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Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
Estudante, professor e agente da História de seu tempo. Deformado pela Universidade Federal Fluminense, pela capacidade de resiliência em torno de causas justas, pela coragem e pela sinceridade. Dinâmico, espiritualista, intuitivo, libertário, imprevisível. A leitura de seus textos é recomendada a quem faz uso de covardias.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

As músicas que eram cantadas na Vigília

A "Vigília dos Estudantes Em Defesa da Universidade Popular" foi uma ocupação do gramado ao lado do Bandejão (em frente à creche) no Campus do Gragoatá, da Universidade Federal Fluminense, em 2000. 

Já há algum tempo, os estudantes do ICHF promoviam no Tablado Leandro Konder (térreo do bloco O) uma série de apresentações artísticas kaosísticas-revolucionárias. O evento era conhecido como "Palco Livre". O sujeito que desejasse cantar, tocar, declamar, desenvolver performances teatrais, dentre outros, tinha ali um palco disponível com o equipamento de som do CA de História. Muitos artistas (como o DJ Bob Pai, a DJ Tataogan, o Jamaica, dentre outros) se revelaram ali. Para desespero de nossos professores.

No dia em que resolvemos promover a ocupação da "Vigília Em Defesa da Universidade Popular", aproveitamo-nos taticamente de um hábito que era a realização destes palcos livres no ICHF para instalarmos nossas barracas no gramado ao lado do Bandejão. E de lá não mais sair até que nossa principal reivindicação acontecesse. 

No governo Collor, os estudantes da UFF perderam a janta no Bandejão. A UFF ficara quase um ano em greve, sem a mínima condição de funcionamento. Entre fechamentos e retornos do direito ao almoço nos governos seguintes, perdemos o suco e a sobremesa. No governo FHC, o almoço havia sido cortado por total falta de condições operacionais do nosso restaurante universitário. 

Foi quando decidimos burlar as decisões soberanas de uma assembleia geral dos estudantes realizada no próprio bandejão. Os companheiros politico-partidários ganharam no voto que não seria feita nenhuma ocupação. Insatisfeitos com a decisão coletiva, a "malucada" - que era como nos chamávamos os companheiros politico-partidários - decidiu aproveitar um palco livre no ICHF e instalar ao lado do bandejão as barracas necessárias, faixas de protesto, uma cozinha improvisada, e de lá sair apenas dois meses depois.

Durante o período da vigília, fomos acusados de muitas coisas que rolaram e outras que não. Lembro-me que, com o objetivo de nos desmoralizar publicamente, acusaram-nos de jogar futebol pelado no campus, o que realmente não rolou. Lembro-me da "Tenda dos Prazeres", a barraca armada por um de nossos companheiros que ficava disponível para armazenamento de mantimentos y otras cositas más. Lembro-me do apoio do SINTUFF em nossa alimentação, da perseguição dos cachorros do campus (um deles até mordeu o China, o que levou o cachorro à morte por ingestão de altos níveis de toxinas), dos desafios cotidianos para se tomar banho, fazer reuniões e disciplinar o indisciplinável.

O jornal O GLOBO da época, mediante a nossa recusa em dar entrevistas para a "imprensa burguesa" (já que distorciam tudo mesmo), fotografou nossas barracas e noticiou como se fizéssemos turismo no campus: "venha curtir as férias na UFF - estudantes acampam na universidade e curtem o espaço privilegiado do Campus do Gragoatá".   

Muito criativo, o grupo fazia intervenções de protesto nas assembleias dos professores e em cursos da UFF que se recusavam a paralisar suas atividades. Sim, porque nós construímos a greve de 2000 com direito a surto do Prof. Marcos Alvito e seu pandeiro, apoio da Prof. Magali Engel, aversão de colegas vinculados a partidos políticos e crise total no departamento de História. Recordo da célebre visitinha ao Instituto de Física em que o professor, em sala de aula às oito da manhã, surtou com a nossa presença e nos expulsou de lá sob a forte acusação de que éramos bêbados fascistas. 

O que fazíamos? Cantávamos e batucávamos músicas próprias, feitas especialmente para o momento que vivenciávamos. Cappelli me enviou duas letras que foram importantíssimas para o nosso movimento na época: a primeira se refere ao que encontramos quando ocupamos o gabinete do reitor; a segunda, era o hino da vigília. Ambas estão reproduzidas abaixo:

Ocupação da Reitoria

Companheiro me escute por favor
Eu vou cantar
O pagode do REItor
Têm gabinete, com banheira cor-de-rosa
Deitado lendo Playboy
Ai que coisa mais gostosa
Tem cafezinho, vinho e outras mordomias
Assim eu vou querer morar na REItoria

A da Vigília virou um clássico do cancioneiro Gragoataense:


O estudante tá com raiva do REItor
Mas eu já sei que ele tem razão
O estudante tá querendo comer
E o REItor não quer fazer
Não quer dar o bandejão

O estudante tá com raiva do REItor
REItor Paulo Renato lhe devora
E o estudante quer comer no bandejão
Todo dia chora, todo dia chora

Um dia dá, um dia dá
Um dia dá senão nós vamos ocupar

Quero comer, quero comer
Quero comer no bandejão quero comer.


Tempos depois, a vitória: o bandejão voltou a funcionar, servindo de novo almoço e janta a R$0,70 (setenta centavos), preço que até hoje (2011) é mantido. 

Além desta, creditada a todo o movimento estudantil da época, também conseguimos que o então diretor do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP), Dr. Francisco Gonzaga, fosse afastado e, em seu lugar, fosse instaurada uma comissão de professores, alunos e funcionários para administrar o que estava acontecendo no HUAP: enquanto o povo agonizava na falta de estrutura do hospital público que tanto serve a 11 municípios fluminenses, o ex-diretor comprava medicamentos como a tradicional Novalgina (hoje Dipirona) a R$ 700,00 (setecentos reais!!!) a caixa. Os alunos também conseguiram, via proposta apresentada no Conselho Universitário por este que, na época, era representante estudantil, ampliar o horário de permanência dos estudantes no campus (das 22h para 0h), o que extra-oficialmente já fazíamos bem na camaradagem com a empresa terceirizada de segurança.     

Cappelli, adorei a colaboração!

 

       

2 comentários:

  1. e a comissão do CUV pra visitar a vígilia tendo a frente o Serra e o seu cachimbo???

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  2. Teve outro artista "lançado" no palco Livre: o Gabrimilo (era assim que se dizia?), atualmente no grupo Casuarina...

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