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Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
Estudante, professor e agente da História de seu tempo. Deformado pela Universidade Federal Fluminense, pela capacidade de resiliência em torno de causas justas, pela coragem e pela sinceridade. Dinâmico, espiritualista, intuitivo, libertário, imprevisível. A leitura de seus textos é recomendada a quem faz uso de covardias.

sábado, 20 de agosto de 2011

Ser gay e ser normal: lutas e arranjos sociais paralelos


O sujeito descobre que é gay antes que o seja, pois a paranoia social, aquela que nos circunda desde a infância, faz de tudo para evitar o fato sem saber que é na necessidade de evitá-lo que mora a maior atração concreta dos acontecimentos. É quando aspectos culturais se fundem a aspectos espirituais, resultando numa relação de causa e efeito, que propicia ao temerário o enfrentamento daquilo que mais teme na vida. Vale pra tudo. Quanto mais paranoico com qualquer coisa, mais suas energias psíquicas ficarão orbitando na faixa vibracional do que tanto se importa, nada mais que um exemplo das desconhecidas capacidades e regras do poder mental humano de materialização do que idealiza em si, de si e para os outros. Como todos os gays, nasci de pais heterossexuais, como é da natureza divina a exigência para fabricação. Meus pais nunca foram liberais ou favoráveis à causa, muito pelo contrário, temiam e discriminavam, menos porque queriam ser e não foram e mais por uma reprodução cultural da formação católica que tiveram. “Pagaram a língua”, como diz a sabedoria popular. De tantos absurdos que ouvia em família, escondia meus prazeres deles mas não os escondia totalmente da sociedade. Convivendo entre a periferia e a elite da minha cidade, fui protagonista, coadjuvante e testemunha de histórias fantásticas, algumas das quais desejo compartilhar com meus leitores para proveito, em parte ou no todo, daquilo que os tocar a sensibilidade. 

Foi no convívio com a UFF que assumi de vez, mediante conhecimentos e amizades hetero/homo/bi/pan que me fortaleceram o espírito, e fizeram com que tomasse um rumo claro para quem quisesse ouvir ou não. Antes deste momento, ficava como uma boa parcela da irmandade: esperava a embriaguez ou o entorpecimento do outro para fazer e justificar dessa maneira. Ou me restringia à repetição dos casos confirmados, sem maiores aventuras que pudessem comprometer a imagem com comentários indesejáveis. À família, explicava que não trazia mulher pra casa, não tinha namorada ou mulher alguma para apresentá-los (sem dúvida, uma cobrança que acontecia e aporrinhava muito nos tempos de covardia) porque não queria namorar ou casar, o meu negócio era pegar várias sem compromisso. Nisto, conquistava o machismo dos conservadores. Fazia o papel do macho pegador, cheio das mulheres-objeto que nunca existiram. Sem rosto para justificar tamanha palhaçada, bastava falar que tinha e cada um falava que era melhor do que o outro. Iniciavam-me na tristeza que a competição humana sempre me causaria, ao mesmo tempo temperada com hipocrisia, em que investiam na construção de uma sempre bem compensada covardia. Se dissesse ao meu pai que precisava “fazer uma menina aí”, conseguia descolar um dinheiro que não conhecia normalmente. Um primo me ensinou o segredo. Como morava com meus pais, minha luta sempre foi deixar a casa deles o quanto antes para que pudesse viver livremente, sem cobranças ou insultos, os prazeres que a orientação “esquisita” impunha.

Se não tenho a certeza de que nasci assim, sou propenso a acreditar que o fator genético esteja presente apenas para justificar o trabalho dos geneticistas e neurologistas, o que é sempre uma ameaça perigosa de racialização oriunda da teoria  eugenista. Tornamo-nos assim por uma predisposição espiritual, parece-me mais adequado afirmar, que se encontra com a nossa própria visão de mundo em formação, propiciando a combinação perfeita para uma atração sexual imbatível que afeta todo o jeito de ser e de estar no mundo. A interpretação espírita dá conta de escolhas anteriores ao nascimento, escolhas estas feitas pelo próprio espírito, que as faz para cumprir um projeto de aprendizado na Terra (o planeta de provas e expiações que vivencia, atualmente, uma transição para se tornar um planeta de regeneração). Logo, o nascimento de gays, filhos de casais heterossexuais preconceituosos, seria uma das formas de aprendizado mútuo dos espíritos que reencarnam, tanto o bebê quanto aqueles que o geraram materialmente (a intricada relação entre pais e filhos), em sua relação entre si e com o mundo. Tanto os pais quantos os filhos teriam feito a escolha antes de serem reencarnados e, como em todas as demais reencarnações, não lembrariam desta escolha feita no outro plano. A memória material seria frágil demais para comportar a memória do Éter, sendo facultada àquela apenas os pequenos insights (ou breves percepções de já ter vivido, de já saber antes ao fato material, flashes de premonição, rápidas sacações sem qualquer vínculo com um conhecimento prévio, pensamentos sutis que são trazidos do inconsciente à consciência sob forte sensibilidade e inspiração).

Logo, como em todas as demais possibilidades humanas, a homossexualidade seria perfeitamente compreensível, ainda que alguns setores do espiritismo mantenham-se reticentes à naturalização por força de sua condição judaico-cristã. Porém, o que me faz admirar a postura espírita é justamente o caminho da compreensão, da inclusão e, por que não, da naturalização da diversidade sexual como fenômeno espírita decidido a aprimorar os indivíduos, e não de condená-los ou persegui-los, o que constitui um avanço significativo entre as religiões monoteístas. 
           
 Tanto é assim que tenho boas lembranças, ainda que vagas, repassadas por insights que emergem do encontro com situações específicas e remetem-me à infância. Ainda que não tivesse a malícia de um adolescente, muito criança mesmo, já era possível sentir rastros da fixação por figuras do mesmo sexo em diversos momentos. Nos homens, mais do que em mulheres, penso eu, há uma paranoia que atravessa diversos momentos de encontro. Muitos pais – e os meus não foram diferentes – preocupavam-se em fixar a cor azul dos móveis e roupas, o carrinho como brinquedo, o futebol como vício masculino e a orientação clara para brincar apenas com crianças do mesmo sexo, afastando-nos dos que todos tiravam como homossexuais, sendo-os ou não, pois talvez fossem apenas heterossexuais “delicados”. Muitas eram as discussões entre os meus pais sobre a minha criação e eu as ouvia e as entendia perfeitamente. Enquanto minha mãe me tratava sem paranoia, agradando mas também cobrando disciplina, estudo, higiene e boa conduta, meu pai era mais distante, apesar de morarmos juntos, e aparecia na minha formação, após um dia de trabalho, como aquele extremamente preocupado com duas coisas: em assegurar materialmente a casa e em formar seus filhos como machos plenos. Educação também era uma exigência acompanhada de estrutura e cobrança, uma vez que, se na cabeça dele, o estudo era importante, também o era brincar e conviver com meninos da minha idade. Eu gostava da escola, do estudo aos colegas de lá, e tinha horror de brincar com aqueles coleguinhas da rua. Meu pai não entendia, achava que minha mãe superprotegia e que estava criando filhos viados ou babacas, coisa que minha mãe jamais desejou também. Muitas foram as vezes em que fui retirado das leituras e escritas aos prantos, expulso de casa para brincar na rua e, na rua, acabei encontrando o que tanto amedrontava meus pais e que tanto curtiria também: o sexo precoce com pessoas do mesmo sexo. Logo, tudo o que fez para evitar foi inevitável e, antes mesmo de inevitável, tornou-se cada vez mais presente e forte.

Iniciei minha vida sexual com 11 anos de idade e a iniciei pegando mulher e homem na mesma época. As únicas condições para pegar alguém do mesmo sexo eram o silêncio social eterno, a continuidade das brincadeirinhas machistas para disfarçar e sempre exibir uma mulher-objeto para a sociedade. Nunca tive dificuldades com as práticas nem fui estuprado, tendo sido iniciado por homens que tiveram o cuidado de me apresentar o sexo como uma brincadeira entre eles que, se eu quisesse, poderia participar ou não. Sempre tive a consciência de ser uma espécie ameaçadora, pois não tinha um jeito afeminado, como imaginam os heterossexuais acerca de nosso estereótipo, mas constituía simplesmente a maioria enrustida que ninguém diz que é ou que gosta, ou seja, o maior objeto de desejo e de temor das mulheres quando projetam sobre seus relacionamentos a possibilidade de um enrustido enganador à nossa imagem e semelhança. Isto, claro, nos tempos de falsidade ideológica. Quando me assumi publicamente, a relação com as mulheres heterossexuais passou a ser ambígua: misto de perda, solidão e enganação de seu domínio (complexo de Hera) à amizade profunda, a qual se sabe que não está ali desejada sexualmente, mas admirada e considerada para além dos prazeres carnais o que faz muitos amigos heterossexuais a insistir que somos, enquanto gays, grandes facilitadores da aproximação entre eles e as mulheres. Sem obrigação de assim ser, nada mais que o que qualquer amigo faria por qualquer amigo.
        
 É claro que tenho na minha cabeça, graças aos estudos em ciências sociais e humanidades, um esboço claro de fatores que constituem a personalidade dos indivíduos em minha sociedade. Com a minha realidade particular não seria diferente. Quando digo que a UFF me libertou em diversos aspectos, refiro-me diretamente a este conhecimento e ao convívio com diversidades, pois como olhar o que é de influência religiosa, o que é de influência capitalista, o que é de formação individual e o que é de melindre típico de uma época, de um espaço ou de um agrupamento humano específico, sem o estudo de História, Geografia, Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Psicologia e Filosofia?

Mas hoje sei que olhar e identificar não é suficiente: é preciso praticar a diferença, cobrar o respeito, respeitar o diferente e libertar a humanidade dos melindres que a escravizam, estes que cristalizam relações ou infelicidades coletivas como óbvias, que nada mais são que oriundas da necessidade animal de domínio. A evolução humana, na minha perspectiva, acontece à medida que nos desapegamos ou nos desvinculamos de disputas de poder, um traço que persiste na História Humana, como motivo de erro, crueldade e culpa, mas que sempre se enfeitou de uma propaganda enganosa de superação, virtude e capacidade. Está na competição e na disputa de poder a raiz das maiores mazelas sociais, das maiores injustiças e das maiores revoltas, dos maiores crimes e das maiores intolerâncias. Em nossa criação, até mesmo entre pais que exacerbam um projeto alternativo de sociedade, percebe-se o estímulo à competição, à necessidade de se rebaixar um perdedor diante da vitória do vencedor e, para tal, não é raro, fazemo-nos valer de estereótipos do vencedor, de modelos de fracasso e de sucesso a serem combatidos ou seguidos entre as crianças.

Um dos modelos de fracasso mais presentes na criação humana é o que se pinta erroneamente acerca do homossexual, ser que, na prática, revela-se de uma criatividade punjante, de uma sensibilidade fantástica e de uma dedicação ao trabalho incrível, uma vez que, como qualquer tipo humano discriminado, torna-se obrigado a comprovar méritos para além do exigido habitualmente aos demais. Assim como os negros têm de provar que são bons profissionais apesar da cor da pele, nós temos de provar que somos bons em qualquer coisa além do que somos na cama, na voz e nos trejeitos. Tamanho absurdo desconsidera o que é possível perceber naqueles que se atraem pelo mesmo sexo: uma fusão peculiar de qualidades e afeições de ambos os sexos, o que certamente incrementa a espécie humana e não a perverte, como obsessivamente focam os pensamentos judeu, cristão e muçulmano há tanto tempo, numa tentativa insana de obscurecer o prazer e fragilizar, dessa forma, o humano que se pretende manipular.

Após tanto sofrimento ao longo da história, o homossexual começa a ganhar espaço e respeito, ainda que duramente rechaçado, principalmente por semelhantes híbridos, cuja constituição das personalidades foi forjada no desvio da hipocrisia. Sei que há excessos também, pois o momento é de euforia histórica em torno das conquistas recentes e crescentes de direito à existência do Ser, que finalmente se emancipa após milênios de domesticação e humilhação dos monoteístas e dos nazistas. Isso é significativo e, por tal, compreensível que assim o seja. Por outro lado, considero a necessidade de se impor como moda um excesso que a história do movimento LGBTT tratará de corrigir à medida que a própria sociedade corrija também sua incrível obsessão pelo que o outro faz na cama. A sociedade brasileira, pelo menos a que eu conheço bem, ainda trepa preocupada, culpada e sem orgasmo, porque não vivencia tanto o prazer do ato em si o quanto direciona energia para a perseguição do ato alheio, o que vão falar e o que vão pensar sobre a revelação das quatro paredes, suas consequências reais e hostis sobre os ambientes familiar, profissional e público.   É notório que tal situação mal-resolvida, fartamente avaliada por Freud e ainda pertinente cem anos depois, alimenta produtos capitalistas, ódios religiosos e manipulação política de todos os setores envolvidos, favoráveis e opositores ao direito de Ser.

Ao contrário do que muitas pessoas defendem, de que há uma preocupação do sistema capitalista em transformar todos em gays, o que há, na real, é a exploração da polêmica que já não deveria mais existir entre favoráveis e desfavoráveis ao direito de Ser do outro, uma polêmica iniciada e sustentada por religiosos cristãos e que marcou muito nossa mentalidade coletiva pela estratégia de colonização europeia (portuguesa, católica e moralista), já que sabemos hoje que os indígenas nativos praticavam a homossexualidade sem problemas até a condenação sistemática de seus catequizadores/inquisidores católicos que chegaram unidos ao projeto do Estado Português. Basta se ler Padre Manoel da Nóbrega, catequizador voraz da época, sobre a prática sistemática do “pecado nefando” (como se referia ao sexo entre homens tupinambás), em obras de sua autoria. Ou mesmo Von Martius, botânico que se empenhou em estudar espécies da Amazônia no Império, sobre as mesmas práticas que, para ele, eram sinais de selvageria, argumento que fundamentaria a evolução racial do positivismo ao nazismo.

A forte condenação à homossexualidade na América Latina é proporcional à presença do moralismo católico na região, hoje corroborada pela concorrência paulatina dos radicais evangélicos na condução de parcela vulnerável da sociedade (ao lado da discriminação) e pela igualmente crescente e concorrente evolução das liberdades individuais (que buscam firmar o direito de Ser e os direitos civis inerentes, com maiores ou menores restrições) que fizeram crescer a emancipação dos direitos civis em relação ao dogma religioso sem, contudo, livrar-se plenamente da insistente condenação inquisitória dos tempos coloniais. É por isso que assistimos a episódios de homofobia que nos indignam mas que, infelizmente, sempre existiram, não necessariamente oriundos de católicos ou evangélicos coerentes ou “praticantes”, mas que carregam a chaga do que há de pior no dogma sem maiores reflexões do quanto estão agindo por impulsos dados por quem objetiva manipulá-los ao seu bel prazer material. Que eu saiba não há Roma sem putaria nem Brasil de rígidos celibatários... 

 Escapa-se atual e mais facilmente de outras discussões necessárias, até mais cristãs do que essa, no meu humilde entender, como o Amor ao Próximo como a Ti Mesmo. O Direito de Ser é indiscutível, sendo facultado aos indivíduos Ser o que quiserem Ser de suas essências e oportunidades de prazer individual, desde que estas não residam no extermínio do outro Ser, o que limitaria a propriedade privada como direito individual, por exemplo, mas não eliminaria o direito de se fazer sexo consentido com quem quer que fosse. Mas para não se discutir os abusos do direito à propriedade privada, sobretudo em tempos de acúmulo de capitais insuportável por uma ínfima minoria, é possível que a aliança entre lideranças cristãs, judias, muçulmanas e capitalistas, de fato, prefira sustentar a polêmica do direito de Ser gay. Seria politicamente muito menos nocivo aos seus interesses mesquinhos focar em polêmicas sexuais dos tempos medievos, reconfiguradas por nazistas, como em outras formas de racialização, pois teriam como resultado o lucro político, econômico e financeiro que os produtos do ódio e/ou os produtos da aceitação imprimiriam às suas respectivas necessidades de domínio e de acumulação materiais. Com a vantagem de ver todo um povo obcecado por esta razão menor, conferindo disputas insanas entre si, fragilizando o maior número de indivíduos por subcategorias segregacionistas e promovendo um bando de racistas que projetam ódio por temerem a prática do que justamente fortaleceria seus respectivos espíritos: o direito de Ser e a União dos oprimidos contra um inimigo opressor maior, comum a todos e forçosamente naturalizado, como é o caso da mercadológica para a maioria da espécie humana, em situação gravíssima de miséria e violência.


VOLTANDO À MINHA PRESENÇA NA HISTÓRIA


Já fiquei e fiz sexo com muita gente, é verdade. Quase sempre de camisinha porque, se assim não o fizesse, já estaria doente ou morto. De adolescente reprimido a adulto carente de um grande amor de verdade, de louco tarado que não podia ver quem me excitasse que já achava que deveria investir ao tipo contido e remediado, que desconta em outrem as frustrações de alguém que esperava do outro a iniciativa que não veio. Casei por três anos, separei, voltei a ser solteiro. De lá para cá, entre experiências que vivi e as que pretendo ainda vivenciar, aprimorei o olhar, irrefutavelmente a maior arma de um gay na sociedade, e passei a ficar mais exigente, considerando aspectos que não apenas os carnais na escolha dos parceiros. Não me interessa o tamanho do pau, os músculos, o dinheiro ou a carinha de eurodescendente: interessa-me o conjunto da obra que se apresenta à minha frente, incluindo a coragem de Ser o que quer que seja, a capacidade de se comunicar e de se sensibilizar com um mundo melhor. Não precisa concordar em ser meu espelho não, pois, apesar de megalômano e narcisista, já desencanei com essa pretensão há muito tempo. Se vier alguém mais humano do que a média, disposto a um envolvimento circunstancial ou duradouro, acrescido de outras características físicas, ótimo, tornar-se-á bônus. Se não, foda-se! Prefiro um cara de face esquisita, boa conversa e boa trepada, ou ainda ficar sozinho, que um bonitinho galã que me venha, do início ao fim da sacanagem, com ameaças para caso revele suas preferências na cama e ainda faça malfeito, justamente por paranoias do tipo! Ando sem paciência com os enrustidos, embora conceda à maioria da classe a benevolência necessária à condição de maioria, e seja adepto das cotas raciais para feios, esquisitos e medíocres, justamente por apostar incansavelmente na superação de nosso traço cultural aristocrático mais característico, e fazer de minha práxis uma luta pela necessidade de alcançarmos uma coerência mínima entre discurso e prática em todos os sentidos existenciais.  

Há quem não me reconheça mais. Depois que descobri, por exemplo, que me dava muito melhor numa pegação quando saía à noite sozinho, passei a não alimentar mais expectativas quando estivesse entre amigos, em rodas de bar ou em festas. Não preciso aparecer pegando nem vi nesta atitude muito sucesso. Há dias que são para os amigos e há dias que são para as demais atividades mundanas, com a rica possibilidade que o fato de ser carioca oferece de podermos puxar assunto e desenvolver intimidade momentânea com qualquer desconhecido, ainda que a violência urbana tenha conferido um medo desgraçado das pessoas em geral de conhecerem o desconhecido não apresentado por ninguém de confiança. Eu prefiro pedir proteção ao outro plano, observar a atitude de cada um ao seu modo e estender ou não a confiança no desconhecido, jamais o negando a uma primeira oportunidade de diálogo, aventura e magia. É claro que, em algum momento, você se dá mal. Mas o saldo, em geral, é bem mais positivo do que pensam os escravos disciplinados pela exploração midiática e/ou religiosa da desgraça alheia. O fato é que, sobrevivendo ao risco, resta o prazer da vida, a sensação de bem-estar que os padres e freiras são impedidos de reconhecer, a gargalhada e a história engraçada para contar aos amigos. A gargalhada fica em dobro porque os amigos não acreditam e aquela loucura fica mesmo só sua e de quem a compartilhou no momento, restando aos idiotas invejosos a mesma ojeriza que vitima de tédio os adeptos do politicamente correto, nome moderno do velho moralismo revigorado. É por essas e outras que não me resta outra pecha que não a de libertário, provocador e inquieto com a natureza arrumada dos humanos para eles próprios. Ninguém mandou que me deixassem descobrir como se tornam “poderosos” os que vociferam blasfêmias. Agora já é tarde. 

   Gozem, meus lindos, gozem bastante! Mas este “bastante” não é critério de quantidade, como tentam nos iludir os capitalistas com seus rankings hipócritas de sofrimento! Este “bastante” é qualitativo, carece de ousadia e tem na verdade seu aliado fundamental. Toda vez que mentimos pra nós mesmos e ainda forçamos ao outro a obrigação de também mentir, reduzimos nossas possibilidades de felicidade existencial, aproximamo-nos das depressões e das doenças de todo o tipo, oferecemos atrasos à vida alheia, atrasos que geram ódio, rancor, mágoa, covardia e vingança. O individualismo reforça a depressão espiritual da humanidade e não há outro antídoto para os males de nossos tempos que não o Amor ao Próximo Como a Ti Mesmo. Amar-se é ser possuído pelo prazer sim, mas o hedonismo por si só, o culto ao prazer pelo prazer, sem maiores reflexões ou envolvimentos sensitivos, não. Não é assim que o prazer assegura êxtase e é por essa egolatria desmedida que acabamos seduzidos pelos critérios quantitativos em geral. O prazer só é pleno ao indivíduo se ele consegue gerar prazer em outrem, se ele admite e facilita o direito de Ser ao outro em primeiro lugar, porque é desta estranha dinâmica (estranhada se, para além de um discurso bonitinho, um homem de nossa época, de fato, for capaz de cumpri-la) que se encontra o nosso próprio sentido de libertação. Quando se pensa em gerar prazer por critérios individualistas, aqueles que só comportam a supremacia da felicidade do Eu sozinho sobre o “foda-se” ao outro, temos mais perdas energéticas reais que acréscimos. Neste jogo, capta-se pouca energia, frágil e insustentável, requerendo o organismo humano a retro-alimentação constante, a quantidade de corpos em consumo, num fenômeno espiritual que chamamos de “vampirismo”. O que está rolando em nossos tempos exige de todos nós postura clara, reta e convicta quanto a princípios que não podem ser relativizados, como a coragem, o amor ao próximo e a verdade, sob pena de sofrermos muito, mas muito mesmo. 

        Para quem busca a felicidade e evita os males maiores do intricado jogo humano, ofereço um carinho gay que não apenas alivia... resolve! Pronto, mais do que a euforia das bibas escandalosas, minha oferta é pelo magnetismo curador, fruto do encontro, do olhar, do beijo intenso, do sexo incrivelmente consistente, da amizade paralela, da união por grandes causas e, sobretudo, por alguma continuidade que não involua ao nível do ciúme e da possessividade, mas que sim, evolua ao nível das incríveis descobertas que o Deus Chronos é capaz de revelar aos menos ansiosos por quantidade e mais instigados pela curiosa ampliação da sensibilidade que o acúmulo de encontros proporciona aos safados experientes.

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