Quem sou eu

Minha foto
Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
Estudante, professor e agente da História de seu tempo. Deformado pela Universidade Federal Fluminense, pela capacidade de resiliência em torno de causas justas, pela coragem e pela sinceridade. Dinâmico, espiritualista, intuitivo, libertário, imprevisível. A leitura de seus textos é recomendada a quem faz uso de covardias.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

A Droga da Obediência

Sensacional livro de Pedro Bandeira para o público adolescente, "A Droga da Obediência" foi a primeira sugestão - e talvez a única em toda a minha longa trajetória de aluno - aceita por uma professora. O processo que levou à aceitação da sugestão e as duras consequências para a escola em que eu estudava no ano seguinte valem a crônica.

Estava na sétima série, atual oitavo ano do ensino fundamental (1993), e como todo adolescente esquisito, nerd, meio boiola e antenado nas miseráveis intenções humanas, usava óculos "fundo de garrafa" e tinha uma vontade danada de me libertar daquela violenta sensação de opressão que os estudos atrelados aos hormônios começavam a demandar.

Era tido como um dos melhores alunos e tinha um segundo idiota (meu Deus, lembro-me bem do orgulho de termos disputado e ganhado o prêmio "aluno-exemplo" ou "aluno-referência" dos professores, argh!) que concorria comigo em cada detalhe de cada aula.  Sim, porque aprendi com o cinema americano e com a práxis escolar que os "alunos-referência" são aqueles que melhor agradam os professores. E "agradar" pode ter um sentido todo especial.

Apenas um parêntesis: Tudo bem que eu não posso ser isentado deste passado mórbido mas meus métodos eram seguramente mais, digamos, contidos. E data deste episódio, uma ebulição interna de oitavo ano (na minha época, acontecia no oitavo; hoje, isso começa no sexto ano do fundamental), o marco histórico que me separa da fase nerd para a fase kaôsística-revolucionária. 

Treze anos de idade, 1993.

A Professora de Português era muito dedicada. O que tinha de dedicada, tinha de madame. Quando lembro dela, lembro daquela frase esdrúxula do Brizola para suavizar as críticas do SEPE aos baixos salários dos CIEPs: "não existe professora mal paga, existe professora mal casada". Era daquele tipo, o tipo "bem casada". Fetiche de normalista ou estudante de Letras cujo sonho sempre foi ser a mulher de um doutor engenheiro ou militar de alta patente. Para se ter uma ideia, a minha professora comentava coisas do tipo: "o que me encanta em um homem são os seus sapatos". Acho que não preciso comentar mais nada.

Eu gostava dela. O meu amigo nerd também. Em um momento em que a sexualidade da gente ainda está se definindo (isso no meu tempo, porque hoje se admite que a sexualidade não se define mais para o resto da vida em boa parcela da população, ou melhor, pelo menos no âmbito privado. Publicamente até se esbraveja muito o heterossexualismo), eu e meu amigo, pelo menos, masturbávamos muito pensando naquela professora.

Ele fazia de tudo por ela. Eu, como já comentei, era mais na minha. Não satisfeito em ter acesso privilegiado a sua residência, o amigo começou a decorar dicionário para recitar vocábulos prolixos em sala de aula (para desespero dos colegas de classe). A professora quase gozava. Ele enchia a boca para respondê-la sobre qualquer assunto e ela babava a olhos vistos, incentivando que eu fizesse a leitura em voz alta de textos enquanto se deliciava com aquela chuva de palavras estranhas do colega nerd, seus sinônimos, homônimos, parônimos, xoxônimos e picônimos.

Certa vez, tudo ia muito bem, ele com um 10 aqui, eu com um 9,5 ali, ele com 9,5 cá, eu com um 10 acolá, quando ela pediu à turma sugestões de livros extraclasse, ou seja, livros de literatura para serem lidos, selecionados e trabalhados por toda a turma. Bons tempos esses em que ler literatura no ensino fundamental não traumatizava aluno! Hoje traumatiza, é torturante, gera furor pedagógico em alguns pais, avós e professores ensinados assim. É por isso que se escreve tão mal em nossos tempos! Mas isso é outra história.

O fato é que eu gostava de ler, sempre li muito independentemente de professor mandar, de pai punir ou fazer discurso. Mais tarde, na faculdade, seria taxado de mau leitor por contrariar a cultura científica das citações obrigatórias, o que fiz mais por ideologia do que por desconhecimento. 

Foi assim que conheci, jogado em volume único, dentre resmas de chamex que formavam uma pilha na antiga Casa Mattos, papelaria do centro de Niterói, o livro "A Droga da Obediência" de Pedro Bandeira (Editora Moderna). Ninguém havia me orientado a lê-lo, ninguém havia feito propaganda em lugar nenhum: Ele estava lá, perdido, me procurando. Eu estava na papelaria com minha mãe atrás de um simples caderno e o motivo da minha chegada àquela papelaria, como em tantos outros encontros e desencontros pela vida, era o encontro do livro que eu precisava ler, que me transformaria em mero canal da obra para tantos colegas e que falaria tanto das intenções conspiratórias - mas sempre pertinentes - de controle social por parte de alguns humanos. 

Apesar de todas as citações de dicionário e de toda a intimidade com a professora, meu amigo nerd não emplacou a sua doce sugestão literária. 

"A Droga da Obediência" foi o livro escolhido para ser adotado em todas as turmas de oitavo ano no colégio em que eu estudava. Discutia rebeldia, controle social e a importância dos criativos no contra-golpe, do respeito ao próximo e da organização coletiva dos oprimidos na superação das condições adversas. 

No ano seguinte, o livro era usado em discursos inflamados contra posturas de uma outra professora de português. A que adotou havia sido demitida. A que assumiu as turmas no ano seguinte era extremamente arrogante e prepotente. Escrevia errado demais e humilhava os alunos com dificuldades. 

Mas o que ninguém aguentava mesmo era o seu mau hálito. No começo, balinhas e hipocrisia, para aliviar o odor de esgoto na sala, eram oferecidas pelos alunos. 

Mas a nossa insurreição, a insurreição dos sinceros, levou à demissão da nova professora no ano seguinte. Dizer à professora que ela tinha esse problema de mau hálito e que as palavras estavam escritas de forma errada no quadro negro custaram-me muitas notas ruins mas foi ali que aprendi o perigo que representa se calar diante dos perigosos inseguros.

Ou se tornar um deles.

     
       

     

Um comentário:

  1. Faaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaala Kalled!!!

    Tô sabendo que você tá no programa de proteção a testemunhas e que anda escondido depois de denúncias lá onde estava dando aula rsrsrsrsrs Quando o Jamaica me falou retruquei na hora: "Porra, é a cara do Calado!" rsrsrsrs

    Abração!!!!

    ResponderExcluir