírem...)

            Os motéis populares serviriam para desafogar o fascínio exclusivo que banheiros públicos exercem por serem espaços onde destinamos, de forma privilegiada, o direito de nos aliviarmos das tensões fisiológicas proporcionadas pela autorrepressão no tempo e no espaço. Seriam ambientes a mais de diminuição do mal-estar social, individual e coletivo, causado pelo abuso de interdições moralistas e financeiras desnecessárias que só repercutiram até os nossos dias em mágoa, rancor, violência e doença. Muita gente se exibe e explode todos os dias em decorrência de proibições e restrições   estúpidas. Não apenas pelos banheiros, mas também pelos banheiros. Não apenas para se fazer "o que não deve" quando muito se deve. É uma tese que defendo: quem caga, mija e trepa melhor não causa tanto transtorno social. 

        Desculpem-me se ofendi com palavras chulas ou se atrapalhei a refeição dos senhores com tema tão escatológico. É que venho pensando em falar de banheiros públicos e motéis populares não é de hoje. Vivendo uma era de capitalismo financeiro tão sugador e imoral, ao ponto de assistir a TV Globo fazendo proselitismo de figuras tão criminosas e escrotas quanto o Sr. Eike Batista, me senti à vontade para defender o direito de quem precisa viver com uma pele mais bonita sem plásticas que estourem por dentro. O silicone francês está em decadência. Ir ao banheiro e fazer sexo sem constrangimento ou dinheiro podem fazer uma grande revolução. É oferecer pra ver.