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Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
Estudante, professor e agente da História de seu tempo. Deformado pela Universidade Federal Fluminense, pela capacidade de resiliência em torno de causas justas, pela coragem e pela sinceridade. Dinâmico, espiritualista, intuitivo, libertário, imprevisível. A leitura de seus textos é recomendada a quem faz uso de covardias.

sábado, 20 de outubro de 2012

Eleições 2012 em Bocaina de Minas (MG) - Parte 4: A vitória afinal do bom senso

      Em 2011, deixei Bocaina de Minas (MG) para retornar a Niterói (RJ). Em minhas conversas com o Seu Bené (então vereador pelo PT) e sua esposa, a Dona Ruth, entre outros amigos, lembrava da importância de se dividir o grupo do Dito Augusto ao meio. Só haveriam duas formas de ganhar do coronel: uma era ele não poder se candidatar, coisa que nossa justiça, tão lenta e permissiva, poderia não garantir a tempo das eleições de 2012. A segunda era dividir seu grupo no meio. Não seria tarefa fácil se não existisse o descontentamento amplo com o coronel, inclusive dentro de seu grupo político. Logo, devo agradecer a ele pelo sucesso do empreendimento pois, se não fosse tão arrogante e egoísta, não ofereceria as condições necessárias como de fato acabou oferecendo.

      Não bastasse ter destruído todo o serviço público municipal, o filho do coronel, então prefeito por direito mas obediente ao pai, fez o serviço do suicídio político. Deixou de pagar em dia a muitas pessoas vinculadas à prefeitura, humilhou outras tantas e ainda se enrolou nos processos judiciais que foi acumulando até a perseguição policial à sua tentativa de compra de votos na semana anterior às eleições.


       A vice-prefeita Conceição Salgado, que acumulava o cargo de secretária da assistência social, despontou por sua simpatia e dedicação no serviço aos necessitados e no respeito às pessoas enquanto cidadãos, ousando em abril de 2012 a candidatar-se prefeita contra o desejo de seu padrinho político. Com ela, parte considerável do grupo seguiu junto e ainda outra parte considerável, que historicamente votava na oposição tradicional da família Benfica, também apostou na inovação que propunha. O racha de que tanto falava consumou-se, gerando expectativas diversas, uma vez que sua candidatura também era bastante competitiva.


     A justiça, por fim, determinou o destino do coronel Dito Augusto, sentenciando pelo seu impedimento à candidatura e também ameaçando a de seu filho, que, à esta altura, já amargava as consequências impopulares de um mandato repleto de perseguições políticas e escândalos administrativos. O candidato que não era nem de um lado, nem de outro, o Baltasar do Mercado, e que tinha chances pela novidade que até então se apresentava, acabou seduzido pelos recursos do coronel à sua campanha. Deixou-se aliar ao que o povo já rejeitava, atitude que o levaria a amargar a derrota do terceiro lugar nas urnas.


      Gordo era o candidato da oposição tradicional da Família Benfica. Não aceitou ser vice da Conceição nem aceitou o apoio do Dito Augusto, que também lhe foi oferecido. Consigo, manteve o apoio de parte de sua histórica base eleitoral - a parte que não migrou para a Conceição Salgado. 


     Sobre isto, vale ressaltar: quem decidiu votar na Conceição, votou contra o Dito Augusto (portanto, votou na oposição ao Dito, já que a candidata assim se manifestava publicamente). Entretanto não quis votar no Gordo por causa de erros cometidos por seu grupo político à frente do mandato que exerceu na prefeitura entre 2005 e 2008, tempo do ex-prefeito Wilson Taviano. Além de também protestar contra o prometido e não cumprido pelo deputado federal Dimas Fabiano (PP) que, dois anos antes (2010), havia sido eleito com promessas na área de saúde, na criação de emprego e renda, e também pela expectativa quanto à sua presença no processo de condenação judicial do coronel. O deputado "também é 11", como se diz por lá, e integrante da mesma família de oposição tradicional ao Dito Augusto na cidade. Enquanto o Dito Augusto esteve no poder, o deputado procurou afastar-se dos investimentos necessários à cidade e, neste ponto, fica difícil condená-lo porque, de fato, o que repassasse ao município, como sabemos, seria desviado. O que ainda deixou o povo reticente foi porque se credita ao deputado uma grande capacidade de articulação a níveis estadual e federal que, de fato, ele tem e que, por tal, deveria agir sobre os abusos do prefeito. Desejava-se que o deputado criasse suporte para que seus aliados políticos pudessem sobreviver durante o tempo de perseguições e desmandos do prefeito, o que não foi feito. Algumas pessoas tiveram de deixar a cidade por conta disso.


     Diante desses erros, tanto do mandato do ex-prefeito Wilson, quanto do mandato do deputado Dimas, Gordo parecia enfrentar a ameaça real da vitória da Conceição Salgado ou até da vitória, por absoluto medo e covardia da população, do Baltasar. Da Conceição até menos porque o eleitor do centro da cidade - maior colégio eleitoral do município - parece não votar em candidatos a prefeito que sejam da zona rural. Lá  no centro a disputa maior era entre o Baltasar e o Gordo, enquanto no resto do município a disputa maior, confirmada nas urnas, seria entre Gordo e Conceição. 


     O que acabou por determinar a vitória do Gordo foi sua habilidade em tomar as decisões corretas nos momentos adequados. Primeiro, quando não aceitou ser vice da Conceição. Bené foi ao sacrifício, rachando a família e o grupo, que não o atacaram diretamente porque, além da condição de parente, também estavam conscientes do que se pretendia com o racha ao meio do grupo do Dito Augusto. Durante toda a campanha, pudemos observar que tanto os partidários da Conceição quanto os partidários do Gordo ocuparam-se, na maior das vezes, em atacar o Baltasar e o Dito Augusto, respeitando-se mais um ao outro que ao adversário em comum. De fato, interessava à maioria da população pôr fim ao terror mantido pela ditadura e, ganhando um ou outro (tanto o Gordo quanto a Conceição) era certo que tempos melhores se avizinhavam. Isto foi plenamente compreendido pelas campanhas, talvez menos por radicais de cada lado, mas sim por aqueles que viram no racha da Conceição uma manobra política importante, que não foi combinada com ela mas que seria útil à vitória da oposição mesmo tendo o Dito, o Aléssio e o Baltasar a máquina da prefeitura na mão.


    Eu sempre fui um entusiasta da candidatura da Conceição sem o Dito Augusto do lado. Sou amigo dela desde que pude testemunhar seus esforços por respeito à dignidade das pessoas, independente de que lado votou. Isto, para Bocaina, representava o mesmo avanço que o lado do 11 sempre defendeu. Agora, a vice do Aléssio também compartilhava deste pensamento político, mesmo  durante o seu caótico mandato, e isso certamente facilitaria a vida de muitos habitantes, especialmente a dos mais pobres. Ponto positivo para ela que não foi suficiente para se eleger por conta de suas companhias nas eleições. 



     Mas a situação tomou um rumo complicado e eu tive de dar o braço a torcer porque sofri humilhações também das pessoas que acompanhavam a Conceição. Ao ver Paulo Balieiro, Adaucto Junior, Justilino, especialmente estes entre outros que humilharam servidores e populares durante todo o mandato do Aléssio, os eleitores não quiseram saber da conversa educada e agradável da candidata e, como bons mineiros, trataram-na com gentileza mas desconfiaram. Sobre isto, cheguei a conversar com a própria Conceição e com amigos durante sua campanha: preocupava-me e muito a presença dessas pessoas em um governo dela. Era o que mais se ouvia dos eleitores que a respeitavam. Parecia soar como um golpe do próprio Dito arranjado com ela, que preservaria seu grupo e, portanto, seu jeito de governar e, quem sabe, até mesmo, seu poder lá dentro.

       Não apenas o Dito e o Aléssio humilhavam mas também um grupo de fiéis seguidores que conhecemos bem. Estes, muitas das vezes, fizeram pior sob a desculpa de que estavam cumprindo ordens. Entretanto, nós sabemos bem que muitas das vezes não apenas cumpriam ordens como sugeriam artifícios humilhantes ao Dito Augusto e ao Aléssio, manobras judiciais para piorarem a situação dos servidores e da população em geral e ainda curtiam com a cara das pessoas no micro-poder que exerciam sobre elas. Era uma forma de mostrarem serviço. Geralmente os incompetentes precisam disso e os políticos adoram seus puxa-sacos porque só estes justificam qualquer arroubo de vaidade. Na maioria das vezes, se levados tão a sério, os bajuladores podem derrubar seus líderes facilmente.  


      Gordo, ao contrário, seguiu tomando as decisões certas ao longo da campanha. Quando procurado para ser vice da Conceição, recusou consciente da utilidade que seria a candidatura dela para o racha do grupo do Dito. Não ficaria à sua sombra mas também não a atacaria frontalmente, dedicando maiores esforços à oposição ao Baltasar. Quando procurado pelo Dito Augusto para ter seu apoio, seguiu firme e não aceitou. Quando interrogado se manteria determinadas pessoas que fizeram parte do governo do Wilson, também as descartou na hora, lembrando sempre que não era "coração mole" como o Wilson. Aos concursados, deixou claro que faria o possível para regularizar a situação de todos. E passou a caminhar e a visitar cada casa, cada família, corrigindo um erro que teve quando foi candidato a vice derrotado em 2008: ficou mais falante e presente, como gosta o eleitor de Bocaina de Minas. 


     Em cada momento deste, ainda quando pensávamos no que fazer no ano passado, até a vitória eleitoral do Gordo, eu participei um pouco distante da cidade pois esta foi a condição que me restou desde as perseguições políticas incansáveis do Dito Augusto e do Aléssio no meu tempo de servidor concursado vitorioso na justiça. Estava sofrendo cortes drásticos no meu salário com faltas inventadas por eles, após a terceira transferência consecutiva e já na condição de professor da escola de Mauá. Não obstante a vitória do deputado Dimas Fabiano em 2010, continuei na mesma, sem perspectivas de sobrevivência e tive  de recorrer à minha família para que esta me recebesse em sua casa dez anos depois de ter deixado de morar com ela. 


     Desde setembro de 2011, encontro-me de volta à faculdade para conclui-la. Em julho ou agosto, um acidente doméstico com minha mãe impediu-me de ir à Bocaina para participar do que já havia combinado com o Gordo. Hoje ela está melhor e eu acredito que há males que vêm para o bem. Tinha para mim que era importante assegurar a regularização da situação dos concursados, causa maior que me moveria de volta à minha terra querida junto com outros que igualmente foram perseguidos. Esta promessa havia sido feita tanto pela Conceição quanto pelo Gordo, o que me parecia uma situação muito boa para comprometer a todos os companheiros que buscavam o mesmo declarando meu voto. 


      Assim conversei com os concursados, que também optaram pela discrição. É claro que cada um de nós sabe o que sofreu na mão do atual prefeito e também sabe o quanto ainda não temos garantias de que a cultura política das perseguições esteja totalmente superada em Bocaina de Minas. Se o prefeito eleito tem a disposição para fazer um bom mandato e colaborar na superação deste estigma que a tantos já fez sofrer, é possível que ainda pessoas de seu grupo político acreditem e invistam nas mesmas perseguições. Não é à toa que comentários começaram a aparecer desde a minha visita à cidade nas últimas eleições. Estive lá para votar e votei com a mesma convicção em que votei em 2008 e em 2010, ainda morador da cidade, de forma declarada. 


     Como aprendi com esta cultura da perseguição política, na condição de servidor municipal que sou por decisão judicial não respeitada, espero reintegrar-me com os demais que assim o queiram. Considero este ponto uma questão de honra para mim, para as famílias dos demais servidores afastados, para o grupo político do 11 (que fez o concurso mais limpo da história da cidade, que viu seus companheiros serem humilhados pelo atual prefeito, e que colaborou sempre na desgastante luta dos recursos judiciais). É uma questão de honra para a cidade. Se quero voltar e quero colaborar com o que conheço e posso, qualquer serviço ou função a mais tem de ser precedida da regularização dos servidores injustamente perseguidos. Na esfera federal, há caso semelhante que foi resolvido pelo ex-presidente Lula no que se refere a servidores perseguidos, que pediram demissão ou foram demitidos no tempo de Collor. Havendo vontade política e os devidos procedimentos legais, poderemos iniciar uma nova fase para a história de Bocaina de Minas. 


     É o que esperamos do Gordo. É o que esperamos do povo da cidade, que sempre me considerou mas que ainda também confunde amizades com preferências políticas. Nunca deixei de conversar com ninguém por causa de política. Tenho minha opinião, meu voto, minhas próprias ideias. Amigos não precisam necessariamente concordar em tudo nem deixarem de se falar por causa das eleições. Assim, se cheguei no Mirantão e em Santo Antônio conversando com pessoas de lados diferentes, isto em nada influencia no meu direito de voto que é dado lá na urna, à distância de qualquer um. Este é o mais importante. Não fosse isso, muitos que prometeram voto no Baltasar, que encheram a Bocaina de faixas dos adversários, por exemplo, não conseguiriam o direito de exercer sua plena preferência sem perseguições. Em peso, como vimos, votaram quietas. Isto ajuda a mudar significativamente a cultura política do município.                     

                  

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Eleições 2012 em Bocaina de Minas (MG) - Parte 3: Eleger vereadores capazes de defender interesses populares e não apenas o prefeito

       Nesta série de artigos sobre as eleições municipais em Bocaina de Minas (MG), chego ao terceiro tratando de uma questão importante, muitas das vezes menosprezada pelos eleitores: a eleição de vereadores qualificados, corretos, corajosos e justos para fazerem frente aos interesses da população, defendendo ou não os interesses do prefeito, sempre que necessário.

       É da nossa tradição política (e isso não é coisa de Bocaina de Minas, é coisa de Brasil) eleger o amigo, o parente, o aliado do prefeito que escolhemos, o cara das promessas de privilégios para nós e para nossa família, aquele que faz agrados só em época de eleição e esquece de nós o resto do mandato. Achamos que vereador não serve pra nada, a não ser para estes favores pequenos (que de "pequenos" não têm nada, acabam custando bem caro...). Este voto barato (barato para o político, muito barato, mas caro, caríssimo para os eleitores...) faz com que vereadores não se sintam obrigados a consultarem seus eleitores quando vão tomar decisões importantes na Câmara Municipal. Geralmente, eles se sentem comprometidos com quem os financia a campanha, com quem garante o dinheiro para a compra do eleitor. 

      Ocorre que este dinheiro, quando não é de empresas particulares interessadas em privilégios do governo, quando não é de doação de indivíduos com dinheiro (que também têm seus interesses), vem do próprio governo, do dinheiro público desviado de todos os serviços públicos que deveriam funcionar bem, como manda nosso direito, e não funcionam. Quem financia a campanha política do candidato é quem vai mandar no político eleito, o que constitui um duplo desvio, tradicional na política brasileira. O primeiro desvio é o do dinheiro público e do direito para todos que não existiu, virou favor ou privilégio de poucos, para eleger o candidato. O segundo desvio é o da condução das políticas de governo, que ao invés de favorecer o povo como um todo, depois de eleito, passa a favorecer apenas o interesse de um grupo reduzido da cidade. Chamo de "duplo desvio" porque, na verdade, é como uma estrada de mão dupla, onde a estrada é a mesma mas o movimento de carros pode ser contrário. Como se diz na linguagem política, é o famoso "toma lá, dá cá". 

        O problema desta tradição é que a maioria que vota e sustenta, através dos impostos, todos os políticos e serviços públicos, é sempre enganada e roubada. Assim, esta tradição não pode servir a políticos e eleitores comprometidos com a mudança séria que nossa cidade precisa. Olhar bem quem financia cada candidatura, seja para prefeito, seja pra vereador, é passo importante para um voto consciente. Se o prefeito costuma arrecadar mais dinheiro e atenção das pessoas porque terá em suas mãos a máquina da prefeitura, os vereadores aprovarão leis municipais importantes, podendo autorizar ou desautorizar o prefeito quanto a diversas iniciativas. Se não vão ter a caneta que determina a execução do serviço, da obra ou da necessidade pública qual for (coisa que cabe a quem faz parte do Poder Executivo, no caso o prefeito e seus secretários municipais), os vereadores poderão encaminhar ao prefeito pedidos, indicações de necessidades em cada comunidade, e poderão formular leis que deem conta dessas necessidades (por isso os vereadores fazem parte do Poder Legislativo, o que legisla, o que faz leis). 

         Se uma decisão do prefeito desagradar ao povo, for abusiva, por exemplo, os vereadores reunidos em maioria podem derrubá-la. Um prefeito não manda tanto se não tiver com ele o apoio da maioria dos vereadores eleitos pelo povo numa Câmara Municipal. É por isso que ele tenta comprar vereadores com o financiamento de suas campanhas e, depois, com cargos no Poder Executivo para indicações deles (promessas de emprego), com contratos superfaturados ou privilegiados de compra da prefeitura às suas empresas (se estes vereadores forem empresários) ou com dinheiro vivo mesmo, até para que possam saldar outras tantas dívidas contraídas durante a campanha, comprarem casas, terras, carros e outros luxos, dentre tantas e tantas opções de compra do voto e da consciência do vereador.

        Temos candidatos mais pobres que também contam apenas com o dinheiro do fundo partidário e recursos próprios. Estes podem não ter condições agora de bancarem favores caros mas podem ser excelentes políticos, se eleitos. Primeiro, porque não estarão de rabo preso com ninguém que não seja o eleitor. Segundo, porque é injusto derrubar uma excelente oportunidade de renovação só porque o cara não se vendeu agora para comprar seu voto e lhe iludir depois. Outra coisa é se estiver querendo chegar lá pra fazer mais do mesmo, ou seja, por mais que seja pobre hoje, esteja só de olho numa grana futura. Aquele que não dá pra confiar também não vale a pena. Preste bastante atenção nessas possibilidades que envolvem os candidatos sem dinheiro. O primeiro exemplo que dei é positivo mas o segundo exemplo é bastante negativo. Ainda assim, nunca estamos livres da possibilidade da trairagem. 

      Precisamos de vereadores qualificados. Não estou nem falando em honestidade porque isto em política é artigo raro demais pra existir! Estou falando do sujeito que, mesmo diante deste malabarismo que deve fazer para arrecadar recursos, contemplar eleitores que só votam se forem agradados no favor de véspera de eleição, ainda assim, consiga colocar os interesses do povo acima dos interesses mais egoístas. É um desafio e tanto. Se você não encontrar ninguém que apresente este perfil, o perfil do político que tem um desejo enorme de fazer acontecer o que há de melhor para o seu povo, nem que por isso cometa erros e pequenos desvios, não te aconselho em votar em ninguém. Mas eu sei que bons candidatos existem em Bocaina de Minas. Existe gente aí que pode fazer um mandato de vereador surpreendente, diferente daqueles que só votam no que o prefeito quer ou não brigam por nenhum projeto, por nenhuma assistência ao seu povo. Sei que tem candidatos aí que são a renovação que esperamos, combinada com uma instrução mínima que faça o sujeito conseguir ler, interpretar leis e documentos em geral. Candidatos que ouçam o povo antes de tomar decisões importantes e votar na Câmara! Enfim, que possam dar trabalho ao prefeito quando tiverem de dar mas que saibam também apoiá-lo, independentemente de partido ou lado político pelo qual foram eleitos,  quando a questão for de interesse público, melhor para o município e obrigatória perante as leis do país.

        Por que estou dizendo isso? Não é preconceito com quem não estudou. É a consciência de que esta tarefa - a tarefa do mandato eletivo - exige, no mínimo, uma capacidade de leitura, de interpretação, de autonomia perante pessoas mais esclarecidas. Se não, o sujeito, por mais bem intencionado que seja, vai ser manipulado por outro. Já vi muito advogado, por exemplo, mandando em político. Já vi muito assessor um pouquinho mais estudado puxando saco, agradando o político, ganhando sua confiança, e o traindo sistematicamente nos papéis, nos documentos, na informação sobre o proceder de cada coisa, na assessoria necessária do cotidiano. Se o político não for minimamente esperto ao ponto de discernir o que pode ou não pode apoiar, o que deve ou não deve fazer, ele se afunda sem saber. E o povo, bem... o povo se estrepa de vez! O cara pode não roubar mas vão roubar por ele e o povo vai continuar sem nada, ainda que veja o mais cristão dos políticos na sua frente, tentando se desculpar o tempo todo.

         É por isso também que escrevi nos outros artigos e volto a insistir: alianças com pessoas inescrupulosas agora, aquelas que nós conhecemos muito bem do que são capazes porque nunca deixaram de estar bem colocadas no poder, aquelas que fatalmente serão secretários municipais ou assessores importantes, que não estão financiando ou apoiando à toa (e que não serão simples funcionários mas sim aqueles de cargos de confiança...), podem indicar para o eleitor, desde agora, o que será o mandato do político. Não pense o eleitor que um prefeito ou um vereador toma atitude alguma sem ser devidamente aconselhado ou orientado por pessoas de sua confiança, de seu grupo político, que estarão lá com poder suficiente para agilizarem a vida das pessoas  ou para atrasarem o quanto puderem. 

       Isso tem que ser levado em conta sim agora, no momento mais importante, o momento do voto. Por que pessoas poderosas lhe imploram, neste momento sagrado, o seu voto? É porque ele tem importância. Não apenas para elegê-las (usufruindo, obviamente, de todas as vantagens e ilusões do poder temporário) mas para também protegê-las em problemas com a justiça. Saiba o eleitor que os promotores e juízes dão muito peso à decisão da maioria dos eleitores na hora de julgar uma cassação, por exemplo. Por diversas vezes, ouvi das autoridades da justiça que o peso da vontade popular era enorme na hora de decidir pela punição ou absolvição de um político. Debati muito esse conceito de democracia que os magistrados fazem e acredito, como você, que o dinheiro ainda fale mais alto. Só que o dinheiro é dinheiro público e o sujeito costuma arrumá-lo no poder. E o poder quem dá é o povo. 

        Então, na hora de votar, considere a história, o presente, as alianças, quem financia e quem apoia, as propostas, se tem moral pra defendê-las ou não, se o candidato tem um mínimo de instrução para não ser manipulado, e, muito importante, se tem coragem e disposição para fazer o que a nossa cidade precisa, que é direito de todos e não favor, independente de lado político. Quanto aos vereadores, garanto pra você, temos opções boas disponíveis aí, muito além se estão ou não arrumando cestas básicas agora. Quanto ao prefeito, diante do filtro que eu coloquei até agora, acredito que só tenha um. Com todo o respeito às opções que se apresentam pela oposição atual, cientes os eleitores de que não voto em quem seja indicado pelo Dito Augusto, espero chegar em Bocaina a tempo para deixar claro o meu voto a quem é digno dele.                                    

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Eleições em Bocaina de Minas (MG) - Parte 2: projetos importantes para a cidade

       Continuando a série de artigos sobre as eleições municipais de 2012 em Bocaina de Minas (MG), cidade a qual sou apaixonado mas não resido atualmente, tentarei neste artigo expor alguns dos projetos que, acredito, serão de fundamental importância para o projeto de mudança significativa da cidade a partir de uma gestão que se comprometa mais com a qualidade de vida na pequena cidade  que com perseguições políticas ou desvios de verba pública para enriquecer meia-dúzia. 


         No primeiro artigo, mencionei a importância da profissionalização do serviço público em substituição ao modelo tradicional de contratações temporárias por voto de cabresto e/ou nascimento na cidade. Defendi a ideia de que mais concursos públicos limpos sejam feitos, principalmente para áreas que exijam a qualificação máxima dos serviços que deverão ser oferecidos à população. Defendi que estes servidores, por gozarem de maior estabilidade e plano de carreira decente (a ser criado também), poderão colaborar com dedicação muito maior e ainda criarão uma cultura de formação de novos servidores a partir do tempo de experiência na função. Ao mesmo tempo, ressaltei que estabilidade no serviço público é necessária para proteger o servidor de ameaças políticas, não para mantê-lo impune em casos de conduta incompatível com as responsabilidades de sua função. 


        Deixei claro que não adianta nada garantir empregos a pessoas nascidas em Bocaina, discriminando as pessoas "de fora",  se o profissional que desempenhar tal função não for o melhor para tal, se não conhecer do que faz, comprometendo a qualidade do serviço a ser prestado A TODOS OS CIDADÃOS. Se queremos mudar, temos de FORMAR melhor cada cidadão de Bocaina para que este tenha condições de assumir cargos em pé de igualdade com quem tenha qualificação necessária, seja nascido onde for. Só assim vidas serão preservadas na área da saúde, jovens terão ensino de qualidade, servidores administrativos poderão contribuir com ideias para acelerar e produzir documentos necessários ao cotidiano e às novidades que deverão ser trazidas, em termos de projetos e patrocínios, à cidade.


        É fundamental tocar nestas questões que envolvem uma tradição da nossa mentalidade política. Se o município não consegue avançar, se os piores políticos acabam sendo eleitos, é porque esta mentalidade política tradicional do jeitinho, do privilégio e da perseguição política a adversários, que nega à maioria o direito e concede apenas a aliados o favor, como se dono da prefeitura fosse o prefeito eleito, só nos têm levado a atrasos e dores, a dificuldades reais que expulsam os filhos da terra por falta de opção de sobrevivência. Isto tem que mudar e tem que ser cobrada esta mudança de todos os candidatos. Depois, a mesma coisa dos eleitos.


        Há vontade de mudar. Esta mudança não será apenas de comando, de nomes, mas de forma de administrar a cidade. Sejam os eleitos quem forem, deverão ter esse compromisso, essa cobrança insistente por parte do cidadão comum. Uma cobrança em torno da profissionalização do serviço público, de projetos e investimentos que gerem emprego e renda fora da prefeitura (pois nela nunca vai caber todo mundo que tem promessa de cargo público), de mudanças que sirvam a TODOS OS CIDADÃOS e não apenas a aliados políticos ou a nascidos na cidade. 


       É preciso oferecer a chance aos filhos e apaixonados por Bocaina de Minas, os que nos deixaram e os que ainda nos deixarão em busca de oportunidades de formação e trabalho nas cidades grandes, de voltarem ou nem irem, se assim quiserem, pois nas cidades grandes diversos outros problemas existem e afetam a qualidade de vida das pessoas. Estas vivem em grandes concentrações populacionais, stress contínuo, violência urbana ascendente, e, muitas das vezes, desejariam viver na pequena cidade em que nasceram e foram criados, naquela em que escolheram pra viver. Morrem de saudades de seus parentes e amigos. Sabem, porém, que a política municipal é a principal responsável pelo que falta à cidade, pelas perseguições que sofreram, pela decisão dolorida do afastamento.


        Neste sentido, a gestão que mudaria de fato a cidade precisaria construir a melhor escola pública possível, a oportunidade do ensino técnico e profissionalizante, até mesmo a formação superior que fosse possível (já experimentamos o ensino à distância, por exemplo). Temos de construir um teatro, um cinema, pelo menos no centro, e um espaço cultural em cada comunidade. A formação cultural passa pela escola mas é complementada por equipamentos culturais públicos capazes de oferecerem peças de teatro, espetáculos musicais, filmes nas telonas, exposições, todo tipo de arte possível. Não apenas expor, apresentar, garantir espaço à arte e aos artistas que já existem, mas também formar nossa própria arte e nossos próprios artistas, que precisam receber bem algum subsídio para serem respeitados enquanto profissionais. Isto seria gerar emprego e renda também, colaborando, ao mesmo tempo, com as reflexões que precisamos fazer a respeito da política e das relações humanas em geral. Seria construir a possibilidade de lazer e de cultura que tanto sentimos falta. Quantos não reclamam de que falta opção de lazer, cultura e diversão na cidade?


        Eu sei que parece absurdo, utópico, impossível mas não é não. Uma boa gestão municipal saberia que o governo federal, o governo estadual, órgãos internacionais e empresas privadas patrocinam iniciativas deste tipo onde elas não existem. Para tanto, a prefeitura poderia fazer contatos, escrever projetos, intermediar apoio oficial, ter vontade política de atrair o investimento para tal. Basta querer fazer, reunir e pagar bem aos profissionais que sabem fazer, assegurar estrutura a estes profissionais. Tenho certeza que, em pouco tempo, estes gerariam uma programação cultural na cidade que chamaria a atenção da população e de turistas, outro segmento que injetaria mais recursos e que já se configura vocação econômica do município, ainda que sem a organização e o planejamento necessários. 


        O mesmo pode ser alcançado na área de esportes. Observamos que nosso povo gosta muito de futebol. Sempre há uma correria dos times de cada comunidade atrás de alguma ajuda dos políticos para uniformes, bola, rede, reforma de campo, troféus, medalhas e festas de final dos campeonatos. As comunidades se organizam, fazem bolões, têm as pessoas que são referências na organização dos campeonatos. Por que não ter uma política que garanta - sem a necessidade de implorar por favor, mas sim já o tenha por direito - um orçamento próprio para estas iniciativas? Elas poderiam ser ampliadas para outras modalidades esportivas. Temos três quadras poliesportivas (Bocaina-Centro, Santo Antônio e Mirantão) construídas no mandato do Wilson Taviano e abandonadas pelo Aléssio. Elas só precisam de manutenção, um professor de educação física disponível em cada uma delas e os materiais necessários. 


       Qual é a dificuldade de promover isso? Só o roubo e a necessidade de manter as pessoas no favor do empreguismo, no inchaço de gente ganhando sem fazer nada ou sem saber fazer nada, mas ganhando um qualquer enquanto não são substituídas por outras dentro da prefeitura, de acordo com o interesse do prefeito na ocasião. Enquanto as pessoas disputam quem vai levar um tanto para si e para sua família, sabotam o trabalho das outras e tentam puxar saco do prefeito, fazer o que ele quer, para serem privilegiadas ou não serem demitidas, SÓ PERDEM achando que estão ou estarão ganhando. Assim, sempre são enganadas num momento ou no outro, ficam sem a cultura, o esporte, o posto de saúde, a escola e o emprego. E viram de lado, na esperança de que, com o outro lado político, voltarão a gozar de algum pedaço do bolo. São enganadas mais uma vez e quem enriquece e permanece no poder fazendo que quer é o político. Nossa, como somos malandros, não? Os malandros mais otários do mundo.


         Na área de preservação ambiental, temos ONGs e proprietários conscientes de um lado e proprietários que odeiam ambientalistas, o IBAMA e qualquer mudança na sua propriedade. Mesmo aquela mudança que lhe dará mais dinheiro!!! Como a prefeitura não faz nada nessa área, só faz coro à manutenção do pouco gado em grandes extensões de terra desmatadas, mal informa ou busca recursos que PATROCINAM quem preserva o meio ambiente. É claro que o proprietário não vai gostar de ter que preservar sua terra, perder o direito de desmatar para explorar o gado ou a madeira, sem receber nada em troca. Também não aceitaria isso. Agora, se tem a opção de receber MAIS do que lhe rendem o largo pasto para o gado e a madeira retirada sem manejo sustentável, por que não optaria? O que falta, neste caso, é informação e apoio estrutural de uma boa equipe de técnicos (mais uma vez, de pessoas que saibam fazer no serviço público) para buscar essas informações e repassá-las, intermediando oficialmente patrocínios, recursos e verbas específicas para o pequeno produtor rural. Em nosso município, TEMOS PESSOAS CAPACITADAS para esta tarefa. É só querer vencer preconceitos e promover a mudança. Mais uma vez, o que impediu até hoje qualquer iniciativa BOA nesta área foi a AUSÊNCIA de uma prefeitura afim, certamente movida pela mentalidade do povo quanto a pessoas "de fora" empregadas na prefeitura. Se forem boas pra nós, por que não deixá-las trabalhar??? Pra perder achando que tá ganhando? Pra continuar na mão do político e, sem alternativa, ter de deixar a cidade e ser um "de fora" na cidade grande? 


      Se bem que a cidade grande não tem problema com quem é "de fora"... se tivesse, Resende, Aparecida e São José dos Campos já teriam expulsado diversos mineiros. Em verdade, os mineiros são tratados por lá de forma igual aos nascidos, com os mesmos benefícios, as mesmas possibilidades e as mesmas dificuldades. É assim que deve ser. Somos todos irmãos (como dizem os cristãos), brasileiros (afinal estamos migrando dentro do mesmo país), seres humanos (acima de tudo, com direito à dignidade em qualquer lugar do mundo). Temos gente boa e gente ruim nascendo e morrendo todos os dias em qualquer lugar do mundo.


        Voltemos então aos nossos projetos. Se as estradas são importantíssimas para locomoção de pessoas, do leite, do queijo, do turismo, da truta, de tantas coisas importantes, elas têm que ser mantidas a qualquer custo. As estradas principais que interligam as pontas de acesso ao município e as comunidades têm que ser todas ASFALTADAS. Estou me referindo à ligação Mauá-Mirantão-Santo Antônio-trevo de Bocaina (que já conta com a estrada asfaltada até Liberdade), à estrada  Resende-Bocaina e à estrada Santo Antônio- Alagoa também. Para que outras áreas - como as de acesso a cachoeiras - continuem preservadas de forma rústica, mantendo o charme das belezas naturais, os acessos às comunidades não podem ficar por muito tempo sacrificando a população em virtude de chuvas corriqueiras, sobretudo no verão inteiro. Mantém-se a estrada de barro na maior parte, asfaltam-se apenas os acessos entre povoados. Este é um projeto para gestões consecutivas, não para apenas uma gestão de 4 anos. A primeira tem que priorizar a captação de recursos e o começo da grande obra. Os trechos internos que ligariam a estradas já asfaltadas (como a de Mauá e a de Liberdade) já promoveriam grandes mudanças. Empregos durante as obras, empregos a mais e redução de custos às atividades econômicas agropecuárias, empregos e injeção de recursos pelo fluxo turístico em todas as atividades. Isto é possível. Além de reduzir o número de mortes ou complicações de saúde por pessoas que, acidentadas ou doentes, tiveram dificuldades de serem transportadas até o atendimento médico necessário.


       Antes mesmo do asfaltamento, ainda com as estradas que temos, a manutenção deve ocorrer ao mesmo tempo que seja assegurado pela prefeitura ônibus gratuitos e/ou baratos, em perfeito estado de conservação, para o transporte público das pessoas entre os povoados, o Centro da cidade e, se possível, Aiuruoca passando por Liberdade. Por que estas duas cidades? Porque nelas estão advogados, delegacia de polícia, fórum e hospital de modalidades  complexas mais próximos. Nosso povo tem que ter acesso a isto sem precisar recorrer a caronas, obviamente muito bem-vindas e expressão de gentileza a qual somos muito gratos, mas que não suprem as necessidades dos mais pobres no cotidiano das necessidades. Atualmente, utilizamos caronas em veículos públicos não destinados a isto, em veículos particulares ou, simplesmente, temos de esperar as próximas eleições para que os políticos disponibilizem, em apenas um mês antes das eleições, a gentileza de vários carros à disposição para o favor-agrado do eleitor. Nos outros 2 anos seguintes, estes carros somem e só reaparecem quando interessa aos candidatos. Transporte público não pode ser moeda de barganha eleitoral ou favor eterno e exclusivo, mesmo de particulares gentis. Tem que ser oferecido permanentemente e ter o compromisso de chegar ao destino no horário de outro que faça trajeto dali em diante, como o caso do ônibus da empresa Transmatur, que faz transporte de Bocaina até Resende mas que sai e retorna apenas uma vez por dia, levando o morador da área rural a perdê-lo se não encontrar carona a tempo.


        Continuarei tratando dos projetos de mudança para Bocaina de Minas nos próximos artigos. Em tempo oportuno, identificarei claramente meu apoio a candidatos que se comprometerem minimamente com estas propostas e tiverem trajetória política e alianças atuais condizentes com esta forma de governar. Vamos juntos superar nossos problemas e construir a Bocaina que tanto precisamos. Para tanto, é preciso ter projeto, passado e presente à altura, profissionalizar o serviço público, formar mais pessoas capacitadas, buscar onde puder os recursos e os apoios, derrubar esta tragédia política que nos governa há tantos anos na base da ganância e da humilhação. Abraço pra todos!                          


               


           


                  

sábado, 21 de julho de 2012

Eleições 2012 em Bocaina de Minas (MG) - uma análise sincera

      Estamos a poucos meses das eleições municipais de 2012. Em Bocaina de Minas (MG), isto significa o principal assunto de todas as rodas de conversa em qualquer lugar do município. Existem os que ficam "em cima do muro" por temerem as perseguições políticas do eleito. A maioria, entretanto, se posiciona, declarando abertamente seu voto. Quando participei da minha primeira eleição como eleitor de lá, a de 2008, era servidor municipal concursado. Fui avisado das consequências mas não pude me conter diante da promessa feita pelo então candidato Aléssio/Dito Augusto a cada eleitor em sua casa: "eu vou chutar esses concursados escada abaixo da prefeitura. Vou te dar um emprego, pra você e pra cada um da sua família (anotando num caderninho), com salário tal." Votei contra ele, obviamente, e assim continuarei na minha postura em 2012. 

      Antes de definir meu voto, tenho a clareza de que não apoiei, não apoio e nem apoiarei o Sr. Dito Augusto, o Sr. Aléssio e qualquer candidato que seja indicado por ele, esteja coligado na chapa com seu partido, tenha ele por trás de um mandato sob o perigo de vê-lo mandando na prefeitura. O próximo mandato precisa ser melhor do que esta tragédia que vivenciamos desde 2009. 

        Posicionei-me politicamente contra o Dito Augusto a partir daquela iniciativa de prometer expulsar os concursados ainda na campanha eleitoral de 2008. Aquilo me enfureceu. Sabia de perto dos méritos e dos defeitos da gestão do prefeito Wilson Taviano. Um dos seus maiores méritos foi justamente ter realizado o primeiro e único concurso público limpo da história daquele município, o qual me deu a oportunidade de trabalhar com relativa segurança numa perspectiva futura. Outro foi ter equipado as escolas com a melhor merenda possível, o melhor corpo de professores, ônibus escolares novos. Ao final de sua gestão, mandou pagar uma gratificação aos professores com os recursos que haviam sobrado (!!!) do FUNDEB (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica)! Construiu dois telecentros digitais para que a população tivesse acesso a cursos de informática e à internet de graça. Participei de perto da construção do telecentro de Santo Antônio do Rio Grande, onde organizei a recepção dos equipamentos e a inscrição de alunos. Daria aulas nele. O projeto foi abandonado pela atual gestão, que não calçou nada, não manteve o projeto dos telecentros, destituiu a escola dos investimentos que tinha, só fez perseguições políticas e desvios.

         Como não ser contra um candidato cujo pai era quem dizia governar a cidade em seu lugar? O pai do prefeito já havia sido prefeito outras vezes, cassado pelos mesmos erros, e que agora (2008) deixava claro que iria fazer tudo igual mais uma vez. Dito e feito, fez. Levou a cidade à pior condição que já teve. Gastou tudo e mais um pouco numa disputa judicial insana com 40 famílias que dependiam de seus cargos enquanto concursados do município. E perdeu, sem aceitar a perda por um bom tempo, em todos os recursos.

       A comparação com a gestão do Wilson Taviano (2005-2008) é inevitável. Ele pegou a prefeitura em 2005 das mãos do próprio Dito Augusto (2 mandatos: 1997-2000 e 2001-2004). Este, apesar de cassado em 2004, governava a cidade através do seu aliado e presidente da Câmara de então, o Amarildo Dinis. Tentou a segunda reeleição consecutiva e o TRE-MG concedeu o registro, apesar da flagrante irregularidade! O Brasil só permite 1 reeleição consecutiva mas o TRE-MG deixou passar essa. Ganhou a eleição de 2004 mas não pôde tomar posse porque nossa Justiça Eleitoral só percebeu e corrigiu a ilegalidade de sua candidatura em 2005, promovendo novas eleições na cidade. Em 2005, não podendo ser candidato, lançou Paulo Balieiro (que viria a ser o assessor de seu filho Aléssio - ou dele mesmo - na atual gestão que se iniciou em 2009 e termina, graças a Deus, em dezembro de 2012). 

      O coronel Dito Augusto, através do seu candidato, perdeu em 2005 para a oposição, que herdou uma prefeitura mergulhada em dívidas e com equipamentos destruídos. Wilson Taviano governou a cidade assim, arrumando a casa, entre 2005 e 2007, só podendo fazer grandes investimentos no final de seu mandato (2008). Foi duramente criticado por isso. Associaram os investimentos feitos a uma política eleitoreira, já que em 2008 sairia candidato à reeleição. Não compreenderam a política de austeridade implementada pelo Wilson porque não compreendem como funciona a dinâmica de repasses federais e estaduais que sustentam o pequeno município rural sem impostos próprios. Em Bocaina de Minas, apenas quem mora ou tem estabelecimento comercial no Centro da cidade ou na região turística de Maringá paga IPTU e/ou ISS. 90% do município não pagam nada de impostos municipais diretamente. Apenas ITR, que é um imposto territorial rural pago ao governo federal, e os impostos federais e estaduais embutidos nos preços de tudo o que compram. Assim, qualquer repasse federal ou estadual (únicas fontes de verba com que a prefeitura pode contar para promover tudo) está sempre condicionado ao pagamento em dia de dívidas ou, ao menos, à documentação em dia (prestação de contas adequada) de tudo que o município recebe do Governo do Estado de Minas Gerais e do Governo Federal, em Brasília. 

         Dito Augusto e o seu filho Aléssio sempre preferiram gastar livremente sem prestar contas adequadamente. No mandato do Wilson Taviano, eu posso falar porque acompanhei de dentro da prefeitura enquanto servidor da área administrativa, toda a documentação necessária era feita corretamente. Quando a gestão não justifica os gastos públicos naquilo que a lei determina às prefeituras (educação, saúde, urbanização, coleta de lixo, despesas com pessoal etc.), os repasses federais e estaduais diminuem até um mínimo compreendido pela lei como básico para o município não falir completamente. Nenhuma verba a mais pode ser solicitada para projetos específicos. Assim, quem ocupa as secretarias municipais de turismo, meio ambiente, educação, saúde, dentre outras, fica sem poder implementar nada que não seja o básico do  cotidiano. Fica completamente paralisado. O povo passa a sentir que os serviços públicos não funcionam, estão sendo abandonados e destruídos.

         A política não é sinônimo de corrupção e roubalheira. Estas práticas são práticas de quem não pode ter poder e acaba tendo porque, de certa maneira, somos nós os eleitores que desejamos que ela assim aconteça. Sei que há uma série de fatores colocados na vida de cada um de nós que nos leva a apoiar ou a rejeitar um candidato a cargo público. Existem o fator amizade, o fator parentesco, o fator privilégio pessoal ou para minha família. Só depois, lá atrás, vem, se puder passar pelo filtro anterior, o fator compromisso coletivo com a cidade. Este é um erro fundamental. O compromisso coletivo com a cidade é que deve ser o fator principal, filtro maior de todos os demais filtros, na escolha dos rumos que queremos. Não há privilégio pessoal para cada um dos eleitores que caiba no orçamento da prefeitura. Isto sempre será promessa furada, mentira deslavada, causa de decepções eternas e repetidas. Ou o nosso povo aprende ou vai se ferrar sempre nas mãos dos oportunistas de plantão, aqueles que conhecem bem e manipulam estes interesses mesquinhos. Até quando viveremos de ilusões que se transformam rapidamente em frustrações? Já era hora de aprendermos que estamos perdendo mais do que ganhando quando vendemos tão barato o nosso voto.

          O compromisso coletivo com a cidade inclui a profissionalização máxima do serviço público. Para que possamos TODOS NÓS desfrutarmos dos benefícios que podem e devem ser oferecidos pelos serviços públicos, temos que ter a consciência de que os serviços públicos são um direito de todos os seres humanos, nascidos ou não na cidade  onde estejamos reivindicando. Devem ser oferecidos por quem ENTENDE do que esteja fazendo e não por quem votou no político A ou B e nasceu na comunidade. Dessa maneira, temos que valorizar e reconhecer os profissionais de verdade em cada área, não importando sua posição política nas eleições ou se nasceu em Bocaina de Minas ou não. De que adianta um nascido em Bocaina servir como médico ou professor, como pedreiro ou profissional da área administrativa, como advogado ou mecânico, se não consegue ou não sabe fazer estes serviços direito????  Quem será prejudicado? TODOS OS CIDADÃOS que precisarem deste serviço público, que o sustentarem para isso através dos impostos, que forem expostos num momento de necessidade muitas vezes crucial para suas próprias vidas.

      Nunca é demais lembrar dos médicos que não eram médicos... pessoas de branco com carimbo de médico de outro estado, gente morrendo por falta de hospital ou socorro adequado... tantas e tantas barbaridades que vivenciamos juntos, os dramas, as mortes, as condenações em vida. Ou então dos bons professores, dos enfermeiros competentes, dos motoristas que sabiam dirigir com responsabilidade, etc., que foram perdendo seus empregos e substituídos por outros, que também não duravam tanto porque o prefeito achava que deveriam agora perder o que ganharam para iludir outro otário, e mais outro, e mais outro? É do conhecimento geral que seu costume era tirar de um para pagar o devido ao outro, sempre sujeitando os ambientes de trabalho a um mal-estar brutal. 

      A profissionalização do serviço público requer concursos públicos períodicos para que o servidor tenha a clareza de sua estabilidade e da perspectiva de vida que possa usufruir a partir daquele serviço prestado. A insegurança quanto ao dia de amanhã, se vai continuar prestando o serviço ou não por conta de perseguições políticas de autoridades mal intencionadas, faz com que nenhum profissional sério se motive a prestar o melhor de si à comunidade. A lógica da iniciativa privada não pode dar certo, não é a melhor para o serviço público nem pra sociedade, como muitas vezes denuncio e testemunho acontecer no Rio de Janeiro. Por outro lado, estabilidade não é impunidade. O mau profissional deve ser julgado por suas atitudes profissionais e afastado a bem do serviço público. Ninguém que seja concursado deve ser afastado, transferido ou maltratado de suas funções por questões políticas. O governante do momento tem que entender que precisa negociar sempre, tratar o funcionalismo com respeito e consideração, pois só assim este será o seu principal aliado nas políticas que deseja implementar frente às necessidades da população. Por isso, tem que haver plano de carreira decente para cada categoria profissional. Isto motiva o servidor, cria uma estrutura de conhecimento sobre a função desempenhada, promove saudavelmente a troca de informações importantes até mesmo para os contratados novos. Assim, quem chega no serviço não começa do zero mas de uma estrutura que o concursado, por tempo de serviço na função e experiência acumulada, pode proporcionar.

         Com estas ponderações, corrigindo injustiças da mentalidade política tradicional de Bocaina, acredito que a cidade como um todo melhorará e muito. Tem potencial pra isso. Tem uma natureza privilegiada e um povo maravilhoso, que só precisa entender que onde, às vezes, pensa que está ganhando, acaba mesmo perdendo. Não tem por que razão insistir na falsa ideia de que o direito é um favor a ser concedido pelo político eleito apenas a quem votou nele. Isto cria dificuldades desnecessárias para todo mundo. O direito é uma obrigação, um compromisso do político e dos servidores públicos, para com todos os que precisam e a ele recorrem. É para isso que servem a política, o governo, as instituições públicas. Se todos votam e todos sustentam a prefeitura, ela tem de servir ao povo e não à meia-dúzia que enriquece o suficiente para não conseguir gastar em vida enquanto a maioria fica implorando favores na pobreza. Para mudar, você tem que conhecer bem como funciona a prefeitura e avaliar a trajetória, as alianças, o compromisso que cada um dos pretendentes às eleições de outubro tem com o coletivo, com a cidade, com os serviços públicos que nos servirão nos próximos anos.

      Quem ganhar, por exemplo, vai ter de desenvolver uma política de geração de empregos fora da prefeitura. Esta não pode carregar todo mundo nas costas, na própria folha de pagamentos, mas tem a obrigação de estimular e buscar alternativas de emprego na formação e/ou parceria com  cooperativas, ONGs, empresas privadas, etc. Vai ter de capacitar pessoal para as profissões que precisam ser alimentadas, que constituem vocação do município. Isto a prefeitura pode buscar de fora, promover, articular, fazer acontecer. Ela tem que parar de exportar jovens para Resende, São José dos Campos e Aparecida. Tem que oferecer atividades culturais na cidade, esportes, formação profissional, festas e políticas voltadas para este segmento nas comunidades.   

      E mais: a população terá que cobrar do eleito postura firme durante os 4 anos de seu mandato. Não é só votar e acabou: tem que cobrar, reclamar, reivindicar, negociar. Exigir a profissionalização e a qualidade do serviço público. Exigir transparência, direito à participação popular nos rumos de governo. Sabemos nós o quanto o poder é perigoso, o quanto ilude quem é seduzido por ele, ainda que consciente de que é temporário. Não cabe a nós lamentar, ter medo, achar que sempre foi assim e não tem jeito. Jeito tem sim desde que não sejam os mesmos a gozarem do poder, agindo como bem entendem, impondo medo ao povo quando a relação deve ser o contrário: a de respeito máximo pelas diferenças e por quem sustenta o poder público de uma maneira geral e igualitária. Temos de dizer em alto e bom tom que não temos medo de perder o direito à saúde, aos medicamentos, ao bolsa-família, dentre outros benefícios, porque estes não são favores a quem votou no eleito mas sim direitos de todos, dever dos governantes.    

     

                  

domingo, 24 de junho de 2012

Identidades de gênero na pós-modernidade: aprimoramento, resistência e colapso



          O direito à experimentação sexual tem sido uma necessidade histórica da humanidade que, nos anos 60, alçou forte insurgência cultural, sendo as décadas seguintes de aprimoramento, resistência e colapso. É o que tento problematizar neste ensaio.


         A concepção cristã sustenta há dois mil anos forte condenação ao prazer sexual. Faz uma opção política pelo enfraquecimento emocional dos indivíduos  que dela assimilam culpa ou erro. É uma boa serviçal dos poderosos na História. Seu objetivo é fragilizar para dominar com êxito. Sabem os que buscam o poder sobre a humanidade que detê-la por força física nem sempre foi tarefa exitosa, o que leva ao complemento ideológico. Convencer-se da necessidade de se reprimir é mais útil e eficaz que reprimir forçosamente a quem não se convence da necessidade de uma ordem. Resta saber a quê ou a quem serve a ordem. Se não à maioria, se não às vítimas de seus caprichos, se não a qualquer um dos indivíduos em sociedade, ela não pode ser continuada. Não continuar é resistir com coragem e sinceridade; é negar-se a elaborações relativistas que só fortalecem a ordem por omissão ou conivência por fraqueza. 


         Assim, vimos parcela da humanidade ocidental - esta de formação cristã e capitalista - insurgir-se contra seus pilares culturais básicos nos anos 60. Contra a ordem do matrimônio até que a morte o separe, vimos a insurgência do amor livre. Contra a ordem heteronormativa, vimos ascender a visibilidade, a tolerância e o respeito às mulheres, aos homossexuais e aos bissexuais. Contra a ideia de família que se estrutura e se preserva unica e exclusivamente por laços consanguíneos, vimos o levante de que todo ser humano pode se associar e se reconhecer enquanto família. Contra o domínio do espaço privado para se satisfazer sexualmente, sempre restritivo e sufocador da realidade, vimos insurgir-se a necessidade do prazer em qualquer lugar, da demanda pela sinceridade do que  afeta. 


       O espaço público ganhou cores e riqueza de possibilidades com as demonstrações públicas de afeto das mulheres solteiras, sendo mães ou não, das divorciadas, daquelas que só se satisfaziam com a variedade de parceiros, ainda que não se prostituíssem como as milenares profissionais. A mulher conquista a liberdade sexual e, com esta, a disposição necessária para subverter a condição de dominada por um homem que tudo podia desde que não fosse em público. Quero dizer, por um homem que, ainda que no comando do sistema, cheio de paranoias e bloqueios mentais. 


          Os passos tomados pelas gerações seguintes aos anos 60 foram no sentido do aprimoramento e da universalização destas conquistas. Afinal, elas ainda eram uma conquista de vanguarda, de uma minoria corajosa e revolucionária, que foi capaz de trazer o tema ao debate e à prática, arriscando sua própria pele e relações interpessoais. Veja que ainda não toquei nas resistências cristãs nem na apropriação capitalista do fenômeno social! A disposição desta minoria de enfrentar o "status quo" sempre foi enorme por conta de um segredo que se revela por trás dos interesses moralistas religiosos em condenar liberdades sexuais: justamente por conhecer da capacidade humana em se superar, em criar e resistir, em se subverter de toda e qualquer dificuldade imposta, que a gente limitada ao poder material busca incessantemente o domínio do espírito do outro. Neste ponto, o conhecimento da História, sobretudo sobre o que experimentamos enquanto espécie antes da  hegemonia do cristianismo e do capitalismo, nos oferece fundamentos libertadores do espírito. 


         Quem se realiza sexualmente, reverbera potencialidades edificantes. Quem não se realiza, reverbera angústias e injustiças. Se conhecermos bem das leis da espiritualidade, presentes em todos os manuais religiosos porém manipulados pelos sacerdotes em busca de seus respectivos interesses materiais, veremos que a condenação às liberdades sexuais serve a certa doutrinação do espírito revolucionário que carregamos dentro de nós. A revolução que significa estar feliz, entendendo felicidade sempre como busca incessante do espírito, concretizada em espaços de tempo e circunstâncias definidas, faz do sujeito um ser indomável por quem objetiva seu controle material. Em outro aspecto diretamente relacionado, faz do mesmo sujeito um ser capaz de realizar o que deseja espiritualmente no plano material. Ao contrário deste, o deprimido, o resignado e o manipulador, céticos da possibilidade de mudança pelo afeto, são seres domáveis por outrem que criam diversas dificuldades à saúde da coexistência humana sem realizarem seus desejos mesquinhos com sucesso. Correm atrás eternamente de uma renovação pelo consumismo da energia alheia, como vampiros, mantendo-se constantemente mal. 


        Uma característica comum aos seres deprimidos, resignados e manipuladores do interesse material é a previsibilidade de seus passos. O intuito do sistema do mal-estar profundo (este que só gosta de Cristo morto na cruz e do dinheiro como único e verdadeiro Deus) é condicionar todos os seres, mapeá-los, vigiá-los e sufocá-los ao máximo. Reduzir a existência espiritual das coisas existentes à condenação simplista dos falsos moralismos ou à condição limitada de significados, que é a condição de mercadoria capitalista, onde tudo só pode ter valor se o valor for o da representação de sucesso financeiro, cria uma atmosfera mórbida de assimilação de fracassos, culpas e ressentimentos que descambam na violência sob as mais diversas manifestações possíveis. O ser consciente de sua matriz energética natural, aquela que pode ser encontrada no alimento, no espaço e nas relações humanas saudáveis, não se permite à manipulação tosca e frágil das mesquinharias materiais ou dos pensamentos destrutivos. Investe sobre o outro a felicidade que pretende para si pois sabe que, no universo de gozos humanos, há uma lei espiritual próxima à lei da Física de Newton, aquela que trata que para cada ação corresponde uma reação. O libertário espiritualista desenvolve um agir imprevisível, embora pautado na consciência de como suas atitudes reverberam no cosmos, de maneira que não se submete aos apegos do domínio material. Por tal é que investe na autonomia existencial e no mundo colaborativo das diferenças, sabendo reconhecer o valor daquilo que não rende ou custa dinheiro e poder ilusório. Sabe que passam pelo sexo prazeroso energias vitais e invisíveis, não restringindo sua consecução em regras inúteis à felicidade por que pautam os moralistas cristãos, nem reduzindo o prazer sexual a uma mercadoria descartável, de significado restritamente financeiro ou espetaculoso, que precisa da falsidade para fazer prevalecer no mundo. 


           É sabido que o objetivo único da  mercadoria é agregar mais e mais valores materiais. Assim, ela se difunde em espetáculos de publicidade enganosa e de extrema fluidez de sentidos, em exibição quantitativa, em pressa e em proporcional esvaziamento afetivo. O sexo enquanto mercadoria não é apenas o produto vendido pelas prostitutas mas um sentido de encará-lo até por quem não tira dele seus sustentos materiais. Quando equiparamos todas as ações humanas à lógica de produção das fábricas, da especulação financeira, da apropriação privada do que é produzido pelo suor alheio, estamos transformando e reduzindo os sentidos espirituais que nos motivam a pensar, a sentir, a elaborar e a agir sobre nós mesmos e sobre o mundo. Sexo enquanto mercadoria seria o sexo apressado, afundado na perspectiva da publicidade ostensiva (e, portanto, paranoico quanto ao convencimento do outro sobre a representação desejada), em quantidade semelhante à produção em série das fábricas para consumo, aquele que opta em esvaziar de sentido afetivo e racional por entender como único valor de existência o que se projeta na apropriação material do outro por domínio. Sendo assim, pode alcançar a condição restrita de mercadoria o sexo monogâmico também. Não é uma prerrogativa dos tidos como "promíscuos" a atrofia sexual dos sentidos existenciais. Um sólido matrimônio cristão que seja calcado num ciúme doentio, numa relação de propriedade privada, numa submissão do outro para satisfazer interesses sociais (publicidade enganosa), na violência mútua calcada em falsidades reveladas, numa obrigação posta como de desejo divino que quase sempre resvala na atuação incoerente por debaixo dos panos, faz seu papel de mercadoria também. Afinal de contas, o que menos interessa à mercadoria é a coerência entre o que demonstra ser e o que se é. Seu valor maior continua sendo sua capacidade de agregar representações materiais ilusórias. É daí que podemos compreender o quanto o moralismo cristão pôde ser assimilado e disponibilizado aos interesses capitalistas, atuando em parceria pela manutenção de escravos deprimidos de tão obedientes. Faria muito melhor se seu foco fosse o amor ao próximo de verdade.


        A partir dos anos 90, presenciamos o crescimento da concepção individualista sobre todas as relações existenciais humanas. Aprofundou-se, em verdade, a mercantilização da vida, ou seja, a apropriação de tudo o que é vivo pela lógica restrita dos valores de mercado. Foram esvaziados do direito à existência quem ou o que não se adaptasse de corpo e alma, ou ainda, cinicamente. É propaganda enganosa do mercado sua relação direta com a qualidade do que produz, logo convencer o outro não está associado à coerência prática do que se sustenta em teoria. Sendo assim, o espaço da enganação ganhou reforço à medida que cooptava líderes e referências que outrora associavam-se a uma sociedade melhor, mantendo de suas antigas insurgências sociais apenas o discurso. 


          No âmbito das identidades de gênero, assistimos à profusão de um sem número de possibilidades que passaram a se apresentar como alternativas à sociedade heteronormativa (normatizada pelo padrão heterossexual). Quem lhes faz a defesa atribui ao indivíduo a primazia sobre sua própria identificação, o que possibilitaria ao sujeito se dizer heterossexual mas se comportasse na esfera privada como homossexual, por exemplo. Acredito que continua sendo um direito do indivíduo aceitar ou rejeitar a carapuça que lhe cabe. Problematizo esta defesa a partir do momento que encontro nela a sustentação da resistência moralista cristã escondida no ser híbrido. Na prática, temperada pelo sentido cínico das mercadorias. Vejamos o caso do indivíduo que diz "não ter rótulos", o que pressupõe ser aberto a experimentações sexuais com pessoas do mesmo sexo ou de sexo oposto, na condição versátil, ou ainda, com bichos, plantas e objetos, já que "não ter rótulos" nesta seara fertiliza a imaginação do desavisado. Quase sempre se verifica nestas pessoas o mesmo comportamento dos rotulados, ou pior, a primazia da exposição pública definida pela heteronormatividade. Se praticam outra relação que não a heterossexual, esta outra possibilidade é ainda velada e cheia de paranoias. Se são adeptos do amor livre, ainda desenvolvem ciúmes, subordinação e monogamia, pelo menos exigindo esta do(a) parceiro(a). Onde está a revolução sexual dos anos 60 nestes comportamentos? Houve um aprimoramento, uma resistência a ou um colapso daquela perspectiva? Até que ponto a multiplicidade de identidades de gênero vem servindo à libertação sexual humana e até que ponto esta vem servindo ao tradicional esconderijo por onde permitimos, de forma restrita, velada e hipócrita, as proibições históricas do moralismo cristão?


         O mais comum entre diversos jovens que conheço é dizer que não são gays mas que respeitam esta identidade de gênero. Mesmo entre os que notoriamente o são! Não caem na real, acreditam conseguir ludibriar a inteligência do outro, parecem ter grande medo dos efeitos da insubordinação à disciplina a qual foram acostumados por suas famílias e amigos desde pequenos a obedecer. De tanto ouvirem "viadinho", "bichinha", "boiola" e os próprios palavrões com referências depreciativas às liberdades sexuais, creio que foram severamente doutrinados. Ora, um gay não engana ao outro, sobretudo porque o tempo e as experiências de vida fazem com que passemos a reunir um sistema de códigos próprios, afora a intuição latejante, típicos das resistências necessárias a todo e qualquer oprimido. As liberdades sexuais também vêm assegurando a legitimidade do que se assume gay de manifestar seus desejos sinceramente.  Paralelamente, porém, é corriqueira, mas explanada só em ambientes próprios, em rodas de intimidade ou em ambientes de pouca instrução, sobretudo nas periferias e igrejas cristãs, a defesa do machismo e da homofobia como naturais do homem. A disputa de concepções está posta no campo social, que legitima um discurso politicamente correto por força de lei e de imposição do saber relativista, que cada vez menos afirma convicções mas também rejeita a desqualificação total dos sujeitos pela orientação sexual. Nesta confusão conceitual, racional e afetiva, prevalece a prática paranoica do desejo (quando esta poderia ser libertada à plena potência) e um discurso publicitário do Eu submerso em incoerências vacilantes. 


           Assim, quem pratica o desejo homossexual é um número vinte vezes maior de pessoas do que aqueles que reivindicam  a identidade de gênero homo ou bissexual. Entre estes que praticam, em sua maioria, não podemos distingui-los pelo jeito afeminado (se homens) ou masculinizado (se mulheres), ou pela condição de solteiros eternos, como até então sustentaram os estereótipos da heteronormatividade. São homens e mulheres que estão por aí, mais normais do que parecem, muitas das vezes fazendo discurso machista e homofóbico, pois o curioso é como acreditam se esconder com eficiência reproduzindo sistematicamente o que é projeção típica de desejos profundos renegados. Quem muito fala daquilo que odeia, em verdade revela o que ama. E como toda mentira tem perna curta, a revelação da orientação sexual real é inevitável. Pode ser adiada a um custo que só aumenta no tempo mas é inevitável. Incrível é que, de tão abafada em si e reiteradamente refutada no outro, a orientação sexual verdadeira do Ser, ao se revelar, traz transtornos muito maiores aos que se envolveram com o Ser reprimido no tempo. As vítimas da autorrepressão sexual  passam a ser instrumentos de chantagem de michês, garotas de programa, prostitutas, travestis, amados e amantes ocasionais,  que foram rejeitados em nome da opção publicitária enganosa, e agora passam a ameaçar casamentos, namoros e até expectativas outras (por exemplo, profissionais, como é o caso dos militares, padres e freiras bi ou homossexuais) decorrentes da assimilação de um núcleo familiar heteronormativo de fachada.


           Assusta saber que a opção dos seres humanos ainda seja pela dor e não pelo amor ao próximo como a ti mesmo. O efeito do moralismo cristão sobre a mentalidade coletiva, em relação às liberdades sexuais, não só lhe pertence como lhe foge o controle do alcance. Se foi deliberadamente arquitetado na educação dos mais jovens, em missas e cultos que se propagam há séculos, também o foi racionalizado cientificamente pelo nazismo durante parte do século XX. A violência cresceu na proporção do controle ideológico plantado, pois foi estabelecendo não apenas um auto-controle, um sentimento de culpa individual daquele que destoa de suas padronizações infelizes, como também gerou divisões, segregações, perseguições organizadas por um lado, que estão por aí torturando e matando em tantos e tantos lugares em busca da limpeza étnica que, acreditam, alcançará seus padrões ideais. Basta estudar História para se ter uma ideia do quão fracassadas foram estas necessidades de padronização humana mas eles insistem, é parte da ignorância que representa a competição pelo poder. 


          Por outro lado, estamos também formando guetos de resistência, onde uma cultura sexista tenta denunciar e acabar com a outra para que se implante uma nova, sob a mesma lógica de apenas substituir quem manda na normalidade. 


           Entre estas perspectivas, só posso afirmar minha identidade homossexual sem pretendê-la única nem muito menos dominadora da espécie humana. Ela é a minha identidade porque é como me sinto realizado sexualmente, sem simulações reducionistas, disfarces inúteis ou modismos, fortalecendo meu espírito para tantas e tantas lutas que não têm a ver com o que realizo na cama mas que deste depende para ter pleno êxito espiritual. Sendo assim, minha atuação no mundo é relacionada à naturalização da orientação homossexual, não sendo esta um horror a ser temido nem evitado, muito menos um espetáculo a ser disponibilizado com pressa, culpa, compromisso com a quantidade, a mentira e a angústia. O que tenho de bom em mim eu não vendo, eu divido para multiplicar, no mundo colaborativo, o segredo de uma trajetória que não culminará em depressão ou servilidade.                               


                         


                 
         

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Ascensão social ilusória: o projeto político neopopulista desde o Plano Real

         O PSDB, quando esteve no poder, não tinha a coragem, a circunstância histórica, a base social de construção que o PT tinha para manipular e trair o povo na condução do projeto político neopopulista em curso. Não bate palma para o PT por puro ressentimento quanto à exclusão do comando de poder, o banquete de cargos e verbas que perdeu, já que, quanto à essência do projeto político de manutenção do acúmulo crescente de riquezas nas mãos dos mesmos, ambos têm total e completo acordo. Diferem pontualmente, não estruturalmente. Buscam uma bipolaridade partidária no Brasil semelhante àquela que ocorre nos EUA entre republicanos e democratas. A intenção é servir do mesmo expediente dos estadunidenses: cada um assume a dianteira quando o processo capitalista assim o exigir. 

         Lembro aos leitores que "populismo" é um modelo de fazer política muito tradicional na América Latina. Também chamado de "trabalhismo", ele encontra terreno fértil nos traços culturais de nosso povo, extremamente crédulo em líderes salvadores (à semelhança da imagem do Cristo) quando deveria acreditar mais na sua própria capacidade de união, organização, luta e superação do que lhe oprime. Ficar esperando que um líder faça isso por todos é depositar confiança e poder demais a quem é corruptível, falho, incapaz de fazer valer as necessidades de cada indivíduo em sua infinita potência. É desta mistificação religiosa que bebe nossa cultura política da decepção eterna com os eleitos, empossados ou impostos, populistas ou não. Os populistas são aqueles políticos que se aproveitam mais disso, do desconhecimento histórico de suas intenções, práticas e resultados. Eles têm em comum o alimento ao ilusionismo temporário da expectativa do privilégio aos mais pobres, estimulando políticas ilusórias de ascensão social  dentro do capitalismo. Apresentam-se como figuras carismáticas,  simpáticas, bem humoradas, tolerantes com as diferenças, mas tudo isso não passa de falsidade. São, em verdade, extremamente autoritários. Quem fecha com eles, perde sua autonomia crítica, é obrigado a aceitar reduções significativas em seus desejos. De preferência, deve permanecer quieto diante das maiores injustiças, abusos de autoridade e insatisfações próprias. Quem não fecha, é perseguido sem dó nem piedade. Só uma pequena parcela, mesmo dentre aqueles que fecham com ele, ganha, de fato, os privilégios prometidos. Há uma repetição da malandragem na  essência para que esta seja adaptada, em sua forma, às necessidades do novo contexto histórico, político, cultural, socioeconômico em que ele se apresenta.   

        Os populistas sempre estão presentes na sociedade, alcançando o poder de acordo com a necessidade dos grandes donos do capital. Sempre que estes se sentem ameaçados com a desigualdade que eles próprios plantaram, recorrem aos seu serviços. Há uma alternância de método dentro do capitalismo para que todo mundo continue gerando riqueza para poucos. Em ciclos de 20 a 30 anos, especialmente no caso brasileiro, permitem a prática dos direitos democráticos para depois restringi-los novamente. São nestes momentos de grave tensão social por culpa das desigualdades, quando é necessária a restrição dos direitos democráticos, que os populistas ganham peso, apoio do capital e são difundidos como grandes salvadores da pátria. Assim, eles ascendem ao poder fazendo demagogia no lugar de resolver o que gera desigualdade, injustiça ou abuso. Aliviar o sofrimento dos mais pobres mantendo-os dependentes de políticas assistencialistas, por exemplo, é uma tática recorrente. Outra opção é estimular o consumo popular de mercadorias através de créditos impagáveis, que mantenham a servidão dos mais pobres por dívida. Populista não gosta de indivíduos críticos e autônomos. Assume riscos políticos ou posições polêmicas se  entender que estes têm algum respaldo significativo na mentalidade mediana de seu povo. Seja qual for sua posição, ela vai variar sempre na defesa do interesse dos mais ricos, nem que, para efetivar este destino comum de seus passos, ele recorra a arroubos fantásticos, atitudes que não vão agradar tanto nossas elites mas que se tornam pontualmente úteis à perspectiva de perpetuação de seu domínio sobre a classe trabalhadora. É como diz o ditado popular: "preferem perder os anéis para não perderem os dedos".

              O neopopulismo (neo = novo) aqui definido reúne uma característica curiosa em comparação às práticas populistas experimentadas por Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola, para ficarmos nos exemplos de lideranças populistas de nossa história. Ele mescla aspectos da política liberal (oriunda do liberalismo econômico, um modelo de capitalismo que prega o Estado Mínimo e a máxima privatização das relações econômicas e sociais) quando sustenta privatizações, concessões de serviço público, quebra de direitos trabalhistas históricos (tanto no serviço público quanto na iniciativa privada), o livre mercado apenas e teoricamente regulado pelo Estado, com políticas assistencialistas que podem ser exemplificadas nas bolsas de auxílio aos mais pobres; o aumento de vagas no serviço público que resta após o que foi privatizado; o fortalecimento do aparelho repressivo (polícia e forças armadas) para conter revoltas e criminalizar movimentos sociais, ao mesmo tempo em que "dá conta" do enorme contingente de desempregados e subempregados que se marginalizam. "Dar conta" significa bater, prender, traumatizar e matar; inventar crime para fazê-lo quando não o encontrar. Isto já é política implementada por nossas polícias no cotidiano das comunidades.   

         É a primeira vez que os populistas brasileiros não fazem uma ruptura mais radical com o modelo de Estado Mínimo moldado por seus antecessores no poder, os liberais. Este é um fenômeno que pode ser observado no Brasil, no México e na Colômbia. Pode ser que estejam apenas introduzindo o que ainda pretendem. Nestes países, segue o avanço de um populismo que tenta manter contratos  fixados pelo arranjo macroeconômico dos liberais. É uma inovação que custa um preço. Um exemplo concreto pode ser observado na flexibilização das leis trabalhistas na prática, sem mudanças legislativas aprovadas mas com uma conivência incrível na impunidade, seja por leis que emperram processos e promovem a lentidão do Judiciário, seja por manipulação de sindicalistas pelegos, seja pela corrupção de fiscais, servidores públicos e juízes. Nunca se sonegou tanto FGTS, INSS, 13o salário, 1/3 de férias, para ficar em alguns direitos trabalhistas consagrados em lei a quem tem carteira assinada. Nunca se fugiu tanto da carteira assinada e, quando ela é assinada, ainda assim, não corresponde ao pagamento dos direitos trabalhistas. Nunca se praticou tanto assédio moral no mercado de trabalho, supostamente em busca de eficiência e produtividade, coisas incompatíveis com os maus tratos praticados contra o trabalhador. Nunca se viu tanta dificuldade do patronato em cumprir com o pagamento em dia de salários e isto não se deve a um grande número de falências ou insolvências das empresas. Pelo contrário, é assegurada a capitalização daquilo que é dívida das empresas, seja com o governo, seja com os trabalhadores, no tempo que o Ministério do Trabalho, o Poder Judiciário e os órgãos de fiscalização em geral levam  para exercerem seus papéis. Estas empresas aplicam o dinheiro da sonegação e do calote em fundos que o fazem multiplicar o valor original do devido. Quando condenados a pagar, ganharam muito mais do que deviam, apostando na alta rotatividade do trabalhador cheio de medo de perder seu ganha-pão. Em compensação, àquele que perdeu o emprego e se encontra em situação precaríssima, oferece-se um suporte de assistencialismos do Estado que o mantém comendo, indo e vindo e na expectativa de algum outro privilégio prometido. Não há crise econômica neste modelo: ele é concentrador de riqueza por ganância infinita e as consequências sociais que configuram a suposta crise foram planejadas, estão postas desta forma para manter a desigualdade extrema, tendo na opção política da sociedade a sua conformação e resignação. O grupo que o promove planeja um genocídio daquela parcela da população que julga inútil, incompetente, excessiva para a sustentação do planeta, completamente dispensável a existência.

        Outros países latino-americanos, como a Venezuela, o Equador, a Bolívia e a Argentina, cada qual em seu ritmo e especificidade, avançam mais no que seria a aplicação do histórico populismo do século XX. Estes vêm estatizando o que havia sido privatizado, modificando e tornando mais rígidas leis e proteções ao trabalhador nas relações trabalhistas, além de avançarem no controle estatal de sindicatos, empresas privadas, movimentos sociais e indivíduos. Vale ressaltar que o nacionalismo é uma das fortes marcas dos populistas. Logo, a invasão do capital estrangeiro é mais contida no período em que hegemonizam a política em favor de grupos capitalistas nacionais, devidamente capitalizados pelo Estado, via bancos oficiais ou créditos específicos. Porém, a cada benefício concedido à classe trabalhadora, corresponde uma diminuição real de sua liberdade e autonomia, uma asfixia de seu tempo livre, de seu lazer, de seus protestos e resistências. O mesmo procedimento ocorre ao conjunto da sociedade de algum modo mas o seu objetivo-fim é a sustentação e a reorganização das forças produtivas para que estas possam seguir adiante após o esgotamento de um ciclo que lhes permitiu lucrar sem a intervenção estatal. Permitiu lucrar tanto que asfixiou a classe trabalhadora, gerando intensos conflitos sociais, e assim fazendo com que todos novamente passem a implorar por mais intervenções estatais na economia e, portanto, pelo retorno dos populistas. 
    
         Claro, a sugação fica tão grande que ninguém consegue mais pagar nada. É a hora que chegam os "salvadores", mexem na estrutura, pisam em quem tiver na frente e contra mudanças, levam na lábia e na base de migalhas as multidões de necessitados, negociam com os donos do poder as compensações por eventuais perdas, refinanciam ou anistiam dívidas. É claro que as vantagens concedidas pelo Estado aos empresários, com o objetivo de recuperarem-se, é infinitamente superior às vantagens concedidas à combalida classe trabalhadora. É esta diferença que o trabalhador comum, por pouco conhecimento ou alienação intensa do próprio universo e produto do seu trabalho, geralmente não reconhece, sendo facilmente convencido por caridades desproporcionais aos ganhos que poderia estar assimilando. 

       Um modelo de sugação da humanidade pelo capitalismo estava centrado na hiperinflação. No Brasil, até o Plano Real, instituído em 1994, este modelo corroía os ganhos de quem vivia da produção na sucessão desenfreada de reajustes de preços e tarifas públicas. O Plano Real foi uma mudança deste paradigma de sugação em busca da manutenção da mesma. Ele se estabeleceu numa combinação do governo com o setor privado para deslumbrar o povo com uma ilusão de ascensão social por capacidade de consumo. Chamo de ilusão porque seu objetivo foi apenas uma mudança de método de exploração, um rearranjo das forças produtivas para que nossa classe dominante continuasse lucrando e mandando. Trocamos o reajuste desenfreado de preços e tarifas por uma estabilização destes ao custo de juros altíssimos aplicados às prestações de consumo, financiamentos e refinanciamentos de dívidas. Isto quer dizer que, às vésperas das eleições de 1994, quando o Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso era o preferido das elites para presidente da república, estas se utilizaram de um artifício populista que iludiria o pobre naquela expectativa de ascensão social meteórica que é parte de nossa cultura. Com isso, asseguraria o apoio popular necessário à sua eleição e também à implementação do projeto neoliberal no Brasil. 

          Repare que os capitalistas podem até se filiar ideologicamente ao modelo liberal, ao modelo populista ou ao modelo social-democrata (este é o que defende um "equilíbrio democrático" aos interesses dos outros dois modelos). Isto, porém, não os impede de se utilizarem de artifícios de um modelo ou de outro, ainda que contraditórios ao que defendem por ideologia, quando se faz necessária a manutenção primordial de seus interesses de domínio e sugação da classe trabalhadora. Assim, quando o contexto histórico exigiu a aplicação dos princípios  liberais e a manutenção de políticos que lhe fossem interessantes, providenciaram um artifício populista - o Plano Real- que pudesse dar conta do apoio popular necessário. Em seguida, levaram os princípios liberais à risca, privatizando, destruindo direitos consagrados, diminuindo a presença do Estado na economia e na rede de serviços essenciais. Com o tempo, assimilaram - ainda que timidamente - algumas propostas do PT no sentido de contrabalancear a enorme desigualdade proporcionada. O Bolsa Família teria sido implantado originalmente pelo governo de Cristóvão Buarque (na época, do PT) no Distrito Federal com o nome de Bolsa-Escola. Fernando Henrique o tornou um programa federal, assim como o Vale-Gás. Ao chegar ao poder, o PT apenas reuniu estes benefícios assistenciais e ampliou seu alcance em número de famílias beneficiadas.  Apesar de contrário ideologicamente às bolsas de assistência, o PSDB foi incapaz de assumir o risco político de dizer que acabaria com o programa ou que estabeleceria limites ou restrições durante as campanhas de José Serra à presidência. Hoje seria muito difícil, tanto para o PT quanto para o PSDB, abrirem mão do programa porque ele alcançou resultados satisfatórios na redução da extrema pobreza, além de estabelecer uma rede de subordinação do eleitor ao político do município (responsável pelo cadastramento e pelo acompanhamento dos beneficiados), do Estado e do plano federal, como em cascata, já que, em diversos casos, prefeituras e governos estaduais fazem complementação das bolsas federais com suportes específicos. 

     O Plano Real reconfigurou a economia para que os lucros dos patrões se estabelecessem mais sobre os juros que sobre os preços. Com isso, pôde oferecer a capacidade de planejamento para o consumo à prestação (coisa impensável nos tempos de hiperinflação) mas o custo disso foi a alta concentração de riquezas sobre os setores que sempre viveram da sugação de juros: os bancos. As empresas que viviam de produzir mercadorias tiveram de se adaptar ao fato de que a compra e a venda destas não alcançaria mais o grande lucro de outrora. Continuariam a lucrar mas nada comparável ao que lucravam os que adquiriam títulos da dívida pública, por exemplo, cujo valor o governo oferecia para se capitalizar imediatamente sob a promessa de devolver o dinheiro pago pelos particulares sobre os títulos com juros altíssimos. Todas as empresas, de uma maneira ou de outra, passaram a especular, a conviver com a prioridade nas aplicações do mercado financeiro. Seja pela aquisição de títulos públicos, seja pela oferta de seu próprio patrimônio em ações nas bolsas de valores, seja pela sonegação de direitos e impostos para capitalizarem em fundos específicos. 

        Este novo modelo iludiu e levou o nosso povo à miséria e à convulsão social na medida que prometia aumento da capacidade de consumo, por um lado, e, por outro, restringia o pagamento pela força de trabalho em função da nova prioridade de lucro das empresas. Se era possível parcelar uma compra em sessenta vezes ou mais, tornou-se difícil manter-se no emprego, receber o pagamento em dia, saber se receberia direitos trabalhistas a tempo. Para este sistema, trabalhador é custo, já que o lucro maior não vem mais da força produtiva tanto o quanto passou a vir da especulação financeira. Logo, para que a inadimplência generalizada não explodisse com o sistema, além de esmolas governamentais,  vimos um crescente incentivo para que o trabalhador fizesse mais horas extras, acumulasse serviços, diminuísse seu tempo de lazer ou de convívio familiar, para receber o mesmo ou ainda menos do que recebia antigamente por menos horas de trabalho. Para não dizer do crescente trabalho ideológico de convencimento e de perseguição a quem se opusesse a esse ritmo suicida! Assim, o fomento do moralismo sobre desocupados se acirrou, atribuindo culpa individual por seus fracassos. Ora, se houve e haverá sempre aquele que não fez ou faz por onde merecer, o que mais se verificou da implantação do Plano Real até os dias de hoje tem sido a punição daquele que sempre foi trabalhador responsável e honesto com o desemprego, o assédio moral, o subemprego e a culpa individualista por seu fracasso profissional. O sistema não assume que o problema não está no indivíduo incompetente ou irresponsável, mas sim na forma como ele próprio - o sistema - recompensa mais o dinheiro sugado e guardado, inventado pois multiplicado na porcentagem estabelecida por alguém, e cada vez menos o que é fruto da compra e venda de mercadorias produzidas pelo trabalho humano.

          É por isso que é tão difícil manter o jovem concentrado num projeto de conquistas graduais, através do estudo e do trabalho, como se fazia em outros tempos, quando o modelo capitalista assegurava relativa ascensão social a quem se empenhasse por estas vias. Os jovens percebem o quanto é penoso (e não compensatório) estudar, trabalhar honestamente, construir projetos de vida a médio e a longo prazos dentro do atual modelo. Veem o tempo todo o exemplo mais próximo do cara estudado - o professor - mendigando reajustes e respeito mínimo dos governantes, dos pais e de alunos, da sociedade como um todo, que desqualifica o profissional do qual mais dependem o conhecimento qualificado para interagirem no campo social. É proposital o ataque à educação pública, pois seus efeitos são temidos por quem tem na mente a obsessão pelo genocídio da maior parcela humana, aquela que julga dispensável e incômoda a existência. Saber confere poder ao ser humano, um poder muito maior que o do dinheiro, e por saber disso, o sistema faz de tudo para que você não conheça suas artimanhas e crueldades. Seu objetivo maior, num retrocesso histórico incrível,  é administrar escravos voluntários ou matá-los ao se tornarem numerosos para além do necessário à concentração de riquezas.

         A ascensão social esteve e está ainda atrelada no imaginário popular, em função do tempo em que o modelo anterior de capitalismo vigorou, aos diplomas. O PT no poder explora essa cultura arraigada de forma populista, oferecendo facilidades de acesso aos mais pobres nas universidades, mas o faz em detrimento da qualidade do ensino ofertado. Para fazer estatística a exibir ao mundo, entope as universidades de gente cujas famílias nunca puderam alcançar o diploma, o que mais uma vez as ilude na expectativa de que terão a tão sonhada ascensão social da classe média pelo simples fato de ostentarem um diploma universitário. Além das dificuldades extremas para permanecer estudando sem assistência estudantil ou infraestrutura adequada, o sujeito que consegue concluir as faculdades, sai delas com uma enorme frustração pela frente. Não há emprego o suficiente no mercado e quando o há é temporário, incapaz de pagar decentemente, cheio de armadilhas impostas para justificar demissões ou rebaixamentos. A greve atual nas universidades federais tem como pauta estas necessidades. Receber mais alunos não é problema. O problema é fingir que ensina bem sem professor, salas ou com turmas lotadas, à espera da verba para o prédio novo que só virá se inchar antes as salas que já existem. Ou fingir que assegura ascensão social com o rebaixamento da qualidade proporcionado por graduações rápidas, feitas de qualquer jeito, cheias de facilidades para se alcançar o diploma tão sagrado e, cada vez mais, insignificantes para as enormes exigências impostas politicamente por um mercado que, em verdade, não quer mais assumir mão-de-obra e sim lucrar ostensivamente com mecanismos especulativos. As poucas profissões que ainda ostentam certo grau de empregabilidade oscilam de acordo com os interesses de financiamento governamental ao setor privado, sendo que o que é de interesse hoje e atrai tantos à engenharia, por exemplo, não necessariamente perdurará amanhã. Flutua ao sabor das investidas populistas de momento. 

           Os laços de dependência que nos prendem ao dinheiro reduzem o sentido existencial de tudo. Quanto mais subordinados e dependentes, menos tempo para nos preocupar com o saber, a reflexão, o lazer, o ócio e as mudanças necessárias para se resgatar a dignidade humana. Sabendo que o indivíduo vai tentar sobreviver de qualquer maneira, o sistema espera dele o motivo para tachá-lo enquanto delinquente, culpá-lo individualmente pelo desvio de conduta, e assim prendê-lo ou matá-lo. Este é o atual papel do Estado no investimento maciço em segurança pública, necessidade muitas das vezes alimentada ideologicamente pelos meios de comunicação que o servem, mas que não quer saber de refletir sobre as verdadeiras causas de tantos desvios,  de tanta violência urbana, que nos assolam como uma verdadeira epidemia. Há uma fábrica de delinquência produzindo indivíduos com graves problemas para existirem, sem orientação adequada ou emprego digno, e o que o Estado oferece é apenas a polícia para ir sufocando o problema sem resolvê-lo. Resolver implicaria na superação do capitalismo, o mais violento dos sistemas econômicos, que se encontra entre nós há apenas trezentos anos numa humanidade que tem pra lá de um milhão de anos. 

          Não podemos deixar nos iludir por promessas de privilégios que são sempre adiadas, não cumpridas, enroladas e renovadas a cada eleição. Este ritual de esquecimento do vacilo anterior é o que o torna vivo e pronto para sacanear mais uma vez. A superação deste monstro está requerendo amor, fim da competição e da reprodução de discurso que culpa individualmente por incompetência a enorme quantidade de gente sem rumo ou perspectiva vagando pelo mundo. 

        Deixar-se iludir por consumismos, pela exibição para  os outros de privilégios materiais, é também uma forma de tirar onda de escravo de alguém, que você não reconhece porque é dominado por um raciocínio que só enxerga esforço individualista nas suas conquistas. Se nós não plantamos o que comemos, alguém o plantou e o produziu. Alguém vendeu o mesmo alimento à indústria que o transformou e o revendeu. Outro alguém fez chegar ao mercado, à mesa de casa, e assim, numa relação que exige o esforço de vários seres humanos para que a nossa existência individual se consagre plena, fomos alienados destes elos que existem entre diversas ações do homem enquanto espécie, levando o dinheiro a significar exclusivamente a razão presente nesses elos. 

         O dinheiro ressignificou as trocas de experiência e de produção da humanidade sobre a mesma natureza que nos referencia, tornando seu simples excesso ou falta o determinante para merecermos a vida. Isto é de uma manipulação inacreditável da vida que nenhuma religião ousa enfrentar, muitas vezes colaborando no domínio da parcela ínfima de  gananciosos realmente contemplados com o excesso. A falta do dinheiro é o que vitima a maior parte da humanidade e isso só pode ser superado com a superação de seu vício enquanto droga a determinar toda e qualquer relação humana. Não é uma tarefa para governo nenhum, nem para empresários ou banqueiros, ou, como vimos, nem para sacerdotes religiosos. É uma tarefa cotidiana de cada um de nós o crescente menosprezo ao valor dado ao dinheiro na determinação da vida de nossa espécie. Nossas relações sociais devem começar a se pautar pela rede de apoio mútuo, pelo mundo colaborativo, pela solidariedade sem interesse direto no retorno daquele que ajudamos. Aquele que ajuda o próximo mas joga na cara dele constantemente o que fez, trabalha sob a lógica capitalista de lucro ou vantagem sobre toda e qualquer atitude e a diminui de sentido. Não é cobrando gratidão que se estabelece o exemplo de emancipação do homem do projeto genocida. É fazendo o necessário, exaustivamente ensinado e repetido em todos os livros sagrados, mas que geralmente é rebaixado de sentido pleno para dar palanque a moralismos inúteis à felicidade humana. A competição é um mal para a humanidade. Nenhum esforço individual assegura a plena existência individual, pois ela também depende do bem-estar do outro, conhecido ou desconhecido, sem o qual não poderemos coexistir de forma saudável, sem depressão ou violência.