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Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
Estudante, professor e agente da História de seu tempo. Deformado pela Universidade Federal Fluminense, pela capacidade de resiliência em torno de causas justas, pela coragem e pela sinceridade. Dinâmico, espiritualista, intuitivo, libertário, imprevisível. A leitura de seus textos é recomendada a quem faz uso de covardias.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Os assessores do advogado mineiro

         - Pode levar a chave! Se quiser, fique com ela, por favor! Minha mulher é toda sua!
         - Que isso, doutor!? [ajoelhado] Eu sou de menor, juro! Não faça nada comigo, por favor!
         - Levante daí, maluco! Você já não pegava minha mulher? Eu tô dizendo que estou te dando aquela desgraça! Não quero te prender, te matar, nada disso. Espero que você tenha sorte!


        [passam-se os dias... pessoas do povo param Sr.K na rua, impressionadas com o que souberam]


        - É verdade?
        - Sim, é verdade.
        - Mas você também está pegando?
        - Não, eu não. 
        - Vocês da cidade são muito doidos!
        - Nada, a gente costuma ajudar amigos. Se precisarem de uma casa pra cair, por que não? Não é o que Cristo nos ensinou?


        [pausa para reflexão...]


        - É mas... o marido dispensou a mulher no bar, parecia saber do amante, entregou as chaves da casa para ele e ainda deixou o senhor morar com ela? Isso aqui a gente chama de putaria, sem vergonhice, não é coisa de Deus não, uai!
        - Me explica uma coisa: pegar criança de 11, 12 anos, não é putaria não, sem vergonhice? E parente? Tem tanto filho de parentes que se pegam... aliás, noutro dia, dei um mole danado. Perguntei para um senhor se ele era pai de um menino aí e ele ficou brabo comigo, disse que só tem uma filha, de onde que inventei essa história... ora, disse pra ele que achava o moleque a cara dele.
        - Vixe!!! Nunca mais faça isso, carioca esperto!
        - Por que?
        - Porque, se ocê fizer, ocê perde a mulher do advogado na mão dos fiote aê...
        - Mas eu não tenho nada com a mulher do advogado! Ela é apenas minha amiga, já disse isso.
        - Sei.


        Passam-se os dias, os meses, uns três meses. Não aguentava mais. Desde que havia resolvido morar com a mulher do advogado, não pegava mais ninguém. Não queria a mulher do advogado nem o advogado! Eram simplesmente meus amigos. Ninguém acreditava. Pergunto a ela o que estava acontecendo.


        - Esperam você sair escondidos no mato. É você sair que aparecem. Insistem em me pegar, já fiz alguns. Outros parecem mais preocupados em saber se você está na casa, por perto, se volta cedo ou tarde. Dizem que têm medo da sua reação. 
        - Porra, mas eu não tenho nada contigo!!! Essa gente não entende... O engraçado é que insistem em fazer escondido! Comigo, apareceram umas mulheres assanhadas... não quero, porra! Onze maridos vieram com um papo torto pra mim. Disseram que vão me enfiar a porrada se souberem que eu estou com as mulheres deles. Quero os caras e os caras acham que eu virei hetero por sua causa! PQP!
        - Tá foda pra você, né amigo? Mas tem um que eu duvido que não te quer...
        - Não é só um. Mas tem que ser escondido de você, os mineirinhos são assim... fazer o quê? Vamos fazer o seguinte: durante esta semana, quem vai sair para resolver as coisas na rua vai ser você. Eu vou ficar em casa, à espera dos bonitinhos escondidos do mato. Ainda tem aquela peruca de carnaval que parece com o seu cabelo?
         - Sim, tenho. 
         - Ótimo. Eles não usam binóculos. 
         - Fechado, amigo. Vamos tentar.
         - Pois é, não dá mais pra ficar nessa seca aqui...
         - Tudo bem, faço isso pelo amigo.
         - Fechado?
         - Fechado.


         No dia seguinte, conforme combinamos, eu fiquei em casa e ela saiu. Ele apareceu. À distância, o cabelo era o dela, ele teria esta certeza. Mas eu não sabia: ele já a tinha encontrado no mercado. Sabia, portanto, que quem estava na nossa casa era eu.


          - Sr. K? Tudo bem?
          - Tudo. Chega mais!
          - Onde está a senhora?
          - Foi na rua, deve demorar.
          - Sei...
          - É que...
          - Fica à vontade!
          - Posso te pedir uma coisa?
          - Fala!
          - Huumm... [pegando a bunda de Sr. K., roçando o pau...]
          - Sabia que você me queria.
          - Não fala! 
          - Por quê? 
          - Porque eu sou macho. 
          - Entende uma coisa: falou que rola, acabou. Tudo na vida da gente pós-moderna aqui é assim: as grandes novidades são o cinismo e a covardia. A gente sabe qual é a verdade, a gente tem horror de falar dela. Então, a gente desvia. Dá foco na bobagem, levanta que é o que não é, dá uma certa volta pra chegar onde quer. Chora e jura o que quer e o que não quer! É quase assim o trabalho de um advogado, o senhor me entende? Ou a gente inventa o fato ou compra a justiça.
         - Entendo, mas acho uma derrota. Dá muito mais trabalho inventar bobagens desviantes, negar, mentir o tempo todo, lembrar do que mentiu pra cada um... sei lá, curto mais a energia da verdade, do papo reto, do sexo livre de paranoias.
         - Desse jeito, o senhor vai ficar sem ninguém. Agora, posso te pedir uma condição?
         - Sim, fale.
         - Ponha a peruca. Eu quero você mas tem outros no mato... sabe como é, né? Depois os caras me chamam de viado, viram tudo testemunha... 
         - Sei... fechar a janela e a porta não são suficientes?
         - O senhor tá antigo mesmo, hein? Sua casa tem câmera pra todo lado, Sr.K. Ninguém esconde mais nada. Quando você menos imagina, você já está no DVD da casa de um, na internet da casa de outro, e por aí vai. Nunca sentiu os comentários das pessoas? Jogam verdes inacreditáveis, parecem sempre saber o que rolou com você. Até aquilo que você fez sozinho, absolutamente sozinho.
         - Como cagar, por exemplo.
         - Sim, como cagar.
         - Deixa eu ver se entendi: ninguém esconde mais nada, todo mundo vigia todo mundo. Mesmo assim, temos que nos esconder do outro, de nós mesmos, se não falam mal da gente. Se falarem, a gente perde. Perde a moral, perde tudo. Se não falarem, é porque têm rabo-preso. Um joga pro outro o ônus de ser feliz, é isso?
       - É mas... quem dá o ônus é o senhor, né? Eu sou macho!
       - Sei...
       - Mas se o senhor gostar e me der um dinheiro aí, tudo bem. Posso dizer pra todo mundo que foi por dinheiro. "O viado me pagou". Prostituição não é problema, o problema é ser viado. Se as pessoas souberem que eu ganhei uma grana, elas me perdoam. Além disso, é costume: o senhor é mais velho que eu, tem que pagar.
       - Faz o seguinte: some daqui!
       - Por quê? 
       - Este contrato me broxa. 
       - Mas são as leis!
       - Fodam-se as leis!
       - Mas o senhor não é assessor do advogado? 
       - Sim, sou assessor do advogado. Escrevo mentiras para salvar pessoas da cadeia. Para fazê-las ganhar uns trocados de indenização. Adianto a vida. Mas agora estou pensando: tem gente que quer viver na cadeia. Você é uma delas! Portanto, não vai sair daqui tão fácil.
        - Isso é uma ameaça? 
        - Não, não é uma ameaça. É um fetiche sexual. Você está preso!
        - Mas o doutor jurou que eu não iria preso por comer a mulher dele...
        - De fato [já passando as algemas na cama e o braço do rapaz], você não vai preso por ter comido a mulher dele. Você está preso por alimentar o ônus do prazer que tanto curte e tanto condena! 
         - Nossa... e o que faço agora?
         - Chupa! 


         Conta o registro popular que este rapaz ficou preso por três dias, passando por diversos "tratamentos de choque", na casa do Sr.K e da esposa do advogado. Só saiu com o documento assinado, carimbado e fotocopiado. Dizia assim o papel burocrático: 


      "Dei, comi, chupei, beijei e senti todo o carinho dele sem lhe pagar um tostão. Sou viado também. Assino e dou fé." 


      Depois dessa, o rapaz se mudou da cidade. Precisava recomeçar a vida em um lugar em que a sexualidade, o desejo, o prazer, não eram crimes caros, rolos gigantescos ou demandas tão graves. 


        Foi pro Rio de Janeiro achando que iria encontrar a liberdade que não tinha no interior de Minas. Ficou assustado. As pessoas da cidade também estavam cabreiras demais, cheias de melindres... sentiu que a prisão ideológica estava grande. Fazia parte de um ônus cultural da época, espécie de avanço careta sobre o passado recente de conquistas no campo da liberdade do Ser. 


          Observando a realidade, não se fez de rogado: decidiu virar marinheiro. Sentiu que, se era pra ser maltratado, pelo menos deveria ganhar bem do Estado e passar batido em cada porto. Entre um porto e outro, o navio, pelo menos, seria uma festa à parte! Quem seria o louco de dizer que iria acabar com a sua carreira? O rabo- preso que um dia o torturou, de repente, virou sua principal arma contra os inimigos. Sem querer, estes, por cinismo e covardia, lhe deram um poder incomparável. Hoje é agradecido ao assessor do advogado e dizem que relê os contos libertinos do Marquês de Sade como se fossem hinos nacionais.           
          
              
          
  


         

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