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Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
Estudante, professor e agente da História de seu tempo. Deformado pela Universidade Federal Fluminense, pela capacidade de resiliência em torno de causas justas, pela coragem e pela sinceridade. Dinâmico, espiritualista, intuitivo, libertário, imprevisível. A leitura de seus textos é recomendada a quem faz uso de covardias.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Guerra cibernética: do virtual ao real

    O grupo de hackers/crackers conhecido por "Anonymous" ou, em português, "Anônimos" é uma novidade significativa na organização coletiva de pessoas que atuam no mundo virtual com o conhecimento de tecnologia de informação (TI) suficiente para fazer bons estragos no sistema em nome de boas causas. Sabe-se das dificuldades que representa agir neste meio mantendo-se em sigilo absoluto, uma vez que para cada um que age na clandestinidade existem dez profissionais capacitados pelo sistema para defendê-lo contra ataques cibernéticos. Há, porém, um aspecto louvável entre aqueles que atuavam de forma individual e estes que buscam uma atuação coletiva: a consciência política libertária associada à formação tecnológica estão construindo uma nova ética no meio até então plenamente manipulado pela ética empresarial ou das grandes corporações econômicas. 

              O sistema capitalista tem se utilizado dos avanços tecnológicos ao longo de toda a sua história de trezentos anos de hegemonia crescente com dupla conotação politico-ideológica:  por um lado, convence a população dos novos recursos que adiantam cada vez mais suas vidas cotidianas. Este seria o aspecto positivo das novas tecnologias, desde aquelas primeiras máquinas que substituíram o trabalho humano exaustivo por uma produção em série, em quantidade e tempo recordes, até a era digital. Diminuir o esforço humano, as barreiras da condição física humana sobre a natureza, sobre as distâncias, sobre o tempo, sobre a sua própria capacidade de produção e consumo. Nisto, de fato, avançamos muito nestes últimos trezentos anos de história, sobretudo nos últimos cinquenta. Incomparável, aliás, o avanço tecnológico da humanidade nas últimas décadas sobre todos os milhares de anos antecessores. Isto é um ponto. Alguns creditam simplesmente ao capitalismo, outros veem nele um meio por onde se processou o que a humanidade conseguiu desenvolver a partir de sua própria experiência e conhecimento acumulados ao longo de um milhão de anos. 

           Para este segundo grupo, o qual integro, não há por que comemorar a glória do capitalismo nos feitos tecnológicos. Isto por que houve uma evolução contínua e uma involução permanente. É aquele ditado popular que diz "deu com uma mão e tirou com a outra". Experimentamos e alcançamos evoluções tecnológicas contínuas tendo na lógica capitalista as bases econômica, filosófica e moral por onde direcionamos erroneamente o sentido das descobertas. Para e pense: se era para que trabalhássemos menos e desfrutássemos mais dos avanços tecnológicos, todos nós enquanto espécie, por que vem ocorrendo justamente o contrário? Quanto mais tecnologias dispomos para nos esforçar menos em trabalhos insalubres, exaustivos, repetitivos, desumanos, podendo deixar tais tarefas para as máquinas, e assim darmos um salto coletivo de qualidade de vida, mais estamos tendo que trabalhar ou nos sujeitar a esmolas, desmandos, abusos, doenças, manipulações, depressões e toda a sorte de escravização moderna. A esta resultante, que é de ordem cultural e move o mundo por interesse econômico no domínio e no privilégio de poucos sobre muitos, é que atribuo a involução permanente que representa a manutenção do capitalismo sobre os avanços tecnológicos.  

               Cabeças geniais não são construídas de forma individualista, dependendo de pai, mãe, comida, educação, saúde pública, ambiente saudável, trocas de experiências com os diferentes humanos e, ainda, humildade para ler e compreender as contribuições de todos, dos mais estudados aos analfabetos de pai e mãe. Perceba que os maiores CDF´s ("cus de ferro", expressão que qualifica os "nerds" no Brasil, ou seja, os estudantes mais aplicados) e mesmo os adultos mais cultos e sábios sempre foram e sempre serão os mais humildes no jeito e no trato com os outros, não se importando com exibicionismos materiais ou de domínio. 

            Quem tira onda e pisa no outro é 171, aproveita-se muitas vezes da habilidade com a comunicação para dizer que conhece profundamente o mundo e não conhece. Paga por isso. É um erro que só interessa aos mesquinhos o patrocínio de determinadas biografias como se fossem exemplos de heroísmo porque construíram impérios materiais à custa da exploração de muitos. Para todas as religiões existentes no mundo, não à toa, o desapego material é chave para a libertação da condição humana. Só não vê quem se aproveita da fé, do desespero e da ignorância dos outros. Só o capitalismo, criador de tanto mal-estar social, baseia-se no acúmulo de dinheiro nas mãos de poucos, na superficialidade das relações e na estranha crença de que é a luta do indivíduo sozinho que pode torná-lo superior. O Ser humano é maior do que sua prisão mental ao Deus Mercado, pode ser maior e será maior, aproveitando-se, inclusive de tecnologias e paganismos criados durante sua fase histórica de passagem. É o que acredito. É o que vejo acontecer com a guerra cibernética em curso. É o que também observo nos crescentes protestos contra os malefícios causados pelo egoísmo, pela vaidade, pela hipocrisia e pela ganância.

              A história nos conta que Santos Dummont, criador do avião, teria entrado em depressão e se suicidado após ver sua descoberta sendo utilizada para a guerra. O avião deveria servir à humanidade para transportá-la em tempo menor a distâncias maiores, de forma segura e sensata. Não para carregar bombas e munições capazes de exterminar milhares de vidas por domínio e ganância. Steve Jobs, fundador de um império como a Apple, é idolatrado no mundo por sua criação da era digital - os computadores cada vez mais portáteis. Mas sua empresa, aquela que ele administrava ou ao menos supervisionava até bem pouco tempo antes de sua morte recente, já se utilizava de mão-de-obra infantil escrava na China para produzir e vender a preços baratos. Isto tira o mérito da descoberta, desqualifica os donos irresponsáveis, rebaixa o Ser humano que deveria ser beneficiado pela tecnologia da espécie. A tecnologia pertence à espécie humana e não ao indivíduo que a criou, que a produz ou que só tem o direito de consumi-la por possuir dinheiro num mundo que ainda não remunera a maioria trabalhadora dignamente. 

            Se era para que muitas pessoas se beneficiassem com uma comunicação instantânea e globalizada, os IPads ou IPods não poderiam sacrificar crianças ou adultos que os produzissem, deixá-los sem comida, sem saúde, sem direito de usufrui-los. Isto, na minha visão, tira da Apple e da Foxccon o direito de existirem na China ou em qualquer lugar do mundo. Será que sou radical? E quem defende a propriedade privada de uma meia-dúzia sobre o sacrifício de muitos é o quê? 

             Todos que lucram ou consomem produtos feitos à base de escravidão são eticamente comprometidos com a sustentação dessa distorção. Ultimamente eu tenho boicotado produtos chineses em geral, pois aquele precinho baratinho e aquela qualidade vagabunda são proporcionais ao desespero máximo de muita gente chorando no meu ouvido quando durmo. Não quero, choro em lembrar, em ter a consciência disso e fingir que sou alheio. Não sou, alienação ou alheamento são construções culturais dos que dominam àqueles que se permitem dominar achando que estão (ambos) tirando onda com a desgraça alheia que retorna. O modelo chinês não está restrito à terra que faz isso sendo governada pelo Partido Comunista (!?). É modelo internacional, é dinâmica própria do sistema capitalista na fase atual de desenvolvimento, de maneira que buscar mão-de-obra barata (ou escrava), subsídio estatal e matéria-prima onde eles estiverem disponíveis no mundo inteiro, tem sido verdadeira obsessão covarde. Na China, na Malásia, na África, ou mesmo aqui, na sexta economia do planeta (à frente do Reino Unido!!!).

                A briga virtual é uma subversão a este sistema por dentro, com conhecimentos tecnológicos avançados e consciência política de que o capitalismo passou dos limites. Se a internet nasceu livre foi um equívoco sistêmico proveniente da contradição dos poderosos ou da capacidade dos estudiosos que trabalham para eles mas que não concordam tanto assim com seus abusos. Permitiram em meio ao discurso de liberdade que o capitalista liberal enche a boca pra dizer que defende mas que, em verdade, abomina se chegar ao ponto de ameaçar sua propriedade privada e seus privilégios. O limite entre ciclos autoritários e ciclos democráticos sempre foi justamente este: recorria-se ao autoritarismo dos regimes de exceção sempre que a classe trabalhadora passasse a se organizar mais, a lutar mais por seus direitos, a exigir mais divisão do bolo. Estamos em um momento de esgotamento da expansão global da exploração máxima e esta é a razão da crise econômica mundial, baseada na pretensão dos exploradores de que sempre dá pra tirar mais um pouco. Logo, a pressão por limitar a circulação de dados e informações na internet invocando o direito autoral e o necessário pagamento pelo uso das obras à esta altura do campeonato, em que uma geração inteira já ficou habituada a baixar música, vídeo, livro e tudo o mais, sem pagar porra nenhuma, e, mais que isso, habituou-se a estudar a coisa, como circula e como funciona, ao ponto de derrubar sites de importantes instituições públicas e privadas, chega a ser cômico.

               A internet é anárquica por sua natureza e o estudo da Tecnologia da Informação, a formação política de profissionais vinculados à área, uma realidade cada vez mais presente e cada vez mais ameaçadora a um sistema econômico que se subordinou à informática para transmitir informações de toda a espécie e que não contava em perder o controle da situação a tal ponto. Agora, querem recuperar a censura e o pagamento de direitos autorais para que empresas capitalistas de mercado superado pelo avanço tecnológico sejam protegidas ou resgatadas. Tarde demais, senhores!        

              

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