Quem sou eu

Minha foto
Niterói, Rio de Janeiro, Brazil
Estudante, professor e agente da História de seu tempo. Deformado pela Universidade Federal Fluminense, pela capacidade de resiliência em torno de causas justas, pela coragem e pela sinceridade. Dinâmico, espiritualista, intuitivo, libertário, imprevisível. A leitura de seus textos é recomendada a quem faz uso de covardias.

sábado, 21 de julho de 2012

Eleições 2012 em Bocaina de Minas (MG) - uma análise sincera

      Estamos a poucos meses das eleições municipais de 2012. Em Bocaina de Minas (MG), isto significa o principal assunto de todas as rodas de conversa em qualquer lugar do município. Existem os que ficam "em cima do muro" por temerem as perseguições políticas do eleito. A maioria, entretanto, se posiciona, declarando abertamente seu voto. Quando participei da minha primeira eleição como eleitor de lá, a de 2008, era servidor municipal concursado. Fui avisado das consequências mas não pude me conter diante da promessa feita pelo então candidato Aléssio/Dito Augusto a cada eleitor em sua casa: "eu vou chutar esses concursados escada abaixo da prefeitura. Vou te dar um emprego, pra você e pra cada um da sua família (anotando num caderninho), com salário tal." Votei contra ele, obviamente, e assim continuarei na minha postura em 2012. 

      Antes de definir meu voto, tenho a clareza de que não apoiei, não apoio e nem apoiarei o Sr. Dito Augusto, o Sr. Aléssio e qualquer candidato que seja indicado por ele, esteja coligado na chapa com seu partido, tenha ele por trás de um mandato sob o perigo de vê-lo mandando na prefeitura. O próximo mandato precisa ser melhor do que esta tragédia que vivenciamos desde 2009. 

        Posicionei-me politicamente contra o Dito Augusto a partir daquela iniciativa de prometer expulsar os concursados ainda na campanha eleitoral de 2008. Aquilo me enfureceu. Sabia de perto dos méritos e dos defeitos da gestão do prefeito Wilson Taviano. Um dos seus maiores méritos foi justamente ter realizado o primeiro e único concurso público limpo da história daquele município, o qual me deu a oportunidade de trabalhar com relativa segurança numa perspectiva futura. Outro foi ter equipado as escolas com a melhor merenda possível, o melhor corpo de professores, ônibus escolares novos. Ao final de sua gestão, mandou pagar uma gratificação aos professores com os recursos que haviam sobrado (!!!) do FUNDEB (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica)! Construiu dois telecentros digitais para que a população tivesse acesso a cursos de informática e à internet de graça. Participei de perto da construção do telecentro de Santo Antônio do Rio Grande, onde organizei a recepção dos equipamentos e a inscrição de alunos. Daria aulas nele. O projeto foi abandonado pela atual gestão, que não calçou nada, não manteve o projeto dos telecentros, destituiu a escola dos investimentos que tinha, só fez perseguições políticas e desvios.

         Como não ser contra um candidato cujo pai era quem dizia governar a cidade em seu lugar? O pai do prefeito já havia sido prefeito outras vezes, cassado pelos mesmos erros, e que agora (2008) deixava claro que iria fazer tudo igual mais uma vez. Dito e feito, fez. Levou a cidade à pior condição que já teve. Gastou tudo e mais um pouco numa disputa judicial insana com 40 famílias que dependiam de seus cargos enquanto concursados do município. E perdeu, sem aceitar a perda por um bom tempo, em todos os recursos.

       A comparação com a gestão do Wilson Taviano (2005-2008) é inevitável. Ele pegou a prefeitura em 2005 das mãos do próprio Dito Augusto (2 mandatos: 1997-2000 e 2001-2004). Este, apesar de cassado em 2004, governava a cidade através do seu aliado e presidente da Câmara de então, o Amarildo Dinis. Tentou a segunda reeleição consecutiva e o TRE-MG concedeu o registro, apesar da flagrante irregularidade! O Brasil só permite 1 reeleição consecutiva mas o TRE-MG deixou passar essa. Ganhou a eleição de 2004 mas não pôde tomar posse porque nossa Justiça Eleitoral só percebeu e corrigiu a ilegalidade de sua candidatura em 2005, promovendo novas eleições na cidade. Em 2005, não podendo ser candidato, lançou Paulo Balieiro (que viria a ser o assessor de seu filho Aléssio - ou dele mesmo - na atual gestão que se iniciou em 2009 e termina, graças a Deus, em dezembro de 2012). 

      O coronel Dito Augusto, através do seu candidato, perdeu em 2005 para a oposição, que herdou uma prefeitura mergulhada em dívidas e com equipamentos destruídos. Wilson Taviano governou a cidade assim, arrumando a casa, entre 2005 e 2007, só podendo fazer grandes investimentos no final de seu mandato (2008). Foi duramente criticado por isso. Associaram os investimentos feitos a uma política eleitoreira, já que em 2008 sairia candidato à reeleição. Não compreenderam a política de austeridade implementada pelo Wilson porque não compreendem como funciona a dinâmica de repasses federais e estaduais que sustentam o pequeno município rural sem impostos próprios. Em Bocaina de Minas, apenas quem mora ou tem estabelecimento comercial no Centro da cidade ou na região turística de Maringá paga IPTU e/ou ISS. 90% do município não pagam nada de impostos municipais diretamente. Apenas ITR, que é um imposto territorial rural pago ao governo federal, e os impostos federais e estaduais embutidos nos preços de tudo o que compram. Assim, qualquer repasse federal ou estadual (únicas fontes de verba com que a prefeitura pode contar para promover tudo) está sempre condicionado ao pagamento em dia de dívidas ou, ao menos, à documentação em dia (prestação de contas adequada) de tudo que o município recebe do Governo do Estado de Minas Gerais e do Governo Federal, em Brasília. 

         Dito Augusto e o seu filho Aléssio sempre preferiram gastar livremente sem prestar contas adequadamente. No mandato do Wilson Taviano, eu posso falar porque acompanhei de dentro da prefeitura enquanto servidor da área administrativa, toda a documentação necessária era feita corretamente. Quando a gestão não justifica os gastos públicos naquilo que a lei determina às prefeituras (educação, saúde, urbanização, coleta de lixo, despesas com pessoal etc.), os repasses federais e estaduais diminuem até um mínimo compreendido pela lei como básico para o município não falir completamente. Nenhuma verba a mais pode ser solicitada para projetos específicos. Assim, quem ocupa as secretarias municipais de turismo, meio ambiente, educação, saúde, dentre outras, fica sem poder implementar nada que não seja o básico do  cotidiano. Fica completamente paralisado. O povo passa a sentir que os serviços públicos não funcionam, estão sendo abandonados e destruídos.

         A política não é sinônimo de corrupção e roubalheira. Estas práticas são práticas de quem não pode ter poder e acaba tendo porque, de certa maneira, somos nós os eleitores que desejamos que ela assim aconteça. Sei que há uma série de fatores colocados na vida de cada um de nós que nos leva a apoiar ou a rejeitar um candidato a cargo público. Existem o fator amizade, o fator parentesco, o fator privilégio pessoal ou para minha família. Só depois, lá atrás, vem, se puder passar pelo filtro anterior, o fator compromisso coletivo com a cidade. Este é um erro fundamental. O compromisso coletivo com a cidade é que deve ser o fator principal, filtro maior de todos os demais filtros, na escolha dos rumos que queremos. Não há privilégio pessoal para cada um dos eleitores que caiba no orçamento da prefeitura. Isto sempre será promessa furada, mentira deslavada, causa de decepções eternas e repetidas. Ou o nosso povo aprende ou vai se ferrar sempre nas mãos dos oportunistas de plantão, aqueles que conhecem bem e manipulam estes interesses mesquinhos. Até quando viveremos de ilusões que se transformam rapidamente em frustrações? Já era hora de aprendermos que estamos perdendo mais do que ganhando quando vendemos tão barato o nosso voto.

          O compromisso coletivo com a cidade inclui a profissionalização máxima do serviço público. Para que possamos TODOS NÓS desfrutarmos dos benefícios que podem e devem ser oferecidos pelos serviços públicos, temos que ter a consciência de que os serviços públicos são um direito de todos os seres humanos, nascidos ou não na cidade  onde estejamos reivindicando. Devem ser oferecidos por quem ENTENDE do que esteja fazendo e não por quem votou no político A ou B e nasceu na comunidade. Dessa maneira, temos que valorizar e reconhecer os profissionais de verdade em cada área, não importando sua posição política nas eleições ou se nasceu em Bocaina de Minas ou não. De que adianta um nascido em Bocaina servir como médico ou professor, como pedreiro ou profissional da área administrativa, como advogado ou mecânico, se não consegue ou não sabe fazer estes serviços direito????  Quem será prejudicado? TODOS OS CIDADÃOS que precisarem deste serviço público, que o sustentarem para isso através dos impostos, que forem expostos num momento de necessidade muitas vezes crucial para suas próprias vidas.

      Nunca é demais lembrar dos médicos que não eram médicos... pessoas de branco com carimbo de médico de outro estado, gente morrendo por falta de hospital ou socorro adequado... tantas e tantas barbaridades que vivenciamos juntos, os dramas, as mortes, as condenações em vida. Ou então dos bons professores, dos enfermeiros competentes, dos motoristas que sabiam dirigir com responsabilidade, etc., que foram perdendo seus empregos e substituídos por outros, que também não duravam tanto porque o prefeito achava que deveriam agora perder o que ganharam para iludir outro otário, e mais outro, e mais outro? É do conhecimento geral que seu costume era tirar de um para pagar o devido ao outro, sempre sujeitando os ambientes de trabalho a um mal-estar brutal. 

      A profissionalização do serviço público requer concursos públicos períodicos para que o servidor tenha a clareza de sua estabilidade e da perspectiva de vida que possa usufruir a partir daquele serviço prestado. A insegurança quanto ao dia de amanhã, se vai continuar prestando o serviço ou não por conta de perseguições políticas de autoridades mal intencionadas, faz com que nenhum profissional sério se motive a prestar o melhor de si à comunidade. A lógica da iniciativa privada não pode dar certo, não é a melhor para o serviço público nem pra sociedade, como muitas vezes denuncio e testemunho acontecer no Rio de Janeiro. Por outro lado, estabilidade não é impunidade. O mau profissional deve ser julgado por suas atitudes profissionais e afastado a bem do serviço público. Ninguém que seja concursado deve ser afastado, transferido ou maltratado de suas funções por questões políticas. O governante do momento tem que entender que precisa negociar sempre, tratar o funcionalismo com respeito e consideração, pois só assim este será o seu principal aliado nas políticas que deseja implementar frente às necessidades da população. Por isso, tem que haver plano de carreira decente para cada categoria profissional. Isto motiva o servidor, cria uma estrutura de conhecimento sobre a função desempenhada, promove saudavelmente a troca de informações importantes até mesmo para os contratados novos. Assim, quem chega no serviço não começa do zero mas de uma estrutura que o concursado, por tempo de serviço na função e experiência acumulada, pode proporcionar.

         Com estas ponderações, corrigindo injustiças da mentalidade política tradicional de Bocaina, acredito que a cidade como um todo melhorará e muito. Tem potencial pra isso. Tem uma natureza privilegiada e um povo maravilhoso, que só precisa entender que onde, às vezes, pensa que está ganhando, acaba mesmo perdendo. Não tem por que razão insistir na falsa ideia de que o direito é um favor a ser concedido pelo político eleito apenas a quem votou nele. Isto cria dificuldades desnecessárias para todo mundo. O direito é uma obrigação, um compromisso do político e dos servidores públicos, para com todos os que precisam e a ele recorrem. É para isso que servem a política, o governo, as instituições públicas. Se todos votam e todos sustentam a prefeitura, ela tem de servir ao povo e não à meia-dúzia que enriquece o suficiente para não conseguir gastar em vida enquanto a maioria fica implorando favores na pobreza. Para mudar, você tem que conhecer bem como funciona a prefeitura e avaliar a trajetória, as alianças, o compromisso que cada um dos pretendentes às eleições de outubro tem com o coletivo, com a cidade, com os serviços públicos que nos servirão nos próximos anos.

      Quem ganhar, por exemplo, vai ter de desenvolver uma política de geração de empregos fora da prefeitura. Esta não pode carregar todo mundo nas costas, na própria folha de pagamentos, mas tem a obrigação de estimular e buscar alternativas de emprego na formação e/ou parceria com  cooperativas, ONGs, empresas privadas, etc. Vai ter de capacitar pessoal para as profissões que precisam ser alimentadas, que constituem vocação do município. Isto a prefeitura pode buscar de fora, promover, articular, fazer acontecer. Ela tem que parar de exportar jovens para Resende, São José dos Campos e Aparecida. Tem que oferecer atividades culturais na cidade, esportes, formação profissional, festas e políticas voltadas para este segmento nas comunidades.   

      E mais: a população terá que cobrar do eleito postura firme durante os 4 anos de seu mandato. Não é só votar e acabou: tem que cobrar, reclamar, reivindicar, negociar. Exigir a profissionalização e a qualidade do serviço público. Exigir transparência, direito à participação popular nos rumos de governo. Sabemos nós o quanto o poder é perigoso, o quanto ilude quem é seduzido por ele, ainda que consciente de que é temporário. Não cabe a nós lamentar, ter medo, achar que sempre foi assim e não tem jeito. Jeito tem sim desde que não sejam os mesmos a gozarem do poder, agindo como bem entendem, impondo medo ao povo quando a relação deve ser o contrário: a de respeito máximo pelas diferenças e por quem sustenta o poder público de uma maneira geral e igualitária. Temos de dizer em alto e bom tom que não temos medo de perder o direito à saúde, aos medicamentos, ao bolsa-família, dentre outros benefícios, porque estes não são favores a quem votou no eleito mas sim direitos de todos, dever dos governantes.    

     

                  

domingo, 24 de junho de 2012

Identidades de gênero na pós-modernidade: aprimoramento, resistência e colapso



          O direito à experimentação sexual tem sido uma necessidade histórica da humanidade que, nos anos 60, alçou forte insurgência cultural, sendo as décadas seguintes de aprimoramento, resistência e colapso. É o que tento problematizar neste ensaio.


         A concepção cristã sustenta há dois mil anos forte condenação ao prazer sexual. Faz uma opção política pelo enfraquecimento emocional dos indivíduos  que dela assimilam culpa ou erro. É uma boa serviçal dos poderosos na História. Seu objetivo é fragilizar para dominar com êxito. Sabem os que buscam o poder sobre a humanidade que detê-la por força física nem sempre foi tarefa exitosa, o que leva ao complemento ideológico. Convencer-se da necessidade de se reprimir é mais útil e eficaz que reprimir forçosamente a quem não se convence da necessidade de uma ordem. Resta saber a quê ou a quem serve a ordem. Se não à maioria, se não às vítimas de seus caprichos, se não a qualquer um dos indivíduos em sociedade, ela não pode ser continuada. Não continuar é resistir com coragem e sinceridade; é negar-se a elaborações relativistas que só fortalecem a ordem por omissão ou conivência por fraqueza. 


         Assim, vimos parcela da humanidade ocidental - esta de formação cristã e capitalista - insurgir-se contra seus pilares culturais básicos nos anos 60. Contra a ordem do matrimônio até que a morte o separe, vimos a insurgência do amor livre. Contra a ordem heteronormativa, vimos ascender a visibilidade, a tolerância e o respeito às mulheres, aos homossexuais e aos bissexuais. Contra a ideia de família que se estrutura e se preserva unica e exclusivamente por laços consanguíneos, vimos o levante de que todo ser humano pode se associar e se reconhecer enquanto família. Contra o domínio do espaço privado para se satisfazer sexualmente, sempre restritivo e sufocador da realidade, vimos insurgir-se a necessidade do prazer em qualquer lugar, da demanda pela sinceridade do que  afeta. 


       O espaço público ganhou cores e riqueza de possibilidades com as demonstrações públicas de afeto das mulheres solteiras, sendo mães ou não, das divorciadas, daquelas que só se satisfaziam com a variedade de parceiros, ainda que não se prostituíssem como as milenares profissionais. A mulher conquista a liberdade sexual e, com esta, a disposição necessária para subverter a condição de dominada por um homem que tudo podia desde que não fosse em público. Quero dizer, por um homem que, ainda que no comando do sistema, cheio de paranoias e bloqueios mentais. 


          Os passos tomados pelas gerações seguintes aos anos 60 foram no sentido do aprimoramento e da universalização destas conquistas. Afinal, elas ainda eram uma conquista de vanguarda, de uma minoria corajosa e revolucionária, que foi capaz de trazer o tema ao debate e à prática, arriscando sua própria pele e relações interpessoais. Veja que ainda não toquei nas resistências cristãs nem na apropriação capitalista do fenômeno social! A disposição desta minoria de enfrentar o "status quo" sempre foi enorme por conta de um segredo que se revela por trás dos interesses moralistas religiosos em condenar liberdades sexuais: justamente por conhecer da capacidade humana em se superar, em criar e resistir, em se subverter de toda e qualquer dificuldade imposta, que a gente limitada ao poder material busca incessantemente o domínio do espírito do outro. Neste ponto, o conhecimento da História, sobretudo sobre o que experimentamos enquanto espécie antes da  hegemonia do cristianismo e do capitalismo, nos oferece fundamentos libertadores do espírito. 


         Quem se realiza sexualmente, reverbera potencialidades edificantes. Quem não se realiza, reverbera angústias e injustiças. Se conhecermos bem das leis da espiritualidade, presentes em todos os manuais religiosos porém manipulados pelos sacerdotes em busca de seus respectivos interesses materiais, veremos que a condenação às liberdades sexuais serve a certa doutrinação do espírito revolucionário que carregamos dentro de nós. A revolução que significa estar feliz, entendendo felicidade sempre como busca incessante do espírito, concretizada em espaços de tempo e circunstâncias definidas, faz do sujeito um ser indomável por quem objetiva seu controle material. Em outro aspecto diretamente relacionado, faz do mesmo sujeito um ser capaz de realizar o que deseja espiritualmente no plano material. Ao contrário deste, o deprimido, o resignado e o manipulador, céticos da possibilidade de mudança pelo afeto, são seres domáveis por outrem que criam diversas dificuldades à saúde da coexistência humana sem realizarem seus desejos mesquinhos com sucesso. Correm atrás eternamente de uma renovação pelo consumismo da energia alheia, como vampiros, mantendo-se constantemente mal. 


        Uma característica comum aos seres deprimidos, resignados e manipuladores do interesse material é a previsibilidade de seus passos. O intuito do sistema do mal-estar profundo (este que só gosta de Cristo morto na cruz e do dinheiro como único e verdadeiro Deus) é condicionar todos os seres, mapeá-los, vigiá-los e sufocá-los ao máximo. Reduzir a existência espiritual das coisas existentes à condenação simplista dos falsos moralismos ou à condição limitada de significados, que é a condição de mercadoria capitalista, onde tudo só pode ter valor se o valor for o da representação de sucesso financeiro, cria uma atmosfera mórbida de assimilação de fracassos, culpas e ressentimentos que descambam na violência sob as mais diversas manifestações possíveis. O ser consciente de sua matriz energética natural, aquela que pode ser encontrada no alimento, no espaço e nas relações humanas saudáveis, não se permite à manipulação tosca e frágil das mesquinharias materiais ou dos pensamentos destrutivos. Investe sobre o outro a felicidade que pretende para si pois sabe que, no universo de gozos humanos, há uma lei espiritual próxima à lei da Física de Newton, aquela que trata que para cada ação corresponde uma reação. O libertário espiritualista desenvolve um agir imprevisível, embora pautado na consciência de como suas atitudes reverberam no cosmos, de maneira que não se submete aos apegos do domínio material. Por tal é que investe na autonomia existencial e no mundo colaborativo das diferenças, sabendo reconhecer o valor daquilo que não rende ou custa dinheiro e poder ilusório. Sabe que passam pelo sexo prazeroso energias vitais e invisíveis, não restringindo sua consecução em regras inúteis à felicidade por que pautam os moralistas cristãos, nem reduzindo o prazer sexual a uma mercadoria descartável, de significado restritamente financeiro ou espetaculoso, que precisa da falsidade para fazer prevalecer no mundo. 


           É sabido que o objetivo único da  mercadoria é agregar mais e mais valores materiais. Assim, ela se difunde em espetáculos de publicidade enganosa e de extrema fluidez de sentidos, em exibição quantitativa, em pressa e em proporcional esvaziamento afetivo. O sexo enquanto mercadoria não é apenas o produto vendido pelas prostitutas mas um sentido de encará-lo até por quem não tira dele seus sustentos materiais. Quando equiparamos todas as ações humanas à lógica de produção das fábricas, da especulação financeira, da apropriação privada do que é produzido pelo suor alheio, estamos transformando e reduzindo os sentidos espirituais que nos motivam a pensar, a sentir, a elaborar e a agir sobre nós mesmos e sobre o mundo. Sexo enquanto mercadoria seria o sexo apressado, afundado na perspectiva da publicidade ostensiva (e, portanto, paranoico quanto ao convencimento do outro sobre a representação desejada), em quantidade semelhante à produção em série das fábricas para consumo, aquele que opta em esvaziar de sentido afetivo e racional por entender como único valor de existência o que se projeta na apropriação material do outro por domínio. Sendo assim, pode alcançar a condição restrita de mercadoria o sexo monogâmico também. Não é uma prerrogativa dos tidos como "promíscuos" a atrofia sexual dos sentidos existenciais. Um sólido matrimônio cristão que seja calcado num ciúme doentio, numa relação de propriedade privada, numa submissão do outro para satisfazer interesses sociais (publicidade enganosa), na violência mútua calcada em falsidades reveladas, numa obrigação posta como de desejo divino que quase sempre resvala na atuação incoerente por debaixo dos panos, faz seu papel de mercadoria também. Afinal de contas, o que menos interessa à mercadoria é a coerência entre o que demonstra ser e o que se é. Seu valor maior continua sendo sua capacidade de agregar representações materiais ilusórias. É daí que podemos compreender o quanto o moralismo cristão pôde ser assimilado e disponibilizado aos interesses capitalistas, atuando em parceria pela manutenção de escravos deprimidos de tão obedientes. Faria muito melhor se seu foco fosse o amor ao próximo de verdade.


        A partir dos anos 90, presenciamos o crescimento da concepção individualista sobre todas as relações existenciais humanas. Aprofundou-se, em verdade, a mercantilização da vida, ou seja, a apropriação de tudo o que é vivo pela lógica restrita dos valores de mercado. Foram esvaziados do direito à existência quem ou o que não se adaptasse de corpo e alma, ou ainda, cinicamente. É propaganda enganosa do mercado sua relação direta com a qualidade do que produz, logo convencer o outro não está associado à coerência prática do que se sustenta em teoria. Sendo assim, o espaço da enganação ganhou reforço à medida que cooptava líderes e referências que outrora associavam-se a uma sociedade melhor, mantendo de suas antigas insurgências sociais apenas o discurso. 


          No âmbito das identidades de gênero, assistimos à profusão de um sem número de possibilidades que passaram a se apresentar como alternativas à sociedade heteronormativa (normatizada pelo padrão heterossexual). Quem lhes faz a defesa atribui ao indivíduo a primazia sobre sua própria identificação, o que possibilitaria ao sujeito se dizer heterossexual mas se comportasse na esfera privada como homossexual, por exemplo. Acredito que continua sendo um direito do indivíduo aceitar ou rejeitar a carapuça que lhe cabe. Problematizo esta defesa a partir do momento que encontro nela a sustentação da resistência moralista cristã escondida no ser híbrido. Na prática, temperada pelo sentido cínico das mercadorias. Vejamos o caso do indivíduo que diz "não ter rótulos", o que pressupõe ser aberto a experimentações sexuais com pessoas do mesmo sexo ou de sexo oposto, na condição versátil, ou ainda, com bichos, plantas e objetos, já que "não ter rótulos" nesta seara fertiliza a imaginação do desavisado. Quase sempre se verifica nestas pessoas o mesmo comportamento dos rotulados, ou pior, a primazia da exposição pública definida pela heteronormatividade. Se praticam outra relação que não a heterossexual, esta outra possibilidade é ainda velada e cheia de paranoias. Se são adeptos do amor livre, ainda desenvolvem ciúmes, subordinação e monogamia, pelo menos exigindo esta do(a) parceiro(a). Onde está a revolução sexual dos anos 60 nestes comportamentos? Houve um aprimoramento, uma resistência a ou um colapso daquela perspectiva? Até que ponto a multiplicidade de identidades de gênero vem servindo à libertação sexual humana e até que ponto esta vem servindo ao tradicional esconderijo por onde permitimos, de forma restrita, velada e hipócrita, as proibições históricas do moralismo cristão?


         O mais comum entre diversos jovens que conheço é dizer que não são gays mas que respeitam esta identidade de gênero. Mesmo entre os que notoriamente o são! Não caem na real, acreditam conseguir ludibriar a inteligência do outro, parecem ter grande medo dos efeitos da insubordinação à disciplina a qual foram acostumados por suas famílias e amigos desde pequenos a obedecer. De tanto ouvirem "viadinho", "bichinha", "boiola" e os próprios palavrões com referências depreciativas às liberdades sexuais, creio que foram severamente doutrinados. Ora, um gay não engana ao outro, sobretudo porque o tempo e as experiências de vida fazem com que passemos a reunir um sistema de códigos próprios, afora a intuição latejante, típicos das resistências necessárias a todo e qualquer oprimido. As liberdades sexuais também vêm assegurando a legitimidade do que se assume gay de manifestar seus desejos sinceramente.  Paralelamente, porém, é corriqueira, mas explanada só em ambientes próprios, em rodas de intimidade ou em ambientes de pouca instrução, sobretudo nas periferias e igrejas cristãs, a defesa do machismo e da homofobia como naturais do homem. A disputa de concepções está posta no campo social, que legitima um discurso politicamente correto por força de lei e de imposição do saber relativista, que cada vez menos afirma convicções mas também rejeita a desqualificação total dos sujeitos pela orientação sexual. Nesta confusão conceitual, racional e afetiva, prevalece a prática paranoica do desejo (quando esta poderia ser libertada à plena potência) e um discurso publicitário do Eu submerso em incoerências vacilantes. 


           Assim, quem pratica o desejo homossexual é um número vinte vezes maior de pessoas do que aqueles que reivindicam  a identidade de gênero homo ou bissexual. Entre estes que praticam, em sua maioria, não podemos distingui-los pelo jeito afeminado (se homens) ou masculinizado (se mulheres), ou pela condição de solteiros eternos, como até então sustentaram os estereótipos da heteronormatividade. São homens e mulheres que estão por aí, mais normais do que parecem, muitas das vezes fazendo discurso machista e homofóbico, pois o curioso é como acreditam se esconder com eficiência reproduzindo sistematicamente o que é projeção típica de desejos profundos renegados. Quem muito fala daquilo que odeia, em verdade revela o que ama. E como toda mentira tem perna curta, a revelação da orientação sexual real é inevitável. Pode ser adiada a um custo que só aumenta no tempo mas é inevitável. Incrível é que, de tão abafada em si e reiteradamente refutada no outro, a orientação sexual verdadeira do Ser, ao se revelar, traz transtornos muito maiores aos que se envolveram com o Ser reprimido no tempo. As vítimas da autorrepressão sexual  passam a ser instrumentos de chantagem de michês, garotas de programa, prostitutas, travestis, amados e amantes ocasionais,  que foram rejeitados em nome da opção publicitária enganosa, e agora passam a ameaçar casamentos, namoros e até expectativas outras (por exemplo, profissionais, como é o caso dos militares, padres e freiras bi ou homossexuais) decorrentes da assimilação de um núcleo familiar heteronormativo de fachada.


           Assusta saber que a opção dos seres humanos ainda seja pela dor e não pelo amor ao próximo como a ti mesmo. O efeito do moralismo cristão sobre a mentalidade coletiva, em relação às liberdades sexuais, não só lhe pertence como lhe foge o controle do alcance. Se foi deliberadamente arquitetado na educação dos mais jovens, em missas e cultos que se propagam há séculos, também o foi racionalizado cientificamente pelo nazismo durante parte do século XX. A violência cresceu na proporção do controle ideológico plantado, pois foi estabelecendo não apenas um auto-controle, um sentimento de culpa individual daquele que destoa de suas padronizações infelizes, como também gerou divisões, segregações, perseguições organizadas por um lado, que estão por aí torturando e matando em tantos e tantos lugares em busca da limpeza étnica que, acreditam, alcançará seus padrões ideais. Basta estudar História para se ter uma ideia do quão fracassadas foram estas necessidades de padronização humana mas eles insistem, é parte da ignorância que representa a competição pelo poder. 


          Por outro lado, estamos também formando guetos de resistência, onde uma cultura sexista tenta denunciar e acabar com a outra para que se implante uma nova, sob a mesma lógica de apenas substituir quem manda na normalidade. 


           Entre estas perspectivas, só posso afirmar minha identidade homossexual sem pretendê-la única nem muito menos dominadora da espécie humana. Ela é a minha identidade porque é como me sinto realizado sexualmente, sem simulações reducionistas, disfarces inúteis ou modismos, fortalecendo meu espírito para tantas e tantas lutas que não têm a ver com o que realizo na cama mas que deste depende para ter pleno êxito espiritual. Sendo assim, minha atuação no mundo é relacionada à naturalização da orientação homossexual, não sendo esta um horror a ser temido nem evitado, muito menos um espetáculo a ser disponibilizado com pressa, culpa, compromisso com a quantidade, a mentira e a angústia. O que tenho de bom em mim eu não vendo, eu divido para multiplicar, no mundo colaborativo, o segredo de uma trajetória que não culminará em depressão ou servilidade.                               


                         


                 
         

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Ascensão social ilusória: o projeto político neopopulista desde o Plano Real

         O PSDB, quando esteve no poder, não tinha a coragem, a circunstância histórica, a base social de construção que o PT tinha para manipular e trair o povo na condução do projeto político neopopulista em curso. Não bate palma para o PT por puro ressentimento quanto à exclusão do comando de poder, o banquete de cargos e verbas que perdeu, já que, quanto à essência do projeto político de manutenção do acúmulo crescente de riquezas nas mãos dos mesmos, ambos têm total e completo acordo. Diferem pontualmente, não estruturalmente. Buscam uma bipolaridade partidária no Brasil semelhante àquela que ocorre nos EUA entre republicanos e democratas. A intenção é servir do mesmo expediente dos estadunidenses: cada um assume a dianteira quando o processo capitalista assim o exigir. 

         Lembro aos leitores que "populismo" é um modelo de fazer política muito tradicional na América Latina. Também chamado de "trabalhismo", ele encontra terreno fértil nos traços culturais de nosso povo, extremamente crédulo em líderes salvadores (à semelhança da imagem do Cristo) quando deveria acreditar mais na sua própria capacidade de união, organização, luta e superação do que lhe oprime. Ficar esperando que um líder faça isso por todos é depositar confiança e poder demais a quem é corruptível, falho, incapaz de fazer valer as necessidades de cada indivíduo em sua infinita potência. É desta mistificação religiosa que bebe nossa cultura política da decepção eterna com os eleitos, empossados ou impostos, populistas ou não. Os populistas são aqueles políticos que se aproveitam mais disso, do desconhecimento histórico de suas intenções, práticas e resultados. Eles têm em comum o alimento ao ilusionismo temporário da expectativa do privilégio aos mais pobres, estimulando políticas ilusórias de ascensão social  dentro do capitalismo. Apresentam-se como figuras carismáticas,  simpáticas, bem humoradas, tolerantes com as diferenças, mas tudo isso não passa de falsidade. São, em verdade, extremamente autoritários. Quem fecha com eles, perde sua autonomia crítica, é obrigado a aceitar reduções significativas em seus desejos. De preferência, deve permanecer quieto diante das maiores injustiças, abusos de autoridade e insatisfações próprias. Quem não fecha, é perseguido sem dó nem piedade. Só uma pequena parcela, mesmo dentre aqueles que fecham com ele, ganha, de fato, os privilégios prometidos. Há uma repetição da malandragem na  essência para que esta seja adaptada, em sua forma, às necessidades do novo contexto histórico, político, cultural, socioeconômico em que ele se apresenta.   

        Os populistas sempre estão presentes na sociedade, alcançando o poder de acordo com a necessidade dos grandes donos do capital. Sempre que estes se sentem ameaçados com a desigualdade que eles próprios plantaram, recorrem aos seu serviços. Há uma alternância de método dentro do capitalismo para que todo mundo continue gerando riqueza para poucos. Em ciclos de 20 a 30 anos, especialmente no caso brasileiro, permitem a prática dos direitos democráticos para depois restringi-los novamente. São nestes momentos de grave tensão social por culpa das desigualdades, quando é necessária a restrição dos direitos democráticos, que os populistas ganham peso, apoio do capital e são difundidos como grandes salvadores da pátria. Assim, eles ascendem ao poder fazendo demagogia no lugar de resolver o que gera desigualdade, injustiça ou abuso. Aliviar o sofrimento dos mais pobres mantendo-os dependentes de políticas assistencialistas, por exemplo, é uma tática recorrente. Outra opção é estimular o consumo popular de mercadorias através de créditos impagáveis, que mantenham a servidão dos mais pobres por dívida. Populista não gosta de indivíduos críticos e autônomos. Assume riscos políticos ou posições polêmicas se  entender que estes têm algum respaldo significativo na mentalidade mediana de seu povo. Seja qual for sua posição, ela vai variar sempre na defesa do interesse dos mais ricos, nem que, para efetivar este destino comum de seus passos, ele recorra a arroubos fantásticos, atitudes que não vão agradar tanto nossas elites mas que se tornam pontualmente úteis à perspectiva de perpetuação de seu domínio sobre a classe trabalhadora. É como diz o ditado popular: "preferem perder os anéis para não perderem os dedos".

              O neopopulismo (neo = novo) aqui definido reúne uma característica curiosa em comparação às práticas populistas experimentadas por Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola, para ficarmos nos exemplos de lideranças populistas de nossa história. Ele mescla aspectos da política liberal (oriunda do liberalismo econômico, um modelo de capitalismo que prega o Estado Mínimo e a máxima privatização das relações econômicas e sociais) quando sustenta privatizações, concessões de serviço público, quebra de direitos trabalhistas históricos (tanto no serviço público quanto na iniciativa privada), o livre mercado apenas e teoricamente regulado pelo Estado, com políticas assistencialistas que podem ser exemplificadas nas bolsas de auxílio aos mais pobres; o aumento de vagas no serviço público que resta após o que foi privatizado; o fortalecimento do aparelho repressivo (polícia e forças armadas) para conter revoltas e criminalizar movimentos sociais, ao mesmo tempo em que "dá conta" do enorme contingente de desempregados e subempregados que se marginalizam. "Dar conta" significa bater, prender, traumatizar e matar; inventar crime para fazê-lo quando não o encontrar. Isto já é política implementada por nossas polícias no cotidiano das comunidades.   

         É a primeira vez que os populistas brasileiros não fazem uma ruptura mais radical com o modelo de Estado Mínimo moldado por seus antecessores no poder, os liberais. Este é um fenômeno que pode ser observado no Brasil, no México e na Colômbia. Pode ser que estejam apenas introduzindo o que ainda pretendem. Nestes países, segue o avanço de um populismo que tenta manter contratos  fixados pelo arranjo macroeconômico dos liberais. É uma inovação que custa um preço. Um exemplo concreto pode ser observado na flexibilização das leis trabalhistas na prática, sem mudanças legislativas aprovadas mas com uma conivência incrível na impunidade, seja por leis que emperram processos e promovem a lentidão do Judiciário, seja por manipulação de sindicalistas pelegos, seja pela corrupção de fiscais, servidores públicos e juízes. Nunca se sonegou tanto FGTS, INSS, 13o salário, 1/3 de férias, para ficar em alguns direitos trabalhistas consagrados em lei a quem tem carteira assinada. Nunca se fugiu tanto da carteira assinada e, quando ela é assinada, ainda assim, não corresponde ao pagamento dos direitos trabalhistas. Nunca se praticou tanto assédio moral no mercado de trabalho, supostamente em busca de eficiência e produtividade, coisas incompatíveis com os maus tratos praticados contra o trabalhador. Nunca se viu tanta dificuldade do patronato em cumprir com o pagamento em dia de salários e isto não se deve a um grande número de falências ou insolvências das empresas. Pelo contrário, é assegurada a capitalização daquilo que é dívida das empresas, seja com o governo, seja com os trabalhadores, no tempo que o Ministério do Trabalho, o Poder Judiciário e os órgãos de fiscalização em geral levam  para exercerem seus papéis. Estas empresas aplicam o dinheiro da sonegação e do calote em fundos que o fazem multiplicar o valor original do devido. Quando condenados a pagar, ganharam muito mais do que deviam, apostando na alta rotatividade do trabalhador cheio de medo de perder seu ganha-pão. Em compensação, àquele que perdeu o emprego e se encontra em situação precaríssima, oferece-se um suporte de assistencialismos do Estado que o mantém comendo, indo e vindo e na expectativa de algum outro privilégio prometido. Não há crise econômica neste modelo: ele é concentrador de riqueza por ganância infinita e as consequências sociais que configuram a suposta crise foram planejadas, estão postas desta forma para manter a desigualdade extrema, tendo na opção política da sociedade a sua conformação e resignação. O grupo que o promove planeja um genocídio daquela parcela da população que julga inútil, incompetente, excessiva para a sustentação do planeta, completamente dispensável a existência.

        Outros países latino-americanos, como a Venezuela, o Equador, a Bolívia e a Argentina, cada qual em seu ritmo e especificidade, avançam mais no que seria a aplicação do histórico populismo do século XX. Estes vêm estatizando o que havia sido privatizado, modificando e tornando mais rígidas leis e proteções ao trabalhador nas relações trabalhistas, além de avançarem no controle estatal de sindicatos, empresas privadas, movimentos sociais e indivíduos. Vale ressaltar que o nacionalismo é uma das fortes marcas dos populistas. Logo, a invasão do capital estrangeiro é mais contida no período em que hegemonizam a política em favor de grupos capitalistas nacionais, devidamente capitalizados pelo Estado, via bancos oficiais ou créditos específicos. Porém, a cada benefício concedido à classe trabalhadora, corresponde uma diminuição real de sua liberdade e autonomia, uma asfixia de seu tempo livre, de seu lazer, de seus protestos e resistências. O mesmo procedimento ocorre ao conjunto da sociedade de algum modo mas o seu objetivo-fim é a sustentação e a reorganização das forças produtivas para que estas possam seguir adiante após o esgotamento de um ciclo que lhes permitiu lucrar sem a intervenção estatal. Permitiu lucrar tanto que asfixiou a classe trabalhadora, gerando intensos conflitos sociais, e assim fazendo com que todos novamente passem a implorar por mais intervenções estatais na economia e, portanto, pelo retorno dos populistas. 
    
         Claro, a sugação fica tão grande que ninguém consegue mais pagar nada. É a hora que chegam os "salvadores", mexem na estrutura, pisam em quem tiver na frente e contra mudanças, levam na lábia e na base de migalhas as multidões de necessitados, negociam com os donos do poder as compensações por eventuais perdas, refinanciam ou anistiam dívidas. É claro que as vantagens concedidas pelo Estado aos empresários, com o objetivo de recuperarem-se, é infinitamente superior às vantagens concedidas à combalida classe trabalhadora. É esta diferença que o trabalhador comum, por pouco conhecimento ou alienação intensa do próprio universo e produto do seu trabalho, geralmente não reconhece, sendo facilmente convencido por caridades desproporcionais aos ganhos que poderia estar assimilando. 

       Um modelo de sugação da humanidade pelo capitalismo estava centrado na hiperinflação. No Brasil, até o Plano Real, instituído em 1994, este modelo corroía os ganhos de quem vivia da produção na sucessão desenfreada de reajustes de preços e tarifas públicas. O Plano Real foi uma mudança deste paradigma de sugação em busca da manutenção da mesma. Ele se estabeleceu numa combinação do governo com o setor privado para deslumbrar o povo com uma ilusão de ascensão social por capacidade de consumo. Chamo de ilusão porque seu objetivo foi apenas uma mudança de método de exploração, um rearranjo das forças produtivas para que nossa classe dominante continuasse lucrando e mandando. Trocamos o reajuste desenfreado de preços e tarifas por uma estabilização destes ao custo de juros altíssimos aplicados às prestações de consumo, financiamentos e refinanciamentos de dívidas. Isto quer dizer que, às vésperas das eleições de 1994, quando o Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso era o preferido das elites para presidente da república, estas se utilizaram de um artifício populista que iludiria o pobre naquela expectativa de ascensão social meteórica que é parte de nossa cultura. Com isso, asseguraria o apoio popular necessário à sua eleição e também à implementação do projeto neoliberal no Brasil. 

          Repare que os capitalistas podem até se filiar ideologicamente ao modelo liberal, ao modelo populista ou ao modelo social-democrata (este é o que defende um "equilíbrio democrático" aos interesses dos outros dois modelos). Isto, porém, não os impede de se utilizarem de artifícios de um modelo ou de outro, ainda que contraditórios ao que defendem por ideologia, quando se faz necessária a manutenção primordial de seus interesses de domínio e sugação da classe trabalhadora. Assim, quando o contexto histórico exigiu a aplicação dos princípios  liberais e a manutenção de políticos que lhe fossem interessantes, providenciaram um artifício populista - o Plano Real- que pudesse dar conta do apoio popular necessário. Em seguida, levaram os princípios liberais à risca, privatizando, destruindo direitos consagrados, diminuindo a presença do Estado na economia e na rede de serviços essenciais. Com o tempo, assimilaram - ainda que timidamente - algumas propostas do PT no sentido de contrabalancear a enorme desigualdade proporcionada. O Bolsa Família teria sido implantado originalmente pelo governo de Cristóvão Buarque (na época, do PT) no Distrito Federal com o nome de Bolsa-Escola. Fernando Henrique o tornou um programa federal, assim como o Vale-Gás. Ao chegar ao poder, o PT apenas reuniu estes benefícios assistenciais e ampliou seu alcance em número de famílias beneficiadas.  Apesar de contrário ideologicamente às bolsas de assistência, o PSDB foi incapaz de assumir o risco político de dizer que acabaria com o programa ou que estabeleceria limites ou restrições durante as campanhas de José Serra à presidência. Hoje seria muito difícil, tanto para o PT quanto para o PSDB, abrirem mão do programa porque ele alcançou resultados satisfatórios na redução da extrema pobreza, além de estabelecer uma rede de subordinação do eleitor ao político do município (responsável pelo cadastramento e pelo acompanhamento dos beneficiados), do Estado e do plano federal, como em cascata, já que, em diversos casos, prefeituras e governos estaduais fazem complementação das bolsas federais com suportes específicos. 

     O Plano Real reconfigurou a economia para que os lucros dos patrões se estabelecessem mais sobre os juros que sobre os preços. Com isso, pôde oferecer a capacidade de planejamento para o consumo à prestação (coisa impensável nos tempos de hiperinflação) mas o custo disso foi a alta concentração de riquezas sobre os setores que sempre viveram da sugação de juros: os bancos. As empresas que viviam de produzir mercadorias tiveram de se adaptar ao fato de que a compra e a venda destas não alcançaria mais o grande lucro de outrora. Continuariam a lucrar mas nada comparável ao que lucravam os que adquiriam títulos da dívida pública, por exemplo, cujo valor o governo oferecia para se capitalizar imediatamente sob a promessa de devolver o dinheiro pago pelos particulares sobre os títulos com juros altíssimos. Todas as empresas, de uma maneira ou de outra, passaram a especular, a conviver com a prioridade nas aplicações do mercado financeiro. Seja pela aquisição de títulos públicos, seja pela oferta de seu próprio patrimônio em ações nas bolsas de valores, seja pela sonegação de direitos e impostos para capitalizarem em fundos específicos. 

        Este novo modelo iludiu e levou o nosso povo à miséria e à convulsão social na medida que prometia aumento da capacidade de consumo, por um lado, e, por outro, restringia o pagamento pela força de trabalho em função da nova prioridade de lucro das empresas. Se era possível parcelar uma compra em sessenta vezes ou mais, tornou-se difícil manter-se no emprego, receber o pagamento em dia, saber se receberia direitos trabalhistas a tempo. Para este sistema, trabalhador é custo, já que o lucro maior não vem mais da força produtiva tanto o quanto passou a vir da especulação financeira. Logo, para que a inadimplência generalizada não explodisse com o sistema, além de esmolas governamentais,  vimos um crescente incentivo para que o trabalhador fizesse mais horas extras, acumulasse serviços, diminuísse seu tempo de lazer ou de convívio familiar, para receber o mesmo ou ainda menos do que recebia antigamente por menos horas de trabalho. Para não dizer do crescente trabalho ideológico de convencimento e de perseguição a quem se opusesse a esse ritmo suicida! Assim, o fomento do moralismo sobre desocupados se acirrou, atribuindo culpa individual por seus fracassos. Ora, se houve e haverá sempre aquele que não fez ou faz por onde merecer, o que mais se verificou da implantação do Plano Real até os dias de hoje tem sido a punição daquele que sempre foi trabalhador responsável e honesto com o desemprego, o assédio moral, o subemprego e a culpa individualista por seu fracasso profissional. O sistema não assume que o problema não está no indivíduo incompetente ou irresponsável, mas sim na forma como ele próprio - o sistema - recompensa mais o dinheiro sugado e guardado, inventado pois multiplicado na porcentagem estabelecida por alguém, e cada vez menos o que é fruto da compra e venda de mercadorias produzidas pelo trabalho humano.

          É por isso que é tão difícil manter o jovem concentrado num projeto de conquistas graduais, através do estudo e do trabalho, como se fazia em outros tempos, quando o modelo capitalista assegurava relativa ascensão social a quem se empenhasse por estas vias. Os jovens percebem o quanto é penoso (e não compensatório) estudar, trabalhar honestamente, construir projetos de vida a médio e a longo prazos dentro do atual modelo. Veem o tempo todo o exemplo mais próximo do cara estudado - o professor - mendigando reajustes e respeito mínimo dos governantes, dos pais e de alunos, da sociedade como um todo, que desqualifica o profissional do qual mais dependem o conhecimento qualificado para interagirem no campo social. É proposital o ataque à educação pública, pois seus efeitos são temidos por quem tem na mente a obsessão pelo genocídio da maior parcela humana, aquela que julga dispensável e incômoda a existência. Saber confere poder ao ser humano, um poder muito maior que o do dinheiro, e por saber disso, o sistema faz de tudo para que você não conheça suas artimanhas e crueldades. Seu objetivo maior, num retrocesso histórico incrível,  é administrar escravos voluntários ou matá-los ao se tornarem numerosos para além do necessário à concentração de riquezas.

         A ascensão social esteve e está ainda atrelada no imaginário popular, em função do tempo em que o modelo anterior de capitalismo vigorou, aos diplomas. O PT no poder explora essa cultura arraigada de forma populista, oferecendo facilidades de acesso aos mais pobres nas universidades, mas o faz em detrimento da qualidade do ensino ofertado. Para fazer estatística a exibir ao mundo, entope as universidades de gente cujas famílias nunca puderam alcançar o diploma, o que mais uma vez as ilude na expectativa de que terão a tão sonhada ascensão social da classe média pelo simples fato de ostentarem um diploma universitário. Além das dificuldades extremas para permanecer estudando sem assistência estudantil ou infraestrutura adequada, o sujeito que consegue concluir as faculdades, sai delas com uma enorme frustração pela frente. Não há emprego o suficiente no mercado e quando o há é temporário, incapaz de pagar decentemente, cheio de armadilhas impostas para justificar demissões ou rebaixamentos. A greve atual nas universidades federais tem como pauta estas necessidades. Receber mais alunos não é problema. O problema é fingir que ensina bem sem professor, salas ou com turmas lotadas, à espera da verba para o prédio novo que só virá se inchar antes as salas que já existem. Ou fingir que assegura ascensão social com o rebaixamento da qualidade proporcionado por graduações rápidas, feitas de qualquer jeito, cheias de facilidades para se alcançar o diploma tão sagrado e, cada vez mais, insignificantes para as enormes exigências impostas politicamente por um mercado que, em verdade, não quer mais assumir mão-de-obra e sim lucrar ostensivamente com mecanismos especulativos. As poucas profissões que ainda ostentam certo grau de empregabilidade oscilam de acordo com os interesses de financiamento governamental ao setor privado, sendo que o que é de interesse hoje e atrai tantos à engenharia, por exemplo, não necessariamente perdurará amanhã. Flutua ao sabor das investidas populistas de momento. 

           Os laços de dependência que nos prendem ao dinheiro reduzem o sentido existencial de tudo. Quanto mais subordinados e dependentes, menos tempo para nos preocupar com o saber, a reflexão, o lazer, o ócio e as mudanças necessárias para se resgatar a dignidade humana. Sabendo que o indivíduo vai tentar sobreviver de qualquer maneira, o sistema espera dele o motivo para tachá-lo enquanto delinquente, culpá-lo individualmente pelo desvio de conduta, e assim prendê-lo ou matá-lo. Este é o atual papel do Estado no investimento maciço em segurança pública, necessidade muitas das vezes alimentada ideologicamente pelos meios de comunicação que o servem, mas que não quer saber de refletir sobre as verdadeiras causas de tantos desvios,  de tanta violência urbana, que nos assolam como uma verdadeira epidemia. Há uma fábrica de delinquência produzindo indivíduos com graves problemas para existirem, sem orientação adequada ou emprego digno, e o que o Estado oferece é apenas a polícia para ir sufocando o problema sem resolvê-lo. Resolver implicaria na superação do capitalismo, o mais violento dos sistemas econômicos, que se encontra entre nós há apenas trezentos anos numa humanidade que tem pra lá de um milhão de anos. 

          Não podemos deixar nos iludir por promessas de privilégios que são sempre adiadas, não cumpridas, enroladas e renovadas a cada eleição. Este ritual de esquecimento do vacilo anterior é o que o torna vivo e pronto para sacanear mais uma vez. A superação deste monstro está requerendo amor, fim da competição e da reprodução de discurso que culpa individualmente por incompetência a enorme quantidade de gente sem rumo ou perspectiva vagando pelo mundo. 

        Deixar-se iludir por consumismos, pela exibição para  os outros de privilégios materiais, é também uma forma de tirar onda de escravo de alguém, que você não reconhece porque é dominado por um raciocínio que só enxerga esforço individualista nas suas conquistas. Se nós não plantamos o que comemos, alguém o plantou e o produziu. Alguém vendeu o mesmo alimento à indústria que o transformou e o revendeu. Outro alguém fez chegar ao mercado, à mesa de casa, e assim, numa relação que exige o esforço de vários seres humanos para que a nossa existência individual se consagre plena, fomos alienados destes elos que existem entre diversas ações do homem enquanto espécie, levando o dinheiro a significar exclusivamente a razão presente nesses elos. 

         O dinheiro ressignificou as trocas de experiência e de produção da humanidade sobre a mesma natureza que nos referencia, tornando seu simples excesso ou falta o determinante para merecermos a vida. Isto é de uma manipulação inacreditável da vida que nenhuma religião ousa enfrentar, muitas vezes colaborando no domínio da parcela ínfima de  gananciosos realmente contemplados com o excesso. A falta do dinheiro é o que vitima a maior parte da humanidade e isso só pode ser superado com a superação de seu vício enquanto droga a determinar toda e qualquer relação humana. Não é uma tarefa para governo nenhum, nem para empresários ou banqueiros, ou, como vimos, nem para sacerdotes religiosos. É uma tarefa cotidiana de cada um de nós o crescente menosprezo ao valor dado ao dinheiro na determinação da vida de nossa espécie. Nossas relações sociais devem começar a se pautar pela rede de apoio mútuo, pelo mundo colaborativo, pela solidariedade sem interesse direto no retorno daquele que ajudamos. Aquele que ajuda o próximo mas joga na cara dele constantemente o que fez, trabalha sob a lógica capitalista de lucro ou vantagem sobre toda e qualquer atitude e a diminui de sentido. Não é cobrando gratidão que se estabelece o exemplo de emancipação do homem do projeto genocida. É fazendo o necessário, exaustivamente ensinado e repetido em todos os livros sagrados, mas que geralmente é rebaixado de sentido pleno para dar palanque a moralismos inúteis à felicidade humana. A competição é um mal para a humanidade. Nenhum esforço individual assegura a plena existência individual, pois ela também depende do bem-estar do outro, conhecido ou desconhecido, sem o qual não poderemos coexistir de forma saudável, sem depressão ou violência.                                   
                         

domingo, 3 de junho de 2012

RH e paranoias sem fundamento

                     Não é de hoje que me irrito com estes  suplementos de jornal que tratam de empregos e oportunidades no mercado de trabalho. São, em verdade, a produção mais ardilosa e cínica que a turma  de  Recursos Humanos (RH), a serviço de patrões inescrupulosos, pode oferecer ao leitor desesperado por um emprego digno. O suplemento "Boa Chance" do jornal "O Globo" do domingo 03/06/2012, em sua capa, traz um box com os seguintes título e subtítulo: 

        "Redes sociais e blogs não deixam ninguém mentir - reputação na internet é fundamental" 

    Transcrevo a íntegra dos três parágrafos do box para análise do meu leitor mais desafortunado, aquele que anda com seu currículo para cima e para baixo atrás de um vaga de escravo da iniciativa privada, ou ainda o outro tipo, aquele que já resignado pelas rasteiras habituais nos próprios direitos trabalhistas, ainda acredita na capacidade de ascensão social por méritos próprios, a dita "competência individual" nos ambientes de empregabilidade mais personalistas e hereditários possíveis. Vamos à matéria:

  Em tempos de internet e 
redes sociais em profusão, uma quantidade crescente de recrutadores e executivos recorre a essas ferramentas para checar dados e descobrir novas informações sobre os candidatos - desde traços de personalidade até em que empresas realmente trabalharam. Especialistas admitem, então, que o documento de papel já cedeu bastante espaço à web na hora de selecionar um profissional. Como se o currículo tivesse morrido.
- A reputação na internet é fundamental. Por isso, é necessário tomar cuidado com o que se escreve no facebook ou no twitter - diz a coach de executivos Marie-Josette Brauer, ressaltando que as redes sociais e o personal branding mostram uma outra dimensão do profissional. - O Linkedin, por exemplo, revela como a pessoa faz seu networking, o que é bem relevante.
Para o empresário Marcelo Giannini, as redes sociais se tornaram indispensáveis na hora de checar informações sobre um candidato. 

        São muitos os aspectos a serem analisados no discurso do jornal, da coach de executivos (nome sugestivo, não?) e do empresário. O que se nota, antes de mais nada, é que se tenta naturalizar um procedimento absurdo dos profissionais de recursos desumanos do capital (aqui em diante, chamarei pela sigla RDC em substituição a RH, como se auto-define a sordidez do ofício): empresas alertam que vigiam a vida individual dos candidatos a emprego através da internet, ou seja, dispõem da  tecnologia para conferir seus hábitos, crenças, ideologias, privacidades  e sentimentos sem autorização através das redes sociais e blogs. Não bastasse a conferência da veracidade de passados profissionais dispostos em currículos, estabelecem uma paranoia que visa cercear a liberdade de expressão das pessoas. Este é um ponto. Definem que tipo de profissional se deseja formatando padrões humanos ideais ou refutáveis. Associada à vigilância, ao temor e à censura plantados, observamos a discriminação explícita e naturalizada de seres humanos segundo lógicas completamente medíocres e surreais. Como sabemos que este não é o critério preponderante de contratações, promoções ou demissões no mercado de trabalho, muito mais calcado na indicação ou no privilégio personalista, fica apenas um cinismo nocivo, capaz de iludir e fazer proliferar a insegurança íntima sem resultados profissionais garantidos.

         Outro elemento considerável da matéria é este esforço em importar e estabelecer estrangeirismos à nossa língua portuguesa. Sabem os profissionais de RDCs da vida o quanto a ignorância sobre a língua inglesa da maioria torna-a sedutora pois carregada de certo peso simbólico de autoridade sobre as mentes colonizadas e dóceis. O emprego do estrangeirismo tem como função fazer valer um discurso de verdade global, um elitismo desejável a quem busca algum lugar ao sol na selva das oportunidades cada vez mais restritas. Se existe relevância no aprendizado da língua estrangeira, não é esta relevância que está embutida em um texto em português carregado de referências importadas. É a necessidade de se fazer superior, de se vender a ideia do privilégio, de se criar uma atmosfera conceitual acima das práticas de comunicação habituais entre brasileiros, de maneira que este recurso é uma habilidade de dominação  que constrange tanto o quanto ilude o ignorante até justificar seu banimento. Dentre tantas paranoias plantadas, usar a expressão "coach de executivos" no lugar de "treinador de executivos"  tem mais significado e repercussão psicológica do que aparenta. Tudo isso é cuidadosamente elaborado, de maneira que os RDCs da vida adoram se apropriar de novos espetáculos conceituais para justificarem velhas práticas na seleção e na demissão de trabalhadores que passam longe, muito longe mesmo, do discurso que ostentam orgulhosos sobre fórmulas inovadoras de  meritocracia. 

         Em outras palavras, na hora de dar o pé na bunda ou na hora de contratar, continuam pesando mais, mesmo no setor privado, não o conhecimento em inglês ou em qualquer outro saber que agregue potencialidades reais para a atividade a ser desempenhada, mas o parentesco com os chefes, os laços de amizade com os poderosos, o reconhecimento das habilidades apenas como se fossem transmissíveis por genes (que torna o mérito uma questão de sangue, transmitido de pai para filho). 

       Ora, se o empresário condena a ousadia e a liberdade de seu funcionário, cerceando-o e impondo certo terrorismo às suas particularidades "refutáveis",  observa-se no mercado a reprodução de valores e métodos sem maiores inovações. Fica o ambiente de trabalho reduzido ao ambiente de fofoqueiros, puxa-sacos, incompetentes de todas as funções, covardes, dóceis que se tornam , num primeiro momento, mais baratos ao processo automático do sistema porém, de forma contraditória, mais caros porque incapazes de solucionar as demandas mais comezinhas.  Ofusca-se assim todo o discurso da competência individual, aquele que reivindica que são melhores e mais aptos ao emprego os que dinamizam mais suas atuações, os que não se curvam à estagnação sobre novas oportunidades de aprendizado e, por último, os que revelam toda uma diferença positiva em relação à média, fazendo-se dignos dos títulos de liderança e promoções cabíveis. Ao mesmo tempo que os hipócritas que atuam no âmbito de RDCs falam uma coisa aqui sobre o padrão ideal, desmentem-no acolá, fazendo do trabalhador escravizado um idiota cheio de medo de perder o posto que tem, do desempregado um atordoado que vive se culpando pelos seus próprios (e supostos) erros ou vacilos mediante o padrão ideal. 

        O único padrão perceptível é que não há emprego para todos porque a exploração tem que ser máxima, o lucro deve ser máximo, assim como o controle social sobre as desgraças plantadas deve ser constantemente maquiado e embelezado, até que pareça natural e perfeito zelo individual o que é demasiadamente cultural e frágil publicidade enganosa.                       

domingo, 29 de abril de 2012

Quem implora por polícia não quer segurança, quer ditadura

       A Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi o nome comum de uma série de manifestações públicas organizadas por setores conservadores da sociedade brasileira em resposta ao comício realizado no Rio de Janeiro em 13 de março de 1964, durante o qual o presidente João Goulart anunciou seu programa de reformas de base. Supostamente, congregou meio milhão de pessoas em repúdio ao presidente João Goulart e ao regime comunista vigente em outros países. Este conjunto de manifestações fora organizado pela Igreja Católica, pela UDN (União Democrática Nacional, partido defensor do liberalismo econômico, considerado de direita) e por mulheres de empresários, as famosas madames que adoravam um assistencialismo barato mas tinham horror em perder seus privilégios calcados na exploração dos mesmos aos quais direcionavam algumas esmolas por caridade hipócrita. A lembrança me veio à tona para falar de um assunto sempre corriqueiro quando a violência urbana bate às portas da assustada e obediente classe média: as manifestações que imploram por paz nas ruas e policiamento. 

            Antes de mais nada, vamos aos fatos que originaram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade em 1964 (portanto, antes do golpe civil-militar que seria apoiado pelos mesmos partícipes) e destrinchar quais os interesses envolvidos. Por que boa parte da Igreja inflamou seus fiéis contra a suposta ameaça comunista de João Goulart? O que eram as "reformas de base", propostas pelo presidente que tão logo assumiu, substituindo como vice o renunciante Jânio Quadros, e já teve seu poder decepado por um parlamentarismo negociado entre o governo estadunidense, o Congresso Nacional e as Forças Armadas? 

           Pois bem, se a Igreja Católica defendesse os princípios cristãos de forma coerente, certamente apoiaria o projeto de Jango. Decerto, uma parte minoritária de seu escopo apoiou e se posicionou sempre ao lado da justiça social. Outra parte considerável, porém, como se perpetuara nestes dois mil anos se aliando às classes dominantes e fazendo o jogo de apoio político explícito ou omisso diante de barbáries e desigualdades, alimentando preconceitos e desunindo o povo em busca de uma conciliação com quem sempre lhe oprimiu, não tarda em refutar qualquer mudança que signifique mais justiça social. Optam pelas bandeiras moralistas e, nestas, camuflam seus reais interesses de manipulação política das massas. 

         As Reformas de Base defendiam pontos avançadíssimos para o país mas não chegavam a torná-lo uma nação comunista. Entre elas, uma reforma da educação pública que a universalizasse com qualidade; uma reforma econômica que tributasse o repasse de lucros das multinacionais instaladas no Brasil para que o país pudesse usufruir um pouco daquilo que sustentava o Estado do Bem-Estar Social europeu, além da estatização do que fosse estratégico para o país; uma reforma urbana, que abrangesse o fim do déficit de moradias populares regularmente construídas e com garantias de urbanização decente do seu entorno; uma reforma agrária que pactuasse a função social da terra em lei, onde grandes latifúndios improdutivos seriam expropriados para fins de distribuição equilibrada entre trabalhadores sem-terra; e, por último, uma reforma administrativa, que pudesse sanar a chaga da corrupção, do apadrinhamento de cargos públicos e desvios em geral da máquina burocrática. Estas reformas não chegaram a ser implantadas mas anunciadas e temidas, justificando as Marchas com Deus pela Liberdade e, mais adiante, o golpe civil-militar de 1964, que deu novo formato a algumas reformas com o objetivo tácito de calar a boca de quem queria, de fato, uma nação mais socialmente justa e equilibrada diante de suas imensas e potenciais riquezas.  

         João Goulart, por mais que tivesse sido embaixador do Brasil na China de tempos socialistas, era de filiação ideológica trabalhista (populista, nacionalista), portanto advogava um modelo de capitalismo mais próximo de seu mentor político, o ex-presidente Getúlio Vargas, sendo de mesmo partido, o PTB. Os trabalhistas são líderes carismáticos, propensos a uma mediação dos conflitos entre capital e trabalho, de maneira que o trabalhador tenha lá suas compensações pela exploração que sofre do patrão, garantidas pelo governo. São patriotas ou nacionalistas, têm em comum a iniciativa de proteger o Estado Nacional de intervenções e ingerências estrangeiras. Servem a um momento cíclico do capitalismo, pois ficam à espreita do caos social causado pelo ciclo liberal, e se arvoram detentores da solução política quando o desespero assola os países capitalistas. Isto é recorrente aos momentos seguintes ao naufrágio coletivo que os liberais proporcionam pelo seu modelo de acirramento de concentração absurda de riquezas.

         Para se ter uma ideia do que estou falando, quando tratamos da História da República no Brasil, apenas a título de recorte histórico, entre 1889 e 1930 temos um ciclo liberal. Era a República Velha, período em que os interesses expansionistas do capital estrangeiro deitavam e rolavam no país. A partir de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas, temos um ciclo trabalhista/populista que perdurará até 1945. Com ele, a industrialização do país e a consagração de direitos trabalhistas tão reivindicados pela classe trabalhadora durante o ciclo liberal anterior. Entre 1946 e 1950, temos outro ciclo liberal, interrompido pela eleição de Getúlio Vargas, agora no poder por deliberação democrática. Os liberais tentam assumir de novo o controle com JK, em 1956, e sentem perdê-lo com a aventura de Jânio Quadros que culminou na renúncia. João Goulart, seu vice, de filiação trabalhista, chega ao poder em 1961. Cortejando trabalhadores e comunistas sem deixar de ser trabalhista, seu problema foi alcançar o poder em meio à Guerra Fria, sendo o Brasil um país estratégico para o domínio estadunidense na América Latina. Assim sendo, interrompeu o ciclo liberal no mundo capitalista, pelo menos a nível local, e aventando a possibilidade de liberdade aos comunistas quando a fase era de disputa política dos blocos hegemônicos capitaneados por EUA e ex-URSS, foi deposto do poder por um golpe de Estado que foi ardilosamente preparado  pela classe dominante brasileira e setores conservadores com apoio estrangeiro para que pudéssemos continuar servindo-lhes dos recursos necessários ao seu próprio domínio sobre nós.

         Ofereço uma ponte para reflexão no tempo e no espaço:  esse preparo ardiloso da classe dominante brasileira, com financiamento gringo, que precedeu ao golpe de estado de 1964 e o título deste artigo "Quem implora por polícia não quer segurança, quer ditadura", uma referência ao caso contemporâneo de apelo das classes médias em marchas por paz e mais polícia, servem aos mesmos propósitos ou não? Não tratamos, em espécie alguma, de igualar o cenário internacional ou o contexto histórico que levaram aqueles atores sociais, em seu tempo, a recorrer a um golpe de estado. O cerne da questão gira em torno do interesse econômico implícito em manter tudo que gera a violência urbana "em paz" ontem e hoje, ou seja, sem profundas e necessárias mudanças na estrutura desigual e injusta da sociedade brasileira. 

           Vejam o quanto é grave a pregnância histórica do mesmo interesse de classe nas duas situações. O que foi pretexto para a  instabilidade de ontem, que culminou no golpe civil-militar, ou seja, a ameaça comunista, é comparável ao pretexto da violência urbana de hoje para instalar algo parecido como solução. Queremos que uma ação enérgica coercitiva do Estado dê conta de micro-proteções locais travestidas de solução para um flagelo nacional, quiçá internacional, que não se resume a indivíduos delinquentes mas é responsável por uma produção em série, verdadeira fábrica  incessante de delinquência, onde a polícia chega, mata um e vê surgirem cinco.  Estas marchas da classe média que pedem paz e mais polícia, assim como as antigas marchas com Deus e pela liberdade, servem apenas à proteção de interesses políticos e econômicos da minoria privilegiada, corroboram com uma repressão de alcance duvidoso quanto à eficácia, à autoria e à natureza dos delitos praticados de alguma forma. Por último, cria uma atmosfera de superpoderes nas mãos de militares e policiais que, uma vez criados nos ambientes institucionais mais corruptos, não virão a estabelecer sequer a ordem desejada mas um terrorismo de Estado, uma perigosa ilusão de proteção e segurança pública, onde os fins justificam qualquer meio. Inclusive a sujeição completa da democracia através da criminalização de inocentes, de opositores políticos, de movimentos sociais e de todos aqueles que reivindicarem para si e para o mundo uma diferença existencial aos padrões moralistas que estiverem vigorando.

         O regime civil-militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1988 trouxe muita tortura, perseguição, exílio e morte de opositores, do pensamento crítico e reflexivo, expurgando por longos anos deste país a sua chance de solucionar conflitos sociais históricos. Se fez o bolo crescer, como dizia a coisa do Delfim Netto, não fez a divisão do bolo e esta, sempre adiada, só cumpre o papel de fabricar marginalidade e violência. A corrupção extrema era abafada por um silêncio impositivo, dando a sensação de que o período democrático que o sucedeu foi o único responsável pela bagunça institucional que vivenciamos. Não foi, há heranças gritantes do período, inclusive dívidas monstruosas e formações culturais desviantes e nocivas. Como querer estancar a sangria desatada com mais porrada? Ao inflar o ego da parceria moralista entre cristãos conservadores e policiais e/ou militares sequiosos por sangue e poder, aqueles que vêm recorrendo a parcerias ou métodos destes setores sem olhar para a História e perceber o que já produziram de desgraça no mundo, não sabem o que estão plantando.

           Vale lembrar que Carlos Lacerda, liderança udenista da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, foi logo traído pela promessa de uma intervenção militar cirúrgica e provisória que depusesse João Goulart, estancasse a ameaça comunista e restabelecesse prontamente a democracia no país. Apegados ao poder, financiados pelos EUA, sustentados ideologicamente pelas classes médias temerosas de perderem o pouco que haviam conquistado, associadas à classe dominante na empreitada da defesa tosca do capitalismo selvagem, religiosos e militares ortodoxos compuseram não um cenário de ordem e de proteção às ameaças terroristas tão difundidas. Pelo contrário, uma forte reação às suas imbecilidades autoritárias foi promovida por ninguém mais, ninguém menos, que os filhos dessa própria classe média reacionária, que queria proteção à propriedade privada a qualquer custo mas não conseguiu fazer a cabeça de uma geração de jovens que percebera a contradição econômica do sistema, a ineficácia daquela vida regrada por padrões moralistas como critério de felicidade e, ainda que sem nenhuma ou pouca informação real sobre abusos de autoridade permitida de circular livremente, começou a perceber que quem estava sumindo não era bandido mas o próprio professor, o colega estudante, o jornalista e uma série de opositores que até hoje são objeto de debates em nossa sociedade quanto ao paradeiro, a autoria da operação, a causa ou crime cometido.

          Vale a pena mesmo militarizar o problema da segurança pública de novo? Vale a pena mesmo restringir direitos, deixar que policiais submersos na cultura da corrupção e da tortura, ganhem mais e mais poderes de intervenção nas comunidades, ruas, praças, avenidas, universidades? Eu tenho motivos suficientes para dizer que não. Não resolve o que se propõe a resolver e ainda cria mais problemas, entre abusos e intolerâncias à diferença de opiniões. A intenção deste aporte de investimento na polícia  é solucionar o que gera a violência urbana ou será criar ainda mais violência, já que as guerras só aumentam, ainda que estejamos cada vez mais trancados em casa, cheios de grade, câmeras e sirenes ao redor? Por ter estudado um processo histórico parecido, não semelhante, mas definidor de um novo ciclo do capitalismo, onde à certa altura da democracia, forças conservadoras temeram a capacidade de um governo populista em se aliar a reivindicações trabalhistas, onde a autonomia do país perante os EUA foi temida e recebeu financiamento a título de contra-golpe (aí sim, podemos usar este termo: contra-golpe da dominação estrangeira sobre a tentativa de Jango em implementar as reformas de base e a aproximação com as reivindicações históricas dos trabalhadores).            

          Os atingidos pela ascensão da violência urbana não conseguem perceber (ou não querem aceitar) que a ausência até hoje de mudanças estruturais significativas na desigualdade alarmante (de renda e de tratamento!) são a principal causa de tamanho conflito entre quem tem demais e quem não tem, ficando no meio quem tem alguma coisa e só olha pro próprio umbigo atrás de mais. Se estamos deixando cada qual entregue a uma perspectiva individualista, o que produzimos de efeito colateral se não a barbárie? Ora, sem vínculos que assegurem o ganha-pão do dia-a-dia, sem garantias trabalhistas (trabalhadores são cada vez mais desvalorizados e assistem ao crescimento de poder e renda na mão de bandidos), sem estudo de qualidade e sem assistência adequada dos serviços públicos em geral, não será a polícia o único serviço, aquele que chega para prender, bater, torturar e matar, que estancará o processo de degradação do caráter humano. Logo, os métodos coercitivos que sempre foram implorados pela classe dominante e pela classe média afoita por mais e mais não passam de reivindicações por autoritarismos que nunca resolveram os nossos conflitos históricos. Pelo contrário, só serviram para nos subordinar ainda mais a sádicos nativos que se locupletaram da condição de colônia, a serviço de sua própria ganância e vaidade, além de repassar dividendos aos maiores beneficiados, que são os sádicos das históricas metrópoles.

        É por essas e outras que reivindico o distanciamento da polícia e dos militares do processo de reestruturação necessário, aquele que será capaz de conter a violência urbana aos níveis de barbárie a que chegamos. Será preciso, ao contrário do investimento maciço em segurança pública repressiva, rever nossa legislação sobre drogas, liberando-as dessa máquina de corrupção e guerra. Será preciso mudar leis e punir com pena de morte os corruptos em geral, sendo estes genocidas a prioridade das políticas de segurança pública. É preciso reverter imediatamente o patrimônio roubado para ações efetivas sobre as necessidades de nosso povo. 

        Sem isso, o que ficar na mão dos moralistas cristãos, inclusive dos nazi-fascistas das forças de repressão, só resultará em mais guerra e declínio da qualidade de vida de nosso povo. Precisamos nos livrar de retrocessos. Eles não são soluções para o problema e têm efeitos colaterais bem conhecidos e estudados por nossa História recente. É hora de investir em inteligência, sensibilidade e solução efetiva. Enxugar gelo, torturar, prender e matar só vêm proporcionando mais ações criminosas. Ademais, a polícia não tá com essa moral toda quando sabemos o quanto é corrupta. A mesma classe média que assistiu aos filmes "Tropa de Elite" 1 e 2, que não vivencia mas sabe dos abusos da polícia nas comunidades mais pobres, é aquela que vai às ruas pedir reforço deste tipo de policiamento???? Francamente, quem implora por mais polícia nas ruas, quando sabemos que quem a comanda são os bandidos e corruptos, não quer segurança, quer ditadura.  Os filmes citados acima poderiam ser objeto de reflexão destes movimentos por mais policiamento. Paz e polícia não combinam. Vamos financiar milicianos para quê? Trata-se de uma pseudoproteção que pode custar muito mais caro em pouco tempo a uma sociedade cuja maioria ainda não está armada. E nem deve.