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Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
Estudante, professor e agente da História de seu tempo. Deformado pela Universidade Federal Fluminense, pela capacidade de resiliência em torno de causas justas, pela coragem e pela sinceridade. Dinâmico, espiritualista, intuitivo, libertário, imprevisível. A leitura de seus textos é recomendada a quem faz uso de covardias.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Desenvolvimentismo Autoritário do Rolo: uma análise profunda da Era Lula

             Ligo a TV e assisto aos telejornais do dia. Sim, sou das raras pessoas que curtem assistir a todos os telejornais possíveis, além de ler os impressos ou os digitais e, se der tempo, ouvir o Boechat do rádio. Acompanho blogs, leio o que os sites das principais correntes ideológicas em disputa no mundo têm para nos apresentar. Não satisfeito, ainda leio livros! Claro, não apenas o que os meus professores ou companheiros querem mas aqueles que aparecem e chamam minha atenção também. Como sustento certa preocupação excessiva em popularizar o conhecimento das ciências sociais, algo que me libertou de tantas manipulações e, se eu desse mole, acabaria me aprisionando em outras tantas, revezo-me atualmente entre leituras, certa dose de interatividade virtual e conversas francas com nosso povo na rua, no bar, nos espaços sociais de convivência. Como um professor-estudante brasileiro que se faz de bobo às vezes mas não é idiota que se acha malandro, sinto-me no dever de tecer considerações sobre o que vejo desses tempos de Era Lula. 

      Talvez fosse mais apropriado a História um dia cunhar este período histórico que se arrasta sobre o começo do século XXI no Brasil como "Era  do Desenvolvimentismo Autoritário do Rolo". O leitor vai entender por que chego a essa conclusão. Todos nós fazemos parte de um contrato social imposto e aceito simultaneamente que vem nos assegurando uma cadeia de ineficiência, desespero e fingimentos de todo o tipo e para tudo. A figura mitológica do Lula, não o passado que o projetou na vida pública mas o que fez dele para justificar sua guinada da social-democracia ao híbrido populista-liberal, sintetiza exatamente o que nós, enquanto sociedade, estamos sustentando ideologicamente na confiança de que nos tornaremos privilegiados de alguma forma no meio do caos.

         Sim, é uma sociedade de indivíduos que disputam ferozmente a expectativa do privilégio a qualquer custo, quando, em verdade, estão submersos no desespero da sobrevivência. Ninguém engana ninguém e todo mundo se engana quando tira onda que tem o que não tem, quando cobra do outro o que não é ou sequer tem moral para cobrar, quando pede ao jovem de hoje o foco em atividades que não lhe rendem mais o que rendiam antigamente. A mídia corporativa insiste em vender o peixe de um grande desenvolvimento econômico que vem assegurando empregos em massa. Você anda pelas ruas e avista facilmente um número cada vez maior de moradores de rua, pedintes, trabalhadores informais, desempregados, prostituídos de todos os pedigrees, bandidos e "malandros". Nas famílias da dita "classe média", o que mais tenho visto é idoso sustentando com suas aposentadorias e pensões quase todos os parentes. O que chamam de "classe C", ascendente e vigorosa, é um grupo que se apoia financeiramente em um pacote de rolos complementares: bolsas estatais que deveriam ser emergenciais e não eternas, aposentadorias e pensões de idosos que trabalharam em época de maior estabilidade, imóveis de parentes ou ocupações de áreas urbanas abandonadas para moradia, empréstimos, dívidas em excesso, pequenos roubos, redes religiosas de assistência e apoio mútuo, negócios sexuais que se travestem de amizade, atividades marginais paralelas (como a venda de pequenas quantidades de drogas, produtos contrabandeados, acessos "por amizade" a órgãos públicos ou instituições privadas, etc.). Ah sim, muitos são trabalhadores e estão empregados! Que maravilha, não? Perguntem quanto ganham em média e se sustentam plenamente todo o consumismo que ostentam as estatísticas apenas com esses salários. Nem  falo do consumismo, a sustentação do básico depende cada vez mais de "ganhos complementares" ou rolos! Você pode me achar radical em expor dessa forma mas sabe que estou tratando das coisas exatamente como estão fluindo.

         De fato, quando estes indivíduos conseguem crédito para montar seu próprio negócio lícito, o que nem sempre bancos ou financeiras estão dispostos a oferecer aos mais pobres, encaminham-se para este rumo de trabalho honesto. Isto só demonstra o quanto nosso povo quer trabalhar, quer viver honestamente, quer se livrar dos patrões escravocratas, das dependências familiares ou das atividades marginais que muitas vezes foram coadjuvantes na conquista do capital inicial para fazê-lo. Assim pipocam salões de beleza, lan houses, pequenos comércios, prestação de diversos serviços que exigem pouco estudo além do executável e operacional de pouca sofisticação intelectual. Isto é um outro retrato do desenvolvimentismo autoritário do rolo: quais as opções que restam a um povo com baixa escolaridade? Que desenvolvimento é esse que não tem como mola-mestra o investimento maciço em educação pública, em professores, em ciência e em tecnologia? Certamente um desenvolvimento enganoso, só para inglês ver.  E os ingleses, que não têm nada de bobos, veem claramente que o PT e aliados fazem um jogo populista que serve mais ao repasse da maior quantidade de verba pública aos mesmos privilegiados da história brasileira, enquanto massageia o ego dos mais pobres com benefícios que são verdadeiras esmolas. Que potência econômica é esta que se julga emergente no cenário internacional mas que não consegue oferecer dignidade real ao seu povo?  

             O PT defendia - e continua defendendo - políticas públicas que estimulem o crédito oficial e a assistência social aos mais pobres mas o abismo entre a propaganda oficial e a realidade de quem precisa é enorme na prática, o que faz os poderosos de sempre, aqueles que outrora tinham medo do PT no poder, serem os principais aliados políticos da tática do fingimento de esquerda. Da burocracia às exigências de comprovação de renda, da dificuldade em lidar com regras e acessos por conta da falta de estudo do povo, vai um leque de bloqueios na ponta que inviabiliza muita coisa. É mais ou menos assim: finge-se que se aplica a saída real para a miséria enquanto se administra, na verdade, um pacote de rolos para manter o povo na expectativa do privilégio. Àqueles que, mediante tal conhecimento, não se corromperam nos acessos disponíveis da máquina autoritária, duas medidas estão claramente postas: asfixia econômica até a submissão completa ou polícia para reprimir suas manifestações. 

       Quem se deixa enganar pela expectativa do privilégio, não luta para ter o que lhe é seu por direito.  Não se faz a riqueza das novelas de TV da noite pro dia nem trabalhando honestamente: o que temos, de fato, é um estímulo enorme para o sujeito se tornar bandido ou malandro. Uma espécie de malandro que, na real, é um grande otário porque procura tirar proveito do próximo em igual estado de dificuldade. Este é o ladrão de ônibus, o sujeito de classe média com vícios de cleptomania, o colega de trabalho que inventa ou cria caso para queimar o filme do outro para ascender na bajulação do patrão. Quem quer trabalhar de fato, não raro, não recebe pelo que trabalha ou é enrolado exaustivamente até alcançar uma esmola diferenciada nas próximas eleições, nos contratos temporários (mesmo os da iniciativa privada, cada vez mais hostil a direitos trabalhistas mínimos), nos projetinhos do terceiro setor, nas mais diversas espécies de "subemprego", trabalho servil ou semi-escravo, que constituem as estatísticas grosseiramente manipuladas do desenvolvimentismo autoritário do rolo. 

         Há um grande contingente de trabalhadores que orbitam a Corte com estes préstimos, muitas vezes vendendo a janta para comprar o almoço, comendo ovo e arrotando caviar, vivendo de "arte-do-faz-de-conta-do-que-se-é-ou-do-que-se-pode" combinada com pequenas atividades marginais (drogas, prostituição e revenda de roubos são exemplos típicos), dependência   familiar e dívidas sobre dívidas.

              O despertar de consciência do nosso povo quanto à sua realidade de opressão, sem expectativa de privilégios mas sim expectativa de direitos em comum, e a coragem de encarar projetos coletivos de apoio mútuo por causas que elevem todo mundo a condições mínimas de dignidade é a única saída para o que vivenciamos. No desenvolvimentismo autoritário do rolo,  poucas categorias profissionais estão sendo contempladas com salários razoáveis. À exceção do serviço público, nenhuma com a mínima estabilidade necessária para o sujeito pagar suas contas em dia ou planejar minimamente sua vida. Outro retrato da realidade de nossa "era de esplendor" é a quantidade de pessoas que disputam concursos públicos hoje em dia, deixando claro que tem muita gente insatisfeita, subempregada ou desempregada pela iniciativa privada, sem capacidade real de captar crédito para desenvolver um próprio negócio.

          Todo o incentivo que hoje é maciçamente abordado pela mídia corporativa e pelo governo federal no sentido de se formar mais técnicos de nível médio está no mesmo caminho que outrora se trilhou no sentido de formar graduados. Se hoje há poucos técnicos, o que eleva a procura por profissionais e seus respectivos salários no mercado, esta não será a realidade amanhã quando formarmos uma quantidade tal que sirva ao capitalismo como mão-de-obra barata. O desenvolvimentismo autoritário do rolo é ciclo capitalista do momento e, como tal, não valoriza seres humanos. Valoriza o lucro de poucos. Sem alterar a base de sustentação dessa lógica de mercado mesquinha e sem nenhuma referência na qualidade dos serviços que tanto propaga enganosamente, continuaremos bonitas marionetes, ora privilegiadas e metidas nesta condição que só cabe uma minoria, ora mal pagas, desempregadas ou subempregadas, sendo parte da maioria de novo. É de  uma burrice inquietante do trabalhador alimentar disputas entre trabalhadores que determinam quem vai comer, morar, sustentar seus filhos ou quem não vai. Defender repressão ostensiva a pobres que incomodam aos que estão na classe média hoje trata-se de uma visão de mundo limitada, incapaz de resolver o problema social. É tão desumano e tão míope que desconsidera o fato de que não estar na condição de privilegiado é quase a regra deste sistema para todos nós. Há toda uma pressão de poucas pessoas poderosas para submeter milhões de pessoas cada vez mais e é contra estes poderosos (e seus privilégios constituídos a partir do roubo de todos nós) que devemos lutar. O sujeito que fica reproduzindo o discurso que interessa aos poderosos, como aquele que atribui culpa individual simples, como se as pessoas desempregadas ou subempregadas em geral não quisessem trabalhar, ou fossem apenas incompetentes, não quer ver a realidade de um mercado de trabalho que não paga quem trabalha ou paga cada vez menos.

            Eu desafio cada um que se encontra em condição privilegiada atualmente a contar a verdade de como conseguiu tal feito. Preferem falar de amenidades, perguntar sobre a vida alheia, fazer disputas de quem tem mais propriedades, carros, bens os mais caros e modernos. Ou então elencam histórias heroicas de esforço pessoal que precisam de uma análise mais acurada.  De cada dez nessa situação, asseguro um que seja exceção de fato, que ganhou trabalhando muito e aproveitando a oportunidade de profissões mais bem remuneradas. Que aproveitou até a condição maior de estabilidade do passado e aí é um recado aos mais velhos que veem nos jovens de hoje um bando de gente vagabunda e incompetente: quero ver  trabalharem como trabalhamos, mostrando cada vez mais serviço e tomando cada vez mais voltas, portas fechadas na cara ou abusos de todo tipo. Os outros nove bem-sucedidos da estatística invariavelmente contaram com um dos elementos a seguir: herança de bens ou nome profissional; acessos privilegiados ao poder por conta de laços de parentesco ou amizades; ganhos com corrupção ou outros tipos de atividade marginal (nesta lista, incluo favores ilícitos, tráfico de drogas, roubos, prostituições não assumidas, contrabandos, revendas de roubos, etc.); casamento com gente de situação privilegiada; financiamento direto da família. Sem estas possibilidades citadas, as mesmas que os capitalistas chamam de "competência individual" porque sonegam a verdadeira fonte do capital ou do prestígio inicial, o desenvolvimentismo autoritário do rolo reserva aos demais a miséria quieta ou a revolta inerente. Na opção desta última, a polícia para dar porrada, expulsar, prender ou matar, a cadeia, o cemitério...

            Neste sentido, não há outra saída para o perigoso engodo do PT no poder que a consciência cada vez maior da maioria de que não deve lutar mais para ser privilegiado às custas da humilhação do próximo. Paralelamente, também não devemos ficar conformados com esmolas e assistências sociais de emergência, com rolos e promessas quanto a empregos que nunca chegam ou que, quando chegam, duram pouco ou nunca pagam o combinado. Temos que parar de fingir que estamos um melhor que o outro, assumir nosso papel na mudança da condição de todos, brigar unidos por direitos mínimos à dignidade humana. 


          Todo mundo tem que comer, morar, vestir, estudar, ter acesso à saúde, ao transporte público, se divertir e ter liberdade para pensar, se manifestar e ser tudo aquilo que não prejudique o outro. Um sistema econômico que não garante isso não nos serve. Produz mais desespero, conflitos e doenças, instabilidade física, psíquica e emocional. Até quando vamos ficar transferindo culpas a indivíduos quando há algo em comum que à grande maioria aflige de igual pra igual? Até quando vamos ficar atribuindo a epidemia de câncer ou de depressão a causas vinculadas a um comportamento individual, à    genética do indivíduo, à fraqueza, à falta de Deus no coração? Aprendi que um fenômeno humano deixa de ser individual para ser coletivo ou social quando se percebe uma grande quantidade de pessoas manifestando, sofrendo ou vivenciando o fenômeno. É o que ocorre entre a gente no que se refere a dificuldades econômicas que tornam a vida insuportável: elas vêm gerando consequências visíveis na qualidade de vida.


              Ora, se não temos educação de qualidade,  temos cada vez menos profissionais de qualidade em todas as profissões. Que importa? Temos que crescer! Ora, se temos cada vez menos profissionais de qualidade em todas as profissões, temos mais pilantras atrás de dinheiro sem garantia de serviço bem feito. Que importa? Temos que crescer! Se temos mais pilantras atrás de dinheiro fácil e qualidade zero em todos os serviços prestados, temos médicos que não sabem tratar pacientes, professores que não sabem ensinar, engenheiros que não sabem fazer conta, advogados que não sabem escrever, e por aí vai em todas as necessidades que temos por serviços em geral. Que importa? Temos que crescer! Se então temos pessoas irresponsáveis praticando toda a sorte de irresponsabilidades, deveríamos recorrer a justiça e processá-los, correto? Não, eles também estão lá na justiça, na polícia, nos governos, nos parlamentos. Que importa? Temos que crescer! É assim que estamos vendo a escalada de serviços mal prestados, contas e impostos cada vez mais caros, gente se matando de trabalhar para pagá-los e todo  o retorno que se precisa é malfeito, é feito sem cuidado, é feito sem conhecimento, é feito sem a preocupação com a punição se houver qualquer tipo de problema. Estamos num país de gambiarras, jeitinhos, emendas e muitos, mas muitos curativos, para dar conta das consequências de tanto pedantismo e mediocridade. Senhores, não adianta privatizar. O problema não é de gestão pública ou privada. O problema não é de metas quantitativas, pois estas não provam nada e só agravam as deficiências. O problema é de mentalidade. O desenvolvimentismo autoritário do rolo ensina que tudo deve ser feito de forma a se tornar um privilegiado imediato de qualquer mínima ação ou esforço. Em outras palavras, o bem-sucedido é o que se acha mais malandro, é o que tira mais do outro e, sem saber o quanto perde numa escala de ação e reação, já que todos precisam um dia do serviço do outro, é o que acaba sendo o mais otário porque perde o que tem de mais precioso quando mais precisa. Faz o quê diante desse trauma? Mais um rolo? Depende. Há situações definitivas, como a morte por exemplo, que não oferecem alternativa. Outras situações são impactantes, como ser injustiçado e acabar culpado pela injustiça que sofreu. Outras são corriqueiras, como perder sempre o que se custou tanto suor para ganhar.      


             É bom que se diga antes que pensem que estou aqui defendendo o PSDB ou "a direita": não, não defendo nenhum que defenda o mesmo modelo econômico com retoques diferentes. Para mim, na ditadura atual, PT e PSDB rivalizam como Arena e MDB rivalizavam durante a ditadura militar, ou seja, buscam o mesmo bipartidarismo estadunidense que só serve a uma fachada grosseira de democracia. Cada um fez e faz seu papel no capitalismo internacional, de acordo com a conjuntura necessária, de maneira que se o PSDB hoje chegasse ao poder daria continuidade ou até fortaleceria os princípios do desenvolvimentismo autoritário do rolo. Talvez privatizasse uma coisinha a mais aqui ou outra acolá...    

          Não adianta mais fingir, ocultar, inventar flores. Temos que ter flores reais! Nenhuma polícia pode deter o desabrochar das rosas de Recife, Vitória, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Teresina, Pinheirinho, Anonymous, Stop SOPA, Stop ACTA, Movimento Ocuppy, Professores e Bombeiros do RJ, estudantes do país inteiro. Convido você a construir esse jardim para contemplarmos e não mais esperar que governantes egoístas e mesquinhos o façam por nós! Questioná-los sempre, exigir e apontar suas irresponsabilidades, mas não perder tempo e gerações com uma colaboração indireta no projeto genocida: aquela que não enxerga o seu próprio papel na História. Não mais acreditar que a iniciativa privada representará qualquer qualidade maior que a visão míope e obtusa da usura de poucos sobre a existência de tudo. Vamos compreender um ao outro com menos disputas e mais apoios mútuos, vamos valorizar a sensibilidade e o prazer de elaborarmos juntos: está aí um caminho para aniquilar a mentalidade capitalista. Parece cristão mas nem os cristãos estão dispostos a executá-lo! Parecem mais preocupados em fazer o jogo da discriminação das marionetes, outra faceta do desenvolvimentismo autoritário do rolo: desunir, desunir, desunir para então manipular melhor. Uma esmola para um, um cargo para outro, 50% da arrecadação de impostos para especuladores... porrada nos gays! Estes padres e pastores preconceituosos prestam um bom serviço ao capitalismo e às dificuldades humanas. Eu não quero mais rolo, não quero mais gratidão eterna, eu quero solução digna! E a solução digna, eu sei, não habita no programa "Minha Casa, Minha Vida", mas sim no projeto de sociedade "Nossa Casa, Nossa Vida".                     

             

               
                      

                

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