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Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
Estudante, professor e agente da História de seu tempo. Deformado pela Universidade Federal Fluminense, pela capacidade de resiliência em torno de causas justas, pela coragem e pela sinceridade. Dinâmico, espiritualista, intuitivo, libertário, imprevisível. A leitura de seus textos é recomendada a quem faz uso de covardias.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Supermercado do desespero

           Combinação que se torna nitroglicerina pura: pouco dinheiro em circulação, preços baixos para a sobrevivência com data-limite para o fim da oferta, excesso de carros subsidiados nas ruas, um supermercado mal localizado (e liberado pela prefeitura para ser construído exatamente ali), onde a confluência do trânsito da própria cidade com aquele que recebe ou insufla a Ponte Rio-Niterói todos os dias é ainda agravada por uma obra pública faraônica, cara e insuficiente para resolver o problema de congestionamentos cada vez piores: no caso, o mergulhão entre a Avenida Marquês de Paraná e a Avenida Roberto Silveira, em Niterói.


               A gente pode escolher quem errou primeiro mas sabe, de antemão, que vai dar empate. Ou engarrafamento.  Niterói está, como os grandes centros urbanos do país, vítima de um crédito inacreditável para a indústria automobilística produzir e vender. É o modelo desenvolvimentista de JK, Geisel e Lula que vem fazendo este país crescer sem planejamento, sem distribuição adequada (só esmolas, ou seja, sobras dispensáveis das quais ainda reclamam os serviçais das grandes corporações na mídia todo dia). Estamos numa insanidade emergente: sobretudo, distante de critérios mínimos que envolvam qualidade de vida e equilíbrio ambiental. 


               Todo mundo quer ter um carro ou moto porque sabe que os transportes coletivos não funcionam. Há propaganda maciça deste consumismo também. Podendo dividir em 200 prestações, melhor ainda: o sujeito paga algumas, devolve o veículo e pega outro. É assim que vem rolando a bolha recente: amplia-se a venda sem garantia de retorno, pois, se as montadoras quebrarem, o governo ajuda. Ou então, temos também os golpes nas seguradoras, uma opção mais arriscada, em que o sujeito "planta" um acidente ou um furto e resgata a indenização. Esta segunda opção é dada a quem também tem seus conchavos com as autoridades de segurança pública.


               Quanto aos coletivos, são concessões públicas à iniciativa privada das mais antigas e, como tal, ineficientes porque ávidas de lucratividade fácil e sem contrapartidas sociais. Estas empresas de ônibus e o modelo rodoviário de transporte em geral criaram um caos de circulação. Táxis, kombis, vans, carros e motos particulares se enfrentam por espaço mínimo e ninguém consegue chegar a lugar nenhum - só aos altos índices de acidentes, um dos grandes recordes brasileiros. Tudo porque precisamos financiar a indústria automobilística - que não é nossa, é toda estrangeira - e a indústria do petróleo - que é nossa mas nem tanto (pelo menos, de FHC pra cá). 


              Voltemos para o caso particular de Niterói. A Prefeitura Municipal, além de compor com toda essa insanidade brasileira, autoriza a construção do supermercado de ofertas imbatíveis em via que já sofre dos congestionamentos rotineiros porque recebe e encaminha o fluxo de veículos da Ponte Rio-Niterói até o Centro, além de servir à Zona Norte como acesso até a área nobre da cidade. Não é de hoje que este supermercado vem trazendo problemas ao trânsito. A Rua Marechal Deodoro, perpendicular à Marquês de Paraná, já sofria de fluxo intenso e acabou piorando. Com as obras de construção do mergulhão inútil da Marquês de Paraná, o trânsito vem sendo desviado para ruas mais estreitas do Centro. Tudo ao mesmo tempo agora.


            Outra questão que problematizo com os cidadãos de nossa cidade: por que precisamos recorrer ensandecidos, todos juntos ao mesmo tempo, para um mesmo supermercado já cientes de que se lá chegarmos, uma incógnita à parte, teremos que enfrentar longas filas para arrumar um carrinho de compras, outra para pagar e mais outra para sair do estabelecimento!!? Será que uma promoção destas vale a pena? Relatos de uma passageira no ônibus que peguei hoje pela manhã tratavam de brigas por latas de óleo, consumidores furiosos disputando a tapas cada mercadoria que era desempacotada pelos funcionários do supermercado em questão. Promoção? Só se for promoção da aporrinhação! Tô fora!


             O que leva a essa fúria de consumismo, muito comum em diversos cantos do planeta? Desespero pela sobrevivência, algo como "tenho que aproveitar agora ou nunca mais vou ter"? Ou será obediência simples a um comando publicitário? Sem tirar a crítica à prioridade automobilística de transporte que o governo federal promove, sem tirar a crítica à Prefeitura de Niterói por ter autorizado a construção deste supermercado num lugar clara e notoriamente prejudicado, acrescento esta outra ao cidadão comum que tem todo o direito de procurar preços mais baratos e compor sua dispensa do que precisa para saciar as necessidades de sua família. Sobretudo em tempos de inflação galopante. Quero dizer, vale a pena a histeria coletiva? Por que nos dispomos a tanto? Será que já não estamos sendo controlados demais por propagandas com ordens de comando sobre o comportamento?


             Para piorar ou aparecer, o Secretário Municipal de Segurança Pública Wolney Trindade foi cumprir a atitude demagógica do prefeito Jorge Roberto Silveira: mandou fechar o acesso de carros ao estabelecimento. É claro que o supermercado recorreria da decisão na justiça, o que fez e foi atendido na velocidade que o Judiciário brasileiro só dispensa aos poderosos: menos de 24 horas. Patéticos. 


              O trânsito caótico dos últimos dias na cidade continua dando lições aos niteroienses: uma que alargar avenidas, construir ruas estreitas por dentro da UFF, fazer um mergulhão que leva o engarrafamento um pouco mais pra lá, em detrimento de ciclovias, embarcações e metrô, que poderiam transportar muito mais gente e poluir menos, tem sido uma insistência equivocada da prefeitura no afã de proteger e acomodar os interesses de uma minoria. Outra lição é a de que precisamos repensar a forma como lidamos com os apelos publicitários: se estes são apenas formas de divulgação ou se já são comandos ou ordens expressas de comportamento à coletividade. 


             De qualquer maneira, acho que esta prefeitura está ultrapassando todos os limites. Está liberando construções demais sem o devido zelo pelo impacto ambiental das iniciativas. Depois que constrói, que mais gente passa a morar ou a frequentar, é que vai dar conta do trânsito caótico, da falta de água, das necessidades mais básicas de qualidade de vida? Assim como a indústria automobilística e a indústria do petróleo, não podemos esquecer dos subsídios governamentais (estes federais) à indústria da construção civil. Por empregar muita mão-de-obra sem tanto estudo, inflar o ego temporariamente de técnicos e engenheiros também, pode-se estar construindo um majestoso exército de reserva do amanhã. 


             Hoje, sob esta euforia da construção civil, da automobilística e da petrolífera, diversos outros setores continuam à margem deste desenvolvimentismo inconsequente e selecionado: e quando acabarem com este volume de crédito e estes investimentos governamentais restritos? Onde vamos pôr essa gente toda? É por essas e outras que investir em educação pública de qualidade é fundamental e este modelo só o faz na retórica barata: além de fortalecer os cidadãos para que não sejam tão manipulados pelas ordens publicitárias, podemos também prepará-los profissional e tecnicamente para diversos setores que não apenas aqueles em liquidação. O mundo anda em liquidação e nós só acompanhamos as modas sem nos prepararmos adequadamente para todas as possibilidades. Aqueles setores profissionais hoje favorecidos deveriam perceber o que vem acontecendo com a miséria a que submeteram os demais setores igualmente (ou até mais) importantes para a sociedade. Para além das investidas da grande mídia sobre que carreira seguir, nossos jovens têm de estar atentos para as barbaridades do nosso capitalismo selvagem. Há muita gente desempregada ou subempregada hoje porque buscaram, num passado recente, formação e e atuação em profissões que outrora eram garantias seguras de boa remuneração e estabilidade. Eu mesmo, quando comecei a estudar História (claro, não o fiz por razões de enriquecimento e euforia momentâneos), mas lembro bem que engenheiros formados ganhavam setecentos reais mensais para trabalharem como office-boys de construtoras. Hoje em dia, como bons executores, devem estar orgulhosos do lulismo. Mas não sei não... qual será a promoção de amanhã?    


         

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