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Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
Estudante, professor e agente da História de seu tempo. Deformado pela Universidade Federal Fluminense, pela capacidade de resiliência em torno de causas justas, pela coragem e pela sinceridade. Dinâmico, espiritualista, intuitivo, libertário, imprevisível. A leitura de seus textos é recomendada a quem faz uso de covardias.

sábado, 24 de setembro de 2011

Ambientalismo na província

Há uns quinze anos, recebi um convite para uma audiência pública que discutiria a construção do emissário submarino de esgotos da Praia de Icaraí, em Niterói. A reunião, como deveria ser, era aberta à comunidade e foi realizada no Colégio MV1 de Icaraí com engenheiros da CEDAE, técnicos e políticos do Governo Estadual e da Prefeitura de Niterói (ou do Jorge Roberto Silveira, já que não sei se esta pertence mais ao povo). Lembrei deste episódio enquanto lia, no jornal “O Globo”, uma reportagem sobre o excesso de lixo que vem sendo encontrado há dois anos, principalmente por pescadores, na Praia de Itaipu, Região Oceânica da cidade. Naquele ocasião [a da audiência pública no MV1], eu integrava o Centro de Referência de Niterói do Movimento de Cidadania Pelas Águas, uma iniciativa que havia sido trazida ao Estado do Rio de Janeiro pelo ex-presidente do CREA-RJ, o Engenheiro José Chacon de Assis, antes mesmo de sua ascensão à presidência da referida autarquia federal e do tempo em que fui trabalhar com ele, na qualidade de seu assessor para escritos e palestras na área. Chacon, ao que parece, anda desaparecido desde a sua saída do CREA-RJ, e pretende se candidatar novamente à presidência do mesmo conselho regional ainda este ano. Quanto a outros ambientalistas históricos da Província Fluminense, facílimo encontrá-los em cargos públicos importantes. Difícil é encontrá-los na luta que alçaram seus nomes ao estrelato político ou, para ser mais claro, na coerência entre discurso e prática.     


A preocupação de vários moradores de Niterói com as causas ambientalistas levou à instalação deste movimento em defesa de nossos recursos hídricos ainda na década de 90. Em 1997, por pressão de grupos organizados em torno da questão da água no Brasil, foi criada a nova Lei Federal de Recursos Hídricos, uma das mais avançadas do mundo. Através desta, foi prevista a gestão democrática dos recursos através de comitês intermunicipais e até interestaduais, baseados no recorte geográfico das bacias hidrográficas, além da criação da Agência Nacional de Águas (ANA). Todos fiscalizariam e permitiriam ou não, mediante consulta prévia e debates, qualquer ingerência da indústria, da construção civil, de indivíduos e empresas ou órgãos públicos, sobre os mananciais dos quais todos nós dependemos a existência física. Sendo a água fonte primordial de vida no planeta; sendo a água doce e potável indispensável à vida humana; sendo a água, em qualquer de suas formas, meio por onde o ser humano pode desenvolver locomoção, trabalho, renda, alimentação, esportes e diversões públicas indispensáveis à qualidade de vida no planeta, não pode o Brasil, sob o engano de que a possui em abundância, deixar-se vítima do trato inconsequente dos resíduos que a espécie humana, por capricho e conveniência consumistas, produz para sua própria destruição. O que qualquer criança de hoje fala e cobra à exaustão virou discursinho bonito sem ação prática e, até entre os menores, é preciso cobrar coerência, sob pena de encontrá-los fazendo o mesmo (falando muito e fazendo nada) em um tempo que depende cada vez mais de novas relações reais para com o meio. Será que subsistirá por muito tempo a espécie humana, tal como a conhecemos? Afogada ou seca, algo dela, acredito que sim. 


Fato é que, tal como ocorre com diversas legislações no país, esta também ficou sem pegar até hoje. O CREA-RJ mudou de gestão e não ofereceu mais aquela prioridade política que Chacon dispensava ao tema, injetando recursos em educação ambiental, envolvendo profissionais especializados na engenharia, na arquitetura e nas áreas correlatas da construção civil, ou até mesmo em comunidades inteiras. Houve um recrudescimento dessa ação do Movimento de Cidadania Pelas Águas, se não no Brasil, pelo menos no âmbito do Estado do Rio de Janeiro. Enquanto assistimos às antigas lideranças ambientalistas estaduais sendo contempladas com cargos públicos na Prefeitura de Niterói ou no governo estadual, assistimos à progressiva ausência de enfrentamento, debate e militância em defesa de um meio ambiente equilibrado.  Não há participação popular expressiva nos comitês de bacias hidrográficas – se é que estes comitês existem - e as privatizações na área de saneamento básico só pioraram a situação. Muitas ONGs estrangeiras vêm assumindo gestões locais com interesses os mais diversos, inclusive os de tomar conta de territórios estratégicos com água num futuro mais ou menos imediato. O Programa de Despoluição da Baía de Guanabara anda a passos vagarosos há vinte anos, tendo sofrido diversos desvios gravíssimos de recursos públicos. Se assim não fosse, este já teria proporcionado encanamentos e tratamentos adequados dos resíduos domiciliares e industriais, evitando que estes fossem despejados livremente em galerias pluviais e em “rios” com água fétida que cortam as cidades rumo às praias. Sem falar que não é possível que estes grandes e novos empreendimentos imobiliários não se sintam obrigados a cuidar dos recursos e dos resíduos, o que só revela a insanidade da ganância humana diante do caos já instalado.    


O resultado negativo, agora a olhos vistos, agravará e muito com este crescimento imobiliário descontrolado do município de Niterói nos últimos anos. Em função do crescimento econômico de setores subsidiados no país (construção civil, indústria automobilística, etc.) e de obras que vêm buscando sanear a capital fluminense para os grandes eventos internacionais e próximos, os cidadãos niteroienses vêm sofrendo reflexos inadmissíveis, que vão do aumento vertiginoso da violência urbana e do trânsito de veículos à poluição de suas águas. O que dizer, então, se resíduos da Baía de Guanabara vêm sendo trazidos para a costa oceânica da cidade? Fato que me lembra uma curiosa “lei natural” apresentada por engenheiros da CEDAE na célebre audiência pública para construção do emissário submarino de esgotos da Praia de Icaraí. Diante de projeto muito bem desenhado em PowerPoint, difícil de encontrar no Brasil dos anos 90, os engenheiros da CEDAE naquela época tentavam convencer o público, sob intensos protestos e reações, que um emissário de tratamento primário de esgotos (o mesmo que limpa apenas de 10 a 20% dos resíduos originais) seria perfeito ao transferi-los da praia à entrada da Baía de Guanabara. Segundo um dos doutores engenheiros – que fazia questão de repetir suas titulações de formação como peso suficiente para convencer a todos de que estava certo -, “haveria um encontro de correntes marítimas, a que sai da baía e a que entra, anulando (sic) assim a movimentação do esgoto para dentro ou para fora da baía”. Já que o esgoto ficaria parado na entrada (seria este o resultado da “anulação” das correntes, segundo sua defesa inquestionável), as praias não correriam o risco de continuarem poluídas. Pelo contrário, ficariam em pouco tempo próprias para o banho. Hoje, passados quase quinze anos dessas discussões, emissário e estação de tratamento de esgotos de Icaraí construídos e em funcionamento há pelo menos dez, a praia ainda conta com o canal da Ari Parreiras e uma galeria pluvial na altura da Miguel de Frias contribuindo para a perpetuação da poluição que ostenta enquanto praia da Baía de Guanabara. Afora inovações breves de uma corrente ou de outra, que ao contrário do que afirmara o douto engenheiro, continuaram indo para lá e para cá, nada de muito adequado ou próprio para o banho, como prometido pelas excelências, aconteceu.


A Companhia Águas de Niterói assumiu o lugar da CEDAE após a privatização, pelo município, do sistema de abastecimento e tratamento de águas e esgotos a nível local. Em seu período de funcionamento, construiu algumas estações de tratamento de esgotos na cidade, como aquela do Centro que explodiu recentemente e encheu de cocô o Mercado de Peixe e suas imediações. Pergunte à concessionária em qual destas estações recentes o tratamento dos resíduos domiciliares é terciário, ou seja, daquele nível que recupera 90% do grau de poluição das águas para reaproveitamento e/ou descarte na Baía de Guanabara. Ou mesmo secundário, com capacidade de recuperação entre 50 e 70%. Certamente, o mais curioso dos mortais não terá muita surpresa. Ela responderá: "e o seu hidrômetro, vai bem?" 

É lamentável observar a extensa lista de “valões” ou canais urbanos que se originaram em antigos rios exaustivamente degradados, resultando em canalizações de águas da chuva (galerias pluviais) que se misturam a redes clandestinas de esgotos, e têm, por fim último, a mesma praia do emissário que prometia jogar o esgoto a uma distância em que ele permaneceria parado em pleno mar. São muitos os canais e valões nas cidades do entorno da baía que continuam poluindo.


A notícia de que resíduos da dragagem da região da Baía de Guanabara onde se localiza o Porto do Rio de Janeiro estariam sendo jogados na costa oceânica de Niterói, levando ao crescimento da poluição na Praia de Itaipu, mostra que não estamos satisfeitos com a degradação de parte considerável de nossa orla, pois repetimos erros banais e ainda queremos destruir o que resta, agora com lixo. Triste saber que o Secretário Estadual de Meio Ambiente Carlos Minc (PT), ambientalista histórico do Estado, esteja “monitorando”, na verdade, concordando com um despejo absurdo desses em nome de um governo que já é um absurdo fascista há muito tempo, o de Sérgio Cabral (PMDB). A desculpa é exatamente a mesma daquela dada a respeito do emissário de esgotos da Praia de Icaraí há quinze anos: “não há perigo de poluir a praia porque as correntes marítimas e os despejos estão sendo monitorados”. É claro que não estão! É claro que o lixo não vai ficar parado ou se direcionará apenas para o oceano! Chega a ser tosco de tão irresponsável! Quem mora, se diverte ou trabalha na Praia de Itaipu vem denunciando o absurdo já não é de hoje.    


E o Secretário Municipal de Niterói, o Sr. Fernando Guida (PV), outro ambientalista histórico do município, recentemente cooptado (de novo) pelo eterno prefeito Jorge Roberto Silveira (mais de 20 anos no poder, PDT), que nada fala ou reage diante de tamanho absurdo? Enquanto isso, pescadores e banhistas de Itaipu sofrem. Terão que vender, comer ou carregar sobre o corpo o lixo que vem do Porto do Rio direto para a Região Oceânica da cidade, quando este poderia ter destino mais útil, sendo reaproveitado ou descartado de maneira responsável.


O município de Niterói tem este nome de origem tupi, que significa “águas escondidas”. E bota escondido nisso! Além de esconder lixo e esgoto in natura, estas águas também andam escondendo os ambientalistas da província, quietinhos como nunca mas ganhando o de sempre da parasitada. E antes que digam que devemos preservar também os parasitas, pois estes também seriam fundamentais ao equilíbrio ecossistêmico, lembro aos desavisados que excesso também desequilibra a cadeia improdutiva e que eu continuo atrás da minha fração sem êxito. Entendo, não é pra menos. Como querer água limpa e fração do lixo ao mesmo tempo? Eu sei como é difícil fazer ambientalismo na província! Só sobrou aquele ambientalismo dos anti-tabagistas chatos! Deus, que tempos! Minha fumacinha ficou mais nociva que os navios de lixo do Porto do Rio, que o excesso de carros nas ruas, que rodovias desnecessárias em ambientes ainda privilegiados pela natureza, que emissários de cocô para logo ali das praias ou no Mercado de Peixe... 

E pensar que, um dia, estive ao lado de uma comunidade em peso que quebrava, em protesto, as placas da prefeitura anunciando a construção de uma garagem subterrânea no Campo de São Bento. Esta garagem seria parecida com a que existe na frente do DCE da UFF, administrada pela privada Nitpark, e arrancaria árvores históricas da área de lazer. Não foi à frente por revolta intensa da população de Niterói, que fez o prefeito mudar de ideia e deixar o campo como está, numa das maiores vitórias do movimento ambientalista da cidade. Aliás, se pensarmos um pouquinho, não faltam bom motivos para um grande protesto em Niterói contra a sua administração municipal. Difícil será encontrar o prefeito...        

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