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Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
Estudante, professor e agente da História de seu tempo. Deformado pela Universidade Federal Fluminense, pela capacidade de resiliência em torno de causas justas, pela coragem e pela sinceridade. Dinâmico, espiritualista, intuitivo, libertário, imprevisível. A leitura de seus textos é recomendada a quem faz uso de covardias.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O mundo sensitivo


            Quer conhecer melhor as pessoas, os fatos, o próprio conhecimento produzido pela humanidade e tudo o mais que não se percebe das sutilezas do amor ao cinismo dos bárbaros? Então não há escapatória para um curioso contumaz como você, homem de potência, que reconhecer o encantamento dos feiticeiros, o comportamento dos médiuns, a sensibilidade dos artistas e a tranquilidade aparente dos sábios. Para tudo que existe, há algo que não existe para você porque simplesmente você desconhece ou refuta pelo filtro dos interesses imediatos, das ideologias, das prioridades quase sempre materialistas e do próprio desdém científico. Quero apresentar-lhes o mundo sensitivo e sua riqueza de possibilidades, muitas as quais experimento através de meu corpo e presença, embora consciente de limitações que me imputam a continuidade do aprendizado. Não conheço de tudo, só consigo compreender algo mais substantivo de mim mesmo na ágora das relações. Busco, sinto e o que extraio das experiências são links de outras ainda mais instigantes. Viver não tem fim, tem “deixa”, o comando do teatro que permite ao outro ator lembrar ou saber que é hora de sua intervenção na peça que corre.

“Cada coisa tem um instante em que ela É.  Eu quero é passar do É da coisa.”
“Eu quero ser sempre aquilo com o que eu simpatizo. E eu me torno sempre, mais cedo ou mais tarde, aquilo com o que eu simpatizo. São simpáticos os homens superiores porque são superiores, são simpáticos os homens inferiores porque são inferiores também. Porque ser inferior é diferente de ser superior e isso é uma superioridade a certos momentos de visão. Eu simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de caráter, com outros eu simpatizo pela falta dessas mesmas qualidades. E com outros eu me simpatizo por simpatizar com eles. Como eu sou rei, absoluto em minha simpatia, basta que ela exista para que tenha razão de ser.”

A partir destes fragmentos de Fernando Pessoa, maravilhosamente declamados por Maria Bethânia, vem a “deixa” a que me refiro. Você pode estabelecer, num diálogo franco com o seu interlocutor, todas as regras que admite, as que assimila e as que rejeita, as que cria e as que obedece, mas sempre deverá lembrar que existem diversas provas em contrário para as suas certezas mais inquestionáveis. O que a ciência faz é estabelecer parâmetros para se iniciar uma análise e limites para que sejamos reconhecidos entre nossos pares. O pensamento científico é religioso e, quando estes se confrontam em perspectiva, costumam se estranhar. É para além dos limites de ambos que podemos desenvolver nosso estar no mundo. As condições impostas pela linguagem talvez nos limitem ainda mais, não servindo, contudo, para justificar plenamente a negação simples da existência do desconhecido.

Quantas vezes você se viu movido por impulsos que comprometeram sua honra, sua glória, seu status, sua moral? O que faz com que consigamos nos entregar completamente diante de alguns impulsos e reprimi-los vorazmente diante de outras circunstâncias? Sempre houve quem explicasse tal evento pela influência externa de forças da natureza, de Deus, dos astros, do entorpecimento, das pressões sociais. Se todas estas forças interagem conosco, algo que reconheço por ter afrontado o estranhamento entre concepções religiosas e concepções científicas, ainda assim está no homem boa parte das decisões e rumos que venha a tomar. E sublinho a “boa parte” porque igualmente reconheço o fenômeno da culpabilização do outro, algo que condiciona o sujeito a interiorizar culpas, paranoias e medos, e tomá-los como verdades esquizofrênicas, superiores e inevitáveis.

Há uma sensação toda especial que percorre nossos sentidos físicos, é decifrada por cérebro e correspondida de imediato. Pode ser ódio ou amor, paixões suplementares, que não necessariamente se sustentam por um exame mais acurado da realidade conflitante. De maneira que ninguém consegue disfarçar completamente, nem por muito tempo, qualquer farsa que tente se impor. Se gosto de alguém, posso falar de diversos assuntos e até me distanciar, levando o sentimento para uma idealização platônica. Posso optar pelo alcance imediato de seu corpo, como um tarado, ou reverenciá-lo aos poucos, como fazemos quando queremos apreciar um bom prato. O que não se pode – e o que se mais faz entre os inseguros - é negar o sentimento. Ao mentir, conduzimos um esforço cósmico invisível e imensurável para direcionar o foco e perder de vista a troca efusiva do encontro e da oportunidade. Há uma perda insensata que precisará ser preenchida por uma angústia qualquer. É bem diferente de pôr as cartas na mesa e levar um “não” como resposta: não partiu de sua tentativa o desvio de foco, mas do outro, que poderá ter suas razões para isso e terminar bem ou, caso reprimido esteja, assumindo os riscos da mentira.
   
É desta dinâmica que resultam, por exemplo, os famosos “descontos” nas pessoas que nada têm a ver com nossos problemas. O organismo humano parece confluir com o astral para que uma sucessão de decepções seja desencadeada, tornando aquele pequeno problema em algo superlativo demais diante de sua origem. Tenho para mim que doenças do mundo contemporâneo estejam diretamente associadas a esta elaboração do real a partir da covardia. Entretanto, os absurdos e injustiças sofridos pelos sinceros parecem ser mais fracos, aproximando-os da solução e das saídas para os fatos mais inacreditáveis com a certeza dos crédulos. Daí advém o peso da meditação, da reflexão, dos princípios pacifistas, do encaminhamento dado pela tranquilidade soberana dos que conhecem e praticam a Lei de Causa e Efeito. Precisamos animar a existência do que sentimos, certos de que a elaboração do pensamento, a aplicação prática da linguagem e dos exercícios ritualísticos (quais sejam!) em torno do desejo é que serão capazes de um fortalecimento sem igual de nossa presença no mundo. Os sistemas de coerção nascem, crescem e se reproduzem da sustentação voluntária, em cada um de nós, da mentira, da autorrepressão, do aprisionamento conceitual e da negação do que sentimos quando, em verdade, acreditamos que tal feito nos assegure garantias outras – da manutenção de uma simples amizade sadia a postos-chave na hierarquia do sistema.

Portanto, é preciso discernimento. Mais do que qualquer tipo de controle, urge aplicar ao cotidiano das relações humanas a observação crítica, o amor e a sinceridade. Só quando desejamos ao outro o melhor dos mundos possíveis é que nos aproximaremos do melhor mundo possível. O encantamento sensorial é um gozo à parte: fortalece a ambos de uma dada relação, ainda que aparentemente infrutífera seja a aplicação instantânea do desejo. Isto porque o desejo de se amar alguém é tão poderoso, por exemplo, que não se limita à personificação estrita de nosso ego. Ao amar alguém, estamos amando a espécie e a todo o cosmos envolto. Com esta firmeza de propósito, o homem que ama a alguém pode chegar ao ponto de um sucesso que, a priori, por desconhecimento dos nexos e das pontes sensoriais, não atribua relação de causa e efeito. Tal impressão equivocada, alienada de sua origem, cai por terra diante da reflexão mais acurada de que fazem os sensitivos. Todos nós podemos desenvolver nossa sensibilidade ao ponto de identificar racionalmente o despertar de uma intuição valorosa ao plano material. Veja o exemplo:

Eu desejo você e você me deseja sexualmente. Eu sou solteiro e gay assumido, você se diz heterossexual e é casado. Temos um sistema de coerção a nos disciplinar, levando-nos a sufocar tal desejo. Eu posso evitar tratar do assunto, muito embora você sinta em meu olhar e em minha companhia uma sensação estonteante que só se completaria plenamente com um beijo, um sexo ou um carinho. Você pode insistir em me rejeitar, o que levarei por conta da rejeição e não me esforçarei em achar que a sua questão comigo seja o contrário. Você pode falar dos outros e tentar me passar o que lhe angustia criando, sobre um enredo alheio, algo que eu não me identifique e, portanto, não compreenda. Eu posso entender que você simplesmente não me deseja. Os dois seguirão frustrados e enfraquecidos. Outra hipótese: eu posso sobrevalorizar cada gesto seu e achar que, de fato, você me quer e tem medo, quando o correto é que isto nem passava pela sua cabeça. Neste caso, tenho eu a opção de seguir frustrado sozinho, ainda que lhe fortaleça em demasia. Esta segunda frustração decorre sim de um sentimento unilateral exacerbado e de uma falha na linguagem (problema ao alcance do discernimento), uma interpretação equivocada talvez, mas jamais me deixará totalmente desguarnecido. Houve uma química no éter que consolidou, graças ao meu desejo intenso de amá-lo, o registro desta intenção no cosmos. Certamente, haverá um retorno favorável. O que o nosso ego não consegue compreender é que este retorno favorável – assim como decorrem retornos desfavoráveis de desejos nefastos – não se apresenta na imagem e semelhança daquele corpo físico ou daquela situação a qual vislumbrava de antemão. Esta emancipação do desejo sobre a materialidade é a mesma que diversas religiões tentam decifrar ao seu modo, perfazendo um sistema de rituais e de crendices que estimulam o comportamento da materialidade. É como se produzíssemos em nós mesmos um poder de influência que desconhecemos, disciplinado por outrem que já os experimentou (nossas autoridades sacerdotais), mas que acabaram estes reduzindo todo o seu sentido maior por mesquinharias e ganâncias mundanas.

Presto era o personagem do desenho animado "Caverna do Dragão" com o qual eu mais me identificava. Era um mago vestido de verde [signo da esperança] do chapéu aos pés. Por mais que fosse bem intencionado e quisesse, de fato, ajudar seus amigos em apuros, situações em que estava sempre envolvido, nem sempre o resultado de seus pedidos mágicos sobre o conteúdo do chapéu, a materialização do que precisavam no momento, era exitoso. Por vezes, pedia um sanduíche e lhe vinha uma vaca inteira e viva. Outras vezes, seu desejo era plenamente alcançado, reportando a ele e ao grupo, que se encontravam em aprendizado constante, as bases de um mundo para o qual foram encaminhados inexplicavelmente. O grupo de amigos havia sido retirado da Terra em um dia em que se divertiam na roda gigante de um parque de diversões. Tudo muito sugestivo. Foram frequentar outra dimensão, lidar com inimigos e seres inusitados, recebendo instruções vagas de um mestre, o Mestre dos Magos, durante a trajetória. Este desenho ainda passa na programação matutina da Globo. Trata-se de um ícone para a geração que vivenciou sua infância nos anos 80.  

Voltemos ao nosso caso. Do perigoso jogo de disputas de poder, passamos a aceitar determinados ritos e signos enquanto refutamos outros violentamente. Todos os signos, desde que devidamente ritualizados, ganham força existencial. O poder das religiões acontece quando se reúne multidões sob um propósito comum, imbuídas de rituais fortemente inspirados, que fazem influência sobre a materialidade. É o mesmo poder que têm as grandes passeatas, as grandes manifestações de protesto pelo mundo, a insatisfação que faz somar diferenças em torno de um desejo coletivo profundamente arraigado. Todo o esforço do sistema é para individualizar culpas e méritos, destituindo dos sujeitos a capacidade de se reconhecerem sob a influência e sobre a influência dos fluxos invisíveis. Apartando-nos de nós mesmos, sabem os doutos serviçais, não comprometemos sua hegemonia. O que não deixa de ser racional para quem objetiva controlar os demais da espécie pode ser fraco diante de um campo que não corrobora com sua lógica de dominação. Seria o que identificamos, a grosso modo, como "o caminho do bem", o que, em verdade, serve aqui como lei de causa e efeito para todas as sensações e desejos. 

O mar pode matar afogado um náufrago como pode trazê-lo para o litoral vivo. Por alguns instantes, posso sair ileso ao deixar um prédio e livrar-me de uma explosão que matou a todos os companheiros de trabalho. Num evento em comemoração ao Dia do Trabalhador, em pleno Governo Figueiredo, artistas diversos iriam se apresentar no Riocentro e, com certeza, esculachariam a ditadura militar. Militares foram com bombas para explodirem tudo e a força dos que ali estavam presentes revidou o propósito de forma instantânea e inesperada: os milicos explodiram com a bomba no colo. Situações como essas não podem ser explicadas apenas cartesianamente, exigindo-se provas materiais e métodos restritos àquele campo do saber para  a sustentação de proposições válidas. Há algo por trás de salvações ou extermínios súbitos, alguns racionalmente previsíveis e outros nem tanto, algo que muitas vezes vai pra conta simples de Deus. Em geral, as pessoas atribuem à vontade divina o desejo pela salvação ou pela morte de pessoas nestes eventos de grande comoção e apelo emocionais, quando seria de boa utilidade um aprofundamento quanto às dinâmicas que reportam à imortalidade da alma. Aceitando-se, por exemplo, que sofremos influência dos mortos ou de tantas outras forças vivas e não visíveis, que podemos também provocá-las com nossos anseios e ritualizações, dá-se um leque de possibilidades que não podemos classificar e coagir como gostaríamos, o que assusta alguns e enche de lágrimas, chega a arrepiar mesmo, tantos outros seres humanos com quem nos apresentamos nos momentos mais inusitados. Momentos, às vezes, decisivos em que aparecemos ou somos instrumentos de um fluxo que precisa ser alimentado costumam me levar para cada caminho inacreditável. Quem assim me lê com certo de grau de desprendimento, experimentado de tal zelo de nossos mentores, sabe do que estou falando. Ninguém se aproxima do espiritualismo sem vivência pessoal forte o suficiente para tal. Por outro lado, ninguém que se aproveite dele para justificar bizarrices de domínio também sai totalmente ileso o quanto crê.
 
Se, de fato, só quem morre é o nosso corpo após uma existência dada no tempo e no espaço restrito, não deveríamos mais temer a morte nem muito menos ficar deixando para ela os encantos de um paraíso ou de um inferno merecidos. Vive-se aqui e agora o que se quer de retorno aqui, agora e depois. Morre-se muito mais em vida do que se imagina, muito mais do que consideram - e temem tanto - apenas como decomposição do corpo físico. Morre-se a cada despertar significativo. Se você é capaz de enxergar em seu passado quais foram os fatos que lhe trouxeram o peso da morte para o que vivia até então, fazendo-o renascer completamente, sentirá, de forma antecipada, o que lhe virá de surpresa após o descarte do corpo que hoje sustenta. Sinais também são dados por sonhos. Graves desgraças, choques profundos no ser e realizações maravilhosas estão na conta dessa visita ao inconsciente: não há preocupação metódica dos espíritos e forças invisíveis em chegar sem sustos. Se você quer amar de verdade e ser amado, se quer muito algo que lhe afeta, vai à luta! 

Dispa-se dos moralismos disciplinadores, das covardias e de toda coerção. Haverá um salto de qualidade e de imunidade quanto às “temíveis” inconsequências que nenhuma religião ousou defender de peito aberto, que nenhuma ciência ousou legitimar sem intermediários ou doutrinadores, mas que existe, esta aí ao seu alcance, perpassa todas as áreas, e você aí perdendo tempo com estados induzidos de depressão e autoflagelo! Em todas as religiões, em todas as ciências, as pistas estão dadas, ainda que suas autoridades prefiram sustentar o contrário. Há momentos de enfraquecimento, de pressão contínua e intensa a oprimir-lhe o ser, há testes de paciência e de adaptação à nova dinâmica, há resistências, pois o mundo sensitivo possui suas lógicas próprias também. Persistência no conhecimento, no amor ao próximo como a si mesmo e na sinceridade ao máximo, redução drástica de preconceitos e pensamentos desagregadores, oriundos da falsidade e da má vontade, da crítica envaidecida, são importantes. O resto fica por conta do que você vai sentir a partir de então. Salve, salve, Simpatia! Cadê aquele brilho nos olhos? "Eu quero ver, na sua cara linda, o lado bom", como disse Cazuza.                                    

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