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Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
Estudante, professor e agente da História de seu tempo. Deformado pela Universidade Federal Fluminense, pela capacidade de resiliência em torno de causas justas, pela coragem e pela sinceridade. Dinâmico, espiritualista, intuitivo, libertário, imprevisível. A leitura de seus textos é recomendada a quem faz uso de covardias.

domingo, 20 de novembro de 2011

Quem é que vai pagar por isso?

        Tem gente que tenta me convencer ainda de que é necessário votar melhor. Eu digo a estas pessoas que, cada vez mais, é necessário lutar melhor. Da maneira como estamos sendo conduzidos no Brasil e no mundo, já deu pra perceber que a velha democracia representativa sucumbiu ao poder de banqueiros e especuladores, bandidos menos afortunados (milícias, traficantes, xerifes locais, etc.) e até mesmo à casta política, que pouco se alterna no poder mas não passa de subalterna aos grupos anteriores. As organizações locais é que efetivarão a saída da atual ditadura do capital, uma fórmula de luta e resistência que conta mais com a imprevisibilidade como método que com a tradicional busca pelos caminhos institucionais reconhecidos.

           Não recomendo às pessoas que reneguem benefícios ou brechas ainda proporcionados pelo Estado. Muito menos que deixem de reivindicar aos governantes seus direitos de cidadania, sem os quais a sobrevivência cotidiana, já tão ameaçada, torna-se inviável. Esta contradição, infelizmente, deve continuar enquanto estivermos no capitalismo porque este sistema não oferece dignidade mínima a ninguém mais que à meia-dúzia gulosa. Se possível, mata um por um conforme o grau de ameaça que promove - da fome à bala. Temos de ser, ao contrário dele, cada vez mais solidários com a vida humana. Inclusive com aqueles com quem nutrimos desavenças menores. Não estamos juntos na propaganda enganosa, na disputa eleitoral para perder e negociar vantagens outras ou na negociação arranjada e oculta com patrões para obter resultados aparentemente favoráveis aos movimentos sociais. Isto é engodo puro e todo mundo acaba igualando a esquerda partidária no mesmo saco de gatos com razão. Não precisamos sacrificar o socialismo desta maneira.

         Estaremos juntos na defesa de espaços públicos, de direitos mínimos à dignidade, ou seja, em lutas específicas que convirjam propósitos anticapitalistas e de sobrevivência dos militantes e das pessoas em geral. Estaremos juntos quando as circunstâncias históricas exigirem um levante unificado, por solidariedade de classe ou por interesse pontual, ainda que cientes de que diversas destas lutas não resultam na derrubada imediata do sistema mas objetivam contê-lo no avanço sobre o próprio Ser. O que resultará na derrubada do sistema capitalista será a atitude socialista cotidiana, a superação da necessidade de acúmulo e roubo da dignidade alheia, o fim da necessidade de domínio, e isto não é defesa do socialismo utópico, é antes a consciência da importância que a reprodução ideológica tem na sustentação de algo que agora resolveu submeter o mundo ao capital virtual, por exemplo. 

        Você pode deflagrar uma guerra e sustentá-la por mártires, impor uma ditadura do proletariado e nada disso superará a essência do que sustenta a mentalidade capitalista. Você pode eleger políticos de esquerda na democracia burguesa - o que considero cada vez mais difícil -, pois é mais fácil fazer o cara de esquerda ter de esquerda só o discurso, pois se trata de uma condição tácita para o seu patrocínio eleitoral e até mesmo para a sustentação de seu mandato. O que vai, de fato, superar a crueldade de nossos tempos é a deflagração de uma guerra ideológica, estabelecida na coerência entre discurso e prática cotidianos, coragem no propósito desta luta que é coletiva mas também individual: não posso mais querer tirar do outro a felicidade dele em busca da minha. Não conseguirei nem a minha e ainda destruirei a do outro, gerando violência sobre violência. Do contrário, teremos o engodo vencendo a realidade eternamente. O resto fica por conta da barbárie individualista, que já deu no que deu e está rolando sem pena: só vítimas, de uma maneira ou de outra.    

       O apego à ocupação perpétua de aparelhos institucionais é um fenômeno que tornou engessada e subalterna parte de nossa esquerda partidária. Temos de aprender com os nossos erros, saber superá-los e saber também traçarmos alianças pontuais que nos assegurem certa força política na resistência. Existirão, numa sociedade complexa como a nossa, pessoas dispostas a atuar dentro e fora da institucionalidade sem que, para tal, apenas reduzam suas passagens ao jogo amestrado dos poderosos de sempre. Em outras palavras, sei discernir o companheiro partidário que age por motivação ideológica, que sabe separar a necessidade de marketing e supremacia dos seus pares em situações específicas que exigem solidariedade de classe, de outros que somente se aproveitam da fachada, que demonstram suas garras corruptas e vacilantes no instante mais difícil das contradições. 

           É por essas e outras que alternei minha militância em diferentes ambientes, grupos ou espaços. Emergi do movimento comunitário, passei pelo movimento estudantil, ocupei cargos públicos ao lado de pessoas da esquerda partidária, busquei a condição autônoma de servidor concursado, fui professor e sindicalista da categoria na rede privada, radialista no subúrbio, diretor de ONG. Enfrentei prefeitos, governadores, professores universitários, vereadores, presidentes da república, donos de escola, policiais e companheiros corruptos em diversas situações. Esta participação em diversas frentes tornou-me ainda mais convicto da contribuição relevante do anarquismo na minha mentalidade política particular, o que não me fez sectário. Ao descobrir como funciona o Brasil e seus amálgamas sociais complexos, tive de corresponder uma sobrevivência arrastada aos posicionamentos políticos necessários em cada momento e circunstância colocados. Quando a aceitação da atitude alheia (humilhações, roubos, esculachos e situações inacreditáveis a que somos submetidos por aqueles que dizem defender a qualidade e o mérito) comprometia substancialmente princípios básicos do meu Ser, toquei o "foda-se" necessário, ainda que relutasse bastante em torno da melhor forma em diversos momentos. Era a condição de escravo que estava posta sobre meus ombros, a anulação de minha existência que dinheiro algum poderia comprar. Quanto mais o mínimo que sempre me pagaram! 

        Estes obstáculos não foram poucos nem tiveram limites tão óbvios, como a lei, o respeito mínimo, a lógica racional, ou até mesmo, pasmem, a melhor forma de lucratividade do patrão!!! Sofremos de uma permanência aristocrática, como já tratei diversas vezes neste blog. A condição de privilegiado é oposta à condição de indigente, sendo o meio termo uma dádiva que nem sempre dura o quanto acreditamos ou precisamos que dure. Os métodos de nossa elite em nada se equivalem à racionalidade que propaga em discurso: sua fundamentação e norte habitam o domínio do outro, a afirmação desmensurada de poder pelo poder, o exibicionismo, a carência que resulta desta mesma ignorância e a hipocrisia das relações. Numa sociedade assim, as reações são as mais inesperadas. A mínima harmonia - se é que podemos chamar esta relação desta maneira - só é alcançada no agrado e no elogio sistemáticos do vaidoso que lhe comanda o trabalho, a família, a máquina. O que diziam ser uma prerrogativa do serviço público, é comum também na iniciativa privada, em todos os lugares. O tempo todo são as relações de proximidade, parentesco, amizade, sexo, intimidade, cumplicidade no desvio, que determinam o funcionamento e o pagamento do que deve ser feito para a sociedade se manter. Imagine o resultado catastrófico deste procedimento nas mãos de um médico, de um chefe, de um professor, de uma dona de casa, de um pai, de um eletricista, de um policial, etc., etc., etc.? É a bagunça que vivemos. Cheia de propaganda enganosa e moralismos inúteis.

          O anarquismo me ofereceu dois fundamentos básicos para lidar com esta insanidade coletiva: um é que o capitalismo é um câncer social; outro que o Estado é apenas seu serviçal, que não é quem o ocupa hoje, ontem ou amanhã o seu grande problema ou o triunfo para as políticas públicas necessárias. O Estado é uma entidade parasitária da sociedade em que a própria  sociedade foi conformando a manutenção por interesses mesquinhos. O sujeito bem intencionado ou será sugado por sua lógica ou será repelido. Isto não quer dizer que deixar o mercado agir livremente, acreditando que a iniciativa privada seja mais eficiente e competente, seja certo. Também não pois ela consegue ser pior, ela é o verdadeiro comando do Estado que tanto critica. O que temos de fazer é agir pelo que precisamos em comum durante o tempo de tarefa árdua que ainda levaremos para nos ver livres destas chagas. Não votar ou votar nulo é um começo. Não fazer campanha para candidato nenhum, assumir logo que não estamos elegendo ninguém, que está tudo acordado: quem vai ganhar e quem vai perder é definido antes, pelos mesmos, e toda a democracia representativa não passa de uma grande farsa. Não tenho mais como bater palma para palhaço num teatro caro em que o grande palhaço sou eu. Se não temos como resistir ao pagamento de impostos, devemos então sugar o máximo que pudermos do Estado, das empresas, de todos que tiram onda com a cara de quem trabalha e dá duro. 

      É imperioso sugar mas não para benefício individualista ou de pequenas panelas (como é próprio do jeitinho brasileiro): temos de elaborar e praticar estratégias de ocupação ou sugação da máquina capitalista para que seus recursos garantam uma ampla rede de apoio mútuo, capaz de colaborar na sustentação do maior número de pessoas possível. Temos que ousar sustentar o militante combativo, por exemplo, sem adestrá-lo à subordinação dos que comandam o Estado,  os partidos ou o capital. Socialistas deram este passo na ocupação de sindicatos, federações, confederações, mandatos parlamentares, etc., mas acabaram por entrarem no jogo perigoso das tentações que os privilegiados lhes ofereceram. Hoje, muitos lutam, na verdade, para se perpetuarem na exclusão de outros companheiros, o que em nada lembra o princípio socialista nem constitui estratégia revolucionária. Isto levou-os ao descrédito popular, sedimentando as garras do próprio capitalismo a partir de um descrédito coletivo na possibilidade de mudança. É a grande contribuição do PT ao capitalismo mundial, por exemplo. Este proceder afetou ideologicamente nosso povo e esta experiência tem de ser superada.               

             Comecemos pelo micro, outro ensinamento dos libertários. Pra que desafiar proporções nacionais ou internacionais se não damos conta do micro-espaço, das microrrelações do cotidiano, como tanto insisto? Se estamos engendrando esforços descomunais para garantir sobrevivências individuais em frangalhos, arrastando-nos uns sobre os outros para vender mais barato nossa força de trabalho sob o risco de um pé na bunda a qualquer título ou espírito, por que não engendramos esforços por relações humanas diferenciadas com o trabalho, a produção e o lucro? Mesmo que a nível local, mesmo que inicialmente sejam tentativas insipientes ou contraditórias, mesmo que as organizações locais de sustentabilidade anticapitalista exijam laços e fluxos variados, estas seriam fundamentais à imprevisibilidade como ingrediente da luta. 

    Neste novo modelo de organização, a institucionalidade ou o reconhecimento estatal não se daria como mola-mestra mas talvez como parte de um arcabouço de sustentabilidade amplo e diversificado. Sob a fachada de uma entidade assistencialista banal, permitida e financiada, por exemplo, esconderíamos uma rede de apoio mútuo vibrante que em nada se assemelharia ao ritual típico da caridade interessada em gratidões eternas. Penso que precisamos mesclar o que é possível fazer angariando recursos e o que é necessário fazer enquanto atitude revolucionária. Para tal, egos e vaidades são os grandes desafios. Como fomos criados dentro de uma lógica de disputas e competições mesquinhas, o desafio maior de grupos assim sempre foi a coesão mínima do próprio grupo. Experimentei grupos que se dispuseram assim e posso dizer que foram bons enquanto duraram. Não são eternos, têm prazo de validade. Mesmo assim, isto não quer dizer que devem ser menosprezados ou desqualificados: na obsolência de um, ergue-se outro sob novos desafios, ambientes, desculpas e propósitos. As ações libertárias não são feitas para se sedimentarem no tempo e no espaço enquanto estruturas sociais estanques. Ela se permitem ao aprimoramento, à dissolução, à inovação, à criatividade e à imprevisibilidade. Isto não é pouco. Só poderemos saber se é isso o melhor caminho se tentarmos. O que temo é a naturalização de uma proposta ideológica que só se perpetua na aceitação ou no acovardamento. Processos históricos têm sementes, exigem água, cuidados e energizações, proteções e carinhos. Não caem do céu por obra dos homens. Muitas obras humanas também provocam os céus e a proposta apocalíptica anda tentadora porque há um numeroso contingente implorando por isso. Não tô nessa nem desejo que você esteja. Vamos pensar, para além de 2012, "quem é que vai pagar por isso?". Nas palavras do próprio Lobão, está acesa a chama da insatisfação humana e de sua incrível capacidade de reelaboração.                       
               

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